Conselho de D. João VI a D. Pedro - íntegra da carta (1822)
26/08/1822
Se o Brasil for se separar de Portugal, antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que para algum desses aventureiros”. O conselho dado pelo rei a seu filho, lembrado pelo próprio D. Pedro em carta ao pai, escrita menos de três meses antes do Grito do Ipiranga, mostra como se misturam no processo da independência dois fenômenos distintos: o arranjo dinástico, do qual o próprio conselho é exemplo eloqüente, e o impulso separatista, evidente na referência feita aos aventureiros. A oscilação entre ruptura e compromisso marcaria não só a Independência como as disputas políticas entre os “partidos” dos portugueses e dos brasileiros durante o Primeiro Reinado.
Rio de Janeiro, 19 de junho de 1822.
Meu pai e meu Senhor,
Tive a honra e o prazer de receber de Vossa Majestade duas cartas, uma pelo Costa Couto e outra pelo Chamberlain, em as quais Vossa Majestade me comunicava o seu estado de saúde física, a qual eu estimo mais que ninguém, e em que me dizia - "Guia-te pelas circunstâncias com prudência e cautela". Esta recomendação é digna de todo o homem, e muito mais de um pai a um filho e de um Rei a um súdito que o ama e respeita sobremaneira.
Circunstâncias políticas do Brasil fizeram que eu tomasse as medidas que já participei a Vossa Majestade; outras mais urgentes forçaram-me por amor à Nação, a Vossa Majestade e ao Brasil a tomar as que Vossa Majestade verá dos papéis oficiais que somente a Vossa Majestade remeto. Por eles verá Vossa Majestade o amor que os brasileiros honrados lhes consagram à sua sagrada e inviolável pessoa e ao Brasil, que a Providência Divina lhes deu em sorte livre e que não quer ser escravo de luso-espanhóis, quais os infames déspotas (constitucionais in nomine) dessas facciosas, horrorosas e pestíferas Cortes.
O Brasil, Senhor, ama a Vossa Majestade, reconhece-o e sempre o reconheceu como seu Rei; foi sectário das malditas Cortes, por desgraça ou felicidade (problema difícil de decidir-se), hoje, não só abomina e detesta essas, mas não lhes obedece nem obedecerá mais, nem eu consentiria tal, o que não é preciso, porque de todo não querem senão as leis da sua Assembléia Geral Constituinte e Legislativa, criada por sua livre vontade para lhes fazer uma Constituição que os felicite in eternum se possível for.
Eu ainda me lembro, e me lembrarei sempre, do que Vossa Majestade me disse antes de partir dois dias, no seu quarto: (Pedro, se o Brasil se separar antes seja para ti que me hás de respeitar do que para algum desses aventureiros). Foi chegado o momento da quase separação, e estribado eu nas eloqüentes e singelas palavras expressadas por Vossa Majestade, tenho marchado adiante do Brasil, que tanto me tem honrado.
Pernambuco proclamou-me Príncipe Regente sem restrição alguma no Poder Executivo, aqui consta-me que querem aclamar a Vossa Majestade Imperador do Reino Unido e a mim Rei do Brasil. Eu, Senhor, se isso acontecer, receberei as aclamações, porque me não hei de opor à vontade do povo a ponto de retrogradar, mas sempre, se me deixarem, hei de pedir licença a Vossa Majestade para aceitar, porque eu sou bom filho e fiel súdito. Ainda que isto aconteça, o que espero que não, conte Vossa Majestade que eu serei Rei do Brasil, mas também gozarei a honra de ser de Vossa Majestade súdito, ainda que em particular seja, para mostrar a Vossa Majestade a minha consideração, gratidão e amor filial tributado livremente.
Vossa Majestade, que é Rei há tantos anos, conhecerá muito bem as diferentes situações e circunstâncias de cada país, por isso Vossa Majestade igualmente conhecerá que os Estados independentes (digo os que nada carecem como o Brasil) nunca são os que se unem aos necessitados e dependentes; Portugal é hoje em dia um Estado de quarta ordem e necessitado, por conseqüência dependente; o Brasil é de primeira e independente, argüi que a união sempre é procurada pelos necessitados e dependente, ergo a união dos dois hemisférios deve ser (para poder durar) de Portugal com o Brasil e não deste com aquele, que é necessitado e dependente. Uma vez que o Brasil todo está persuadido desta verdade eterna, a separação do Brasil é inevitável, a Portugal não buscar todos os meios de conciliar com ele por todas as formas.
Peço a Vossa Majestade que deixe vir o mano Miguel para cá seja como for, porque ele é aqui muito estimado e os brasileiros o querem ao pé de mim para me ajudar a servir ao Brasil, e a seu tempo casar com a minha linda filha Maria. Espero que Vossa Majestade lhe dê licença, não queira lhe cortar a sua fortuna futura, quando Vossa Majestade, como pai, deve por obrigação cristã contribuir com todas as suas forças para a felicidade de seus filhos. Vossa Majestade conhece a razão, há de conceder-lhe a licença que eu e o Brasil tão encarecidamente pedimos pelo que há de mais sagrado.
Como filho respeitoso e súdito constitucional, cumpre-me dizer sempre a meu Rei e meu pai aquela verdade, que de mim é inseparável; se abusei peço perdão, mas creio que falar a verdade nunca é abuso, antes, é obrigação e virtude ainda quando ela for proclamada e contra o próprio sujeito ou pessoa de alto coturno.
As minhas cartas anteriores a esta, como haviam de aparecer a quem atacado a Deus e a Vossa Majestade, e tendiam a felicitar a Nação toda, haviam mister serem muito fortes; mas Vossa Majestade, conhecedor da verdade e amante dela, saberia desculpar o meu atrevimento de me servir de cartas de Vossa Majestade para atacar atacantes, perdão peço e decerto alcanço.
Dou parte a Vossa Majestade que as minhas filhas estão boas (da Maria remeto um retrato tal qual ela) e a Princesa está também boa e já com uma falta de doze dias neste mês e parece-me não ser falsa.
Remeto no meio dos papéis um figurino a cavalo da Guarda de Honra, formada voluntariamente pelos paulistas mais distintos da província e em que tem entrado também desta província: os de São Paulo têm na correia da canhanha SP e os do Rio de Janeiro RJ.
Tenho a honra de protestar novamente a Vossa Majestade os meus sentimentos de amor, respeito, submissão de filho para um pai carinhoso e de súdito para um Rei justo.
Deus guarde a preciosa vida e saúde de Vossa Majestade como todos os bons portugueses, e mormente nós brasileiros o havemos mister.
Sou de Vossa Majestade súdito fiel e filho obedientíssimo que lhe beija a sua real mão - Pedro.
Segue-se anotação de D. João VI, encaminhando a carta do príncipe 1as Cortes:
Il.mo e Ex.- Sr.mo - Sua Majestade, firme na resolução de sustentar o sistema constitucional que felizmente nos rege e que de todo o seu coração jurou manter; e dando continuamente não equivocas provas da sua boa fé, sinceridade e franqueza com que abraçou a nova ordem de coisas, manda remeter a V. Ex.a para serem presentes ao soberano Congresso todas as cartas que ontem recebeu de Sua Alteza Real, o Príncipe D. Pedro, as instruções para a eleição de deputados das províncias do Brasil, e os mais papéis e peças que as acompanham. Manda, outrossim, Sua Majestade declarar ao mesmo soberano Congresso haver equivocação nas expressões sublinhadas da carta de 19 de junho deste ano, em que S. A. Real alude às conversas que tivera com seu augusto pai.
Deus guarde a V. Ex.a, Palácio de Queluz, 26 de agosto de 1822 - Il.mo e Ex.mo Sr. João Baptista Filgueiras - José da Silva Carvalho.
Na margem)- Em sessão de 26 de agosto de 1822. Foram lidos e se mandou que fossem restituídos os originais, ficando cópia para se imprimir tudo e remeta-se aquela à Comissão dos Negócios Políticos do Brasil.
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