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31.No balé, com Luís Eduardo

25/12/1995

Franklin Martins


No balé, com Luís Eduardo


Qual o melhor presente que milhões de brasileiros po-deriam ter recebido na noite de Natal? Carros importa-dos, videogames, roupas de grife, CDs ou livros? Não, comida apenas comida. Para 16 milhões de nossos compatriotas que, segundo as estatísticas mais confiá-veis, vivem abaixo da linha de pobreza absoluta, a mais dramática de todas as necessidades continua sendo a de garantir um prato de comida na mesa todos os dias —se

possível, três vezes ao dia. Se Papai Noel fosse capaz de resolver esse problema, cer-tamente sua imagem, hoje as-sociada à febre consumista que geralmente invade o país em dezembro, passaria por urna bela recauchutada. Os sinos tocariam em sinal de regozijo e engrossaria a olhos vistos a legião dos ho-mens de boa vontade, com a paz da panela cheia substi-tuindo a paz dos condomí-nios fechados. Infelizmente, porém, os poderes de Papai Noel não chegam para tanto. Os de Betinho tampouco. A Campanha da Fome, que nos dois últimos anos mobilizou muitos corações para encher alguns pratos, esvaziou-se. É urna pena. O Comunidade So-lidária, que poderia fazer al-guma coisa, continua empa-cado, naquela velha sociolo-gia de sempre. Mudam as. LBA5, continuam as primei-ras damas. Mas nem tudo está perdido. Na quinta-feira, o Governo di-vulgou os mais recentes nú-meros do consumo per capita de alimentos em nosso país. Os dados revelam que os bra-sileiros estão comendo mais, bem mais, depois da chegada cio Real e da queda da infla-ção. O campeão da mesa é o frango. Seu consumo cresceu 24,4%. Os ovos ficaram em segundo lugar, com 21,4% de incremento. Em terceiro, veio o feijão, com 14,7%. O consumo de milho subiu 12%, o da carne. de porco, 11%, o do óleo de soja, 9%, o da carne de boi, 4% e o do tri-go, também 4%. Ainda na úl-tima semana, informou-se que o consumo de leite per capita no Brasil cresceu 39% com o Real. Segundo os eco-nomistas do Governo, dois fatores foram responsáveis pela mudança positiva: a massa salarial dos trabalha-dores elevou-se no período, enquanto o preço da cesta básica permaneceu estável. É possível ainda que; no ca-so, a realidade seja melhor do que as estatísticas. A ra-zão é muito simples: os nú-meros falam de aumento do consumo médio por habitan-te. Como se supõe que as fa-mílias ricas e de classe média já satisfaziam antes suas ne-cessidades de alimentos da cesta básica, o mais provável é que o aumento do consumo desses produtos tenha se concentrado nas famílias de baixa renda ou mesmo na-quelas que, há 18 meses, es-tavam abaixo da linha da po-breza absoluta. Tudo indica, portanto, que depois do Real, a miséria, a fome e a degradação humana dinlinuiram no Brasil. É evi-dente que os nossos proble-mas sociais continuam íman-

sos e os recenten avanços são frágeis e precários. Mas temos o que comemorar: es-tamos andando para a frente e não para trás. Que melhor notícia o Brasil poderia ter nesse Natal? Por isso mesmo, é espantoso que ela tenha sido dada por um funcionário de segundo escalão, o secretário de Poll-ticaEconamica do Ministério da Fazenda, José Roberto Monteiro de Barros, Pênalti é uma coisa tão importante que só deveria ser batido pe-lo presidente do clube, ensi-nava Neném Prancha, filóso-fo do futebol de praia do Rio na década de 50. Notícia boa como essa, com tantas con-seqüências políticas e eleito-raia, só deveria ser dada pelo presidente da República. Fernando Henrique, porém, não pensa assim. No mesmo dia que Monteiro de Barros anunciava, em meio a uma coletiva chinfrim, o aumento do consumo de alimentos no Brasil, o presidente preferiu ocupar o noticiário com mais um capitulo de seu chatíssi-mo nhenhenhém com o pre-sidente da Câmara, Luís Eduardo Magalhães — um pas de deux cifrado, que pode até ser do agrado de um ou outro cortesão em Brasília, amante do balé dos bastido-res, mas mata de tédio o po-vão, que tem coisas mais im portantes a fazer do que acompanhar os rodopios do mulatinho rosado e do meni-no que vai longe, antes tão amigos, agora tão amuados. Tivesse nosso príncipe uma boa oposição, dessas que ba-te firme no Governo e não lhe dá refresco, porque está pre-parando o seu dia de amanhã em vez de chorar pelo leite derramado ontem, e certa-mente estaria mais esperto. Não perderia a oportunidade de exibir ao povo, através de ema cadeia de rádio e TV, os números que mostrara que a vida, depois do Reál, melho-rou um pouco. E certamente trataria de vender seu peixe, dizendo que ala pode melho-rar ainda mais, desde que o país consiga completar a re-forma do Estado iniciada en-te ano, consolidando a esta-bilidade da economia e a re-tomada do desenvolvimento. Mas, seta oposição, o presi-dente parece que anda pre-guiçoso para correr atrás do eleitor e da opinião pública, corno costuma ocorrer com os gatos que não têm ratos para caçar em casa, É uma questão de escolha, Quem não corre atrás do elei-tor acaba sendo obrigado a paparicar os aliados. O título desta coluna poderia ser "À mesa, com Fernando Henri-que". Acabou sendo "No ba-lé, com Luís Eduardo".


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