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32.Governo esquisito

27/11/1995

Franklín Martins


Governo esquisito


O que está esperando o presidente da República para afastar de seu cargo a presidente do lucra, Fran-cisco Graziano, metido até o pescoço no episódio da escuta telefônica ilegal na residência do embaixador Júlio César Gomes doo Santos? O que está espe-rando o ministro da Justi-ça, Nélson Jobim, para de-mitir o diretor da Policia Federal, Vicente Chelotti, que, conivente com o gru-po que executou o grampo, vem sabotando intencio-nalmente as investiga-ções? A essa altura do cam-peonato, está evidente a es-treita ligação de Graziano com a escuta telefónica. Só não se sabe se ele deu a or• dem para que seus amigos na Polícia Federal fizessem a escuta ou se, tomando co-nhecimento da produção independente dos mesmos amigos, resolveu pescar nas águas turvas da ara-pongagem para desestabili-zar Júlio César, seu desa-feto pessoal. De qualquer forma, está comprometido. Foi Graziano quem entre-gou a fita com as gravações ao presidente da Repúbli-ca, fazendo rolar a bola de neve que ainda está em movimento. Foi também uma pessoa próxima do mui leal Graziano quem se encarregou de vazar para a imprensa o conteúdo das gravações, pondo o presi-dente contra a parede e o olarigando a afastar rapida-mente o embaixador de sua ante-sala. Também está evidente que Chelotti não é inocente no caso. A dúvida é se ele sabia do grampo desde o primeiro instante ou se, co-locado diante do fato con-sumada por seu irmão Chelotinho e o delegado Mário Santos, homem de sua confiança que coman-dou a operação, decidiu acobertá-los. Em momento algum informou a seu su-perior hierárquico, o mi-nistro Nélson Jobim, o que estava se passando e, mais tarde, enganou-o delibera= demente com a ínvencioni-os de que a investigação sobre Júlio César fora mo-tivada por suspeita de en-volvimento com o narco-tráfico. Por tudo isso é estarre-acalora a hesitação do Go-verno em demitir Grazia-no e Chalota Esse compor-tamento dúbio ameaça em-purrar a crise do Sivam para uma terceira etapa, muito mais grave que as duas anteriores. A primei-ra etapa, aberta com a des-coberta do envolvimento do embaixador em tráfico de influência, deixou como saldo a demissão de Júlio César e o afastamento do brigadeiro Mauro Gandra. Foi grave, mas o inundo 'ião veio abaixo, porque o Governo não vacilou em

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cortar na própria carne. A segunda etapa iniciou-se quando os jornais mostra-ram que o grampo fora executado por parentes e colaboradores diretos de Chelotti, e ordenada — ou, ao menos, pilotada — por Gradam Agisse o Gover-no com a mesma presteza e o mesmo rigor da primeira fase, e a crise estaria de-belada. Mas alguma razão fez o presidente titubear na ho-ra de amputar as partes podres de seu Governo. Nesse caso, o risco é que a gangrena alastre-se pelo organismo sadio. A credi-bilidade do presidente tal-vez seja unia das primeiras áreas ameaçadas pela in-fecção. Adensam-se as avi-ciências de que Fernando Henrique, desde o primei-ro instante, procurou tra-tar a crise do Sivam entre quatro paredes, só tendo tomado atitudes mais drás-ticas porque a imprensa, mordendo os calcanhares dos envolvidos, não deixou que o caso fosse abafado. • Na momento, procuram-se respostas para as se-guintes perguntas: o que paralisou a vontade do pre-sidente, que, até a quinta-feira, proclamava sua dis-posição de cortar pela raiz o tumor que rói as entra-nhas do Governo, mas, na reunião ministerial de sá-bado, já achava mais con-veniente passar uma bor-racha no assunto? Por que, na quinta-feira, Jobim deu 24 horas improrrogáveis de prazo ao delegado Che-lotti para responder ao mi-nucioso questionário em que arrolou suas dúvidas sobre o comportamento da PF no caso Sivam, mas re-cuou 24 horas depois, con-cedendo-lhe mais trás dias para fazer o dever de casa? O que aconteceu na sexta-feira, que fez o Governo mudar de rumo? Está aber-ta a temporada de especu-lações. De minha parte, acho, no mínimo, esquisito esse Governo. Num dia, o pre-sidente fala grosso com o ministro da Aeronáutica. No outro, fala fino com um assessor que não tem votos nem tropas. Num dia, rá-pido no gatilho, manda pa-ra casa o chefe da FAB, sob a alegação de que seu Go-verno não poderia convi-ver sequer com uma som-bra de dúvida, ainda que a decisão pudesse lhe custar a eclosão de nina crise mi-litar. No outro, treme na hora de sacar diante do de-legado Chelotti, dando-lhe todo o tempo cio mundo pa-ra que ele tente explicar o inexplicável, coma se te-messe uma crise no reine dos arapongas. Alguma pe-ça não encaixa no quebra-cabeças. E o cheiro de podre con-tinua no ar.

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