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30.Touro novo

Franklin Martins

22/01/1996


Touro novo


O acordo entre o Governo e as centrais sindicais em torno do projeto da reforma da Previdência é o fato po-litico mais importante ocorrido desde que o presidente Fernando Henrique Cardoso, no primeiro semestre do ano passado, formou a maioria parlamentar mais folga-da de que se tem notícia na democracia brasileira e lo-grou aprovar as emendas constitucionais que quebra-ram os monopólios estatais e abriram a economia.

Depois da cerimônia que reu-niu o presidente e os sindica-listas no Palácio do Planalto, a Governo Fernando Henrique não será mais o mesmo. Tam-pouco a oposição. Com sua lín-gua presa e seu verbo solto, o presidente da C117, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, quebrou o ferrolho do "quatro a um" que comandou a ativida-de política no ano passado — ou seja, para cada quatro vo-tos do Governo no Congresso, a oposição tinha apenas um. Essa disparidade de forças, confirmada monotonamente a cada votação no parlamento, acabou produzindo dois efei-tos. Primeiro, os partidos, gru-pos e personalidades da coali-zão governista, sem adversá-rios à vista, passaram a se co-mer entre si; dai os grampos, os vazamentos e o nhenhe-nhém dos últimos tempos. Se-gundo, a oposição, deprimida pela própria debilidade, sim-plesmente sumiu de cena, à es-pera de dias melhores. Que o tempo e o acaso resolvessem aquilo que lhe parecia acima de suas forças e de sua ciên-cia! Para o bem ou para o mal, esse ferrolho foi quebrado agora por Vicentinho. As por-tas que separavam Governo e oposição estão abertas. As di-reções do PT e do PDT, talvez viciadas em ambientes fecha-dos, reagiram como se temes-saiu que, junto com a corrente de ar, viessem a contaminação e a doença, Do outro lado, os mais aleitou já estão falando em pacto saciai. O mais prová-vel é que não ocorra nem uma coisa nem outra, mas apenas aquilo que os criadores de ga-do sabem ser indispensável, periodicamenta, para 'alvar seus rebanhos da mesmice e da degeneração: um choque genético. Vicentinho é o touro novo no pedaço. Pulando a cerca daqui para lá, de lá para cá, sem medo de ser leio, pode fazer um bem danado aos dois lados, que andam preeisadíssa mos de sangue fresco. Os re-sultados dessas aventuras só serão sentidos a médio prazo. A natureza tem seu próprio rit-mo e não adianta apressá-la. O acordo esboçado em tor-no da POevidência, porém, tent também conseqüências ime-diatas. Tecnicamente, o Gover-no levou bem menos do que gostaria. Não conseguiu fixar o principio da aposentadoria por 'idade e teve de aceitar o critério de 35 anos de contri-buição, o que não está muito distante da aposentadoria aos 35 anos de serviço, atualmente vigente, cujo impacto sobre o caixa 'do INSS é conhecido, Tampouco logrou o Governo assentar uma base firme para a introdoção do modelo misto de Previdência, com a abertu-ra da aposentadoria comple-mentar para a iniciativa priva-da. Embora não haja Impedi-mento constitucional para es-sa mudança, não se criou ajas,-

ra o clima adequado para a adoção de um programa vigo-roso nesse sentido. Não é pou-ca coisa para um Governo que considera a disseminação dos fundos de pensão decisiva pu-ra aumentar a taxa de poupan-ça da nossa economia e seus índices de crescimento. Mas, apesar dessas conces-sões, o Governo não fez um mau negócio, Afinal, criou con-dições para estancar a sangria de recursos coro as aposenta-dorias no serviço público, que consomem quase tanto quan-to a folha de funcionários ata vos, e eliminou praticamente todas as aposentadorias aspe-ciais, outro ralo da Previdên-cia, Arrancaria o Governo mais do que isso de deputados e se» nadares num ano eleitoral? O acordo tampouco foi ruim para as centrais sindicais. Ga-nharain o que mais queriam; a retirada da emenda que esta-balada a idade mínima de apo-sentadoria de 65 anos para os homens e de 60 para as milhe-res. Venceram ainda em dois pontos importantes: o Gover-no não poderá mais usar re-cursos da Seguridade Social para suas despesas e a gestão da Previdência passará a ser quadripartite com a participa-çâo de trabalhadores e apo-sentados. Nos demais Itens, cederam. Politicamente, em termos imediatos, o acordo foi positi-vo tanto para e Governo quan-to para a CUT. Graças a ele, o Palácio do Planalto conseguiu restabelecer o clima de con-fiança entre seus aliados. O apoio de Vicentinho ao ajuste da Previdência — ajuste, por-que a reforma ficou para o fu-turo — dissipou a intranqüili-dade pré-eleitoral da bancada governista. Pouco importa agora que a oposição vote con-tra. O Governo vencerá com folga a votação, ganhando fOle-go para as reformas adminis-trativa e tributária, De quebra, Fernando Henrique pode co-memorar outro fato: introdu-ziu um novo parceiro no jogo, para contrabalançar o peso às vezes excessivo cio PFL nas ar-ticulações. Quanto à oposição, pode não saber disso, mas também saiu Lucrando, no plano políti-co, com o acordo. Vicantinho mostrou que a negociação, ao contrário do isolamento, é ca-paz de transformar um placar de quatro a um num de três a dois. Irritou muita gente den-tro de seu partido, mas tam-bém despertou outros tantos. O delicado equilíbrio interno em que o PT meteu-se depois da segunda derrota de Lula pa-ra aresidente, que pode ser re-sumido na fórmula "pasmacei-ra com dignidade", acabou. O episódio mostrou que for-ças poderosas no partido e no movimento sindical não mei-taMmais ficar fora do jogo po-lítico. Já lamberam as feridas da derrota e decidiram tirar o lute. É a vida que continua,


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