Arinos, da tribuna, pede renúncia de Getúlio (1954)
09/08/1954
O discurso transcrito abaixo foi, sem dúvida, um dos mais duros e veementes já proferidos no Parlamento brasileiro. Nele, o líder da oposição, o deputado Afonso Arinos (UDN-MG) fala a Getúlio Vargas, “como presidente e como homem”, para pedir-lhe que renuncie à Presidência da República. Era o dia 9 de agosto de 1954. Quatro dias antes, o jornalista Carlos Lacerda, inimigo de Vargas, fora ferido em um atentado na rua Toneleros, em Copacabana, no Rio de Janeiro, no qual morreu o major da Aeronáutica Rubem Vaz. As investigações, conduzidas por oficiais da FAB, logo revelaram que por detrás do crime estavam elementos da guarda pessoal do presidente. O país ficou estarrecido. É nesse clima que Arinos sobe à tribuna da Câmara e, de improviso, profere o discurso demolidor.
As semanas seguintes seriam dramáticas. Pressionado pelas Forças Armadas a renunciar, Getúlio matou-se com um tiro no peito na manhã de 24 de agosto.
“Senhor Presidente,
Os jornais desta manhã publicam copioso noticiário sobre a visita do Senhor Presidente da República ao meu Estado, sobre o discurso ali pronunciado por Sua Excelência e sobre as declarações por ele apresentadas durante a entrevista coletiva que concedeu à imprensa mineira.
Na primeira parte do seu discurso o que existe de fundamental é o auto-elogio a pretexto das obras realizadas pelo seu Governo em beneficio da terra e do povo de Minas Gerais.
Servindo-se da técnica habitual da autopropaganda, servindo-se do estilo peculiar aos ditadores e aos espíritos de formação ditatorial, aos personalistas e aos crentes de que os benefícios do Governo são devidos à pessoa do seu chefe, enumera Sua Excelência uma série de medidas administrativas promovidas em seguimento a determinações da Constituição e das leis; enumera o cumprimento da execução dos orçamentos da República; enumera as vantagens conferidas pela assistência do Estado às unidades federativas, nos termos da organização federal e nos termos das leis que regem a espécie. E não se esquece, também de enumerar, com minucioso cuidado, até mesmo as providências tomadas no cumprimento dos dispositivos constitucionais adotados pela Assembléia de 1946, em relação à valorização do Vale do São Francisco.
Mas não é, Sr. Presidente, preocupado em colocar nos seus devidos termos esse rosário de auto-elogios com que o Senhor Presidente da República, na ausência do DIP, transformou-se no DIP de si mesmo; não é com o empenho de restabelecer a verdade, nem de abrir polêmica com Sua Excelência na minha qualidade de mineiro; não é mesmo preocupado com a idéia de opor a estas fugazes, a estas mendazes declarações aquelas realidades por todos nós conhecidas, aqueles episódios de humilhação e de vergonha, aqueles anos de opróbrio e de esmagamento que fizeram da outrora gloriosa Província de Minas Gerais o reduto de todas as ambições e o pasto de todos os excessos da política getuliana que vou prosseguir. Meu propósito é outro. Prefiro analisar o discurso de Sua Excelência naquilo em que mais diretamente se relaciona ele com os assuntos da hora, com os problemas do dia, com as paixões que atraem a atenção do povo brasileiro.
Desejo respirar na fala otimista do Presidente àqueles trechos finais em que o Senhor Getúlio Vargas entra no debate do problema político. Ali diz Sua Excelência com todas as letras de cada palavra e com todas as palavras de cada frase, com álgida tranqüilidade e com absoluto desprendimento, que existe da parte do povo brasileiro - que ele confunde com a oposição, um propósito de gerar confusão pela mentira, acrescentando que a objurgatória, a mentira e a calúnia não conseguirão abater o seu ânimo. Duas vezes é repetida a palavra mentira; duas vezes arremete o Presidente contra a justiça dos seus acusadores, tratando-os de invencionistas e de caluniadores.
Senhor Presidente, há uma versão histórica; há, pelo menos, uma tradição legendária que declara que, no momento em que a maior justiça se encontrou com a maior injustiça e no dia em que o erro supremo se defrontou com a suprema verdade, nesse dia o juiz, o interessado na justiça, o representante de poder estatal, que era Pôncio Pilatos, em face da perturbadora fúria, em face do transviamento das multidões arrebatadas, esquecendo-se dos deveres morais que incumbiam a sua pessoa e dos misteres políticos que incumbiam a seu cargo, respondeu, a uma advertência, com estas palavras melancólicas: "Mas, o que é a verdade?"
A resposta a esta pergunta tem sido inutilmente procurada pelos pensadores e pelos filósofos. O que é a verdade? Para cada um ela se apresenta para cada além, para cada esperança, para cada paixão, para cada interesse. Para cada além, para cada esperança a verdade se reveste de roupagens enganosas. Ninguém jamais formulou esta pergunta em relação à negação da verdade, ninguém perguntou jamais: "O que é a mentira?"
Ao Sr. Getúlio Vargas respondo que, se não é possível saber o que é a verdade, é perfeitamente possível saber-se o que não é a mentira.
Ele nos acusa de estarmos proferindo mentiras contra seu Governo. Ele investe contra nós, declarando que da voz do povo sai um clamor de mentiras. E eu pergunto: será mentira a viuvez, o crime, a morte e a orfandade? Serão mentiras os corpos dos assassinados e dos feridos? Será mentira o sangue que rolou na sarjeta da Rua Toneleros? Será mentira a presença dos órfãos abandonados pelo pai que os devia assistir? Será mentira a viuvez lutuosa que outro dia assistimos, confrangida e ajoelhada na prece do perdão, na ausência do companheiro de sua vida? Será mentira que aquele velho político não saiba que um jovem herói tombou, siderado pela arma dos assassinos? Será mentira esta declaração de um condor das nossas Forças Armadas, um dos jovens condores, feito para morrer lutando no céu, que uma dessas aves poderosas, cujas asas metálicas se frisam ao sol do Brasil, não morreu "peleando", como diz essa figura oracular da nova República, o Tenente Gregório Fortunato?
Será mentira dizer-se que esse jovem condor, feito para morrer nos embates e descer, como um rastro de fogo, pelo céu incendiado, não morreu "peleando", morreu golfando sangue generoso de mistura com a lama das ruas; não morreu peleando, porém, assassinado; porém que baleado, porém que fuzilado pelo sicário infame do Governo, numa tocaia sinistra? Será mentira - e clamo diante do Congresso, e lembro diante dos representantes da Nação, grito para as ruas, e recordo para o povo - será mentira que falte um homem em nossas Forças Armadas? Será mentira que sobre uma viúva entre as viúvas do Brasil e que sobrem órfãos entre as crianças brasileiras? Será mentira a pedra que rola pelo despenhadeiro do descrédito? Será mentira o desprestígio das autoridades, que vão de cambulhada, com o fracasso da administração? Será mentira que os rios do descrédito e do opróbrio, será mentira que os rios e ribeiros que descem as colinas de nossa vida pública se encontrem, convergem e vão de roldão para a desagregação e para a desmoralização deste governo falido? Será mentira que o País tenha assistido, de algum tempo a esta parte aos mais graves abalos na sua vida e em sua honra? Será mentira o inquérito da Última Hora? Será mentira o inquérito da Carteira de Exportação? Será mentira o espetáculo vergonhoso da submissão de nossa política internacional aos ditames e caprichos de um ditador platino?
Serão acaso mentiras tantas pequenas misérias e pequenas infâmias? Serão mentirosas, ao lado da corrupção nacional, as pequenas corrupções estaduais, e as pequenas corrupções municipais dos caminhões das feiras-livres e das impressões de cédulas para os apaniguados do poder? Será mentira tudo isso? Estaremos nós vivendo num meio de realidades ou de sonhos? Ou será ele o grande mentiroso, ou será ele o grande enganado ou será ele o pai supremo de fantasmagoria e da falsidade?
Nós não mentimos, Sr. Presidente. O que nós fazemos é conter a verdade, é reprimi-la dentro dos limites do nosso bom senso e do nosso patriotismo. É não permitir, é aconselhar, é insistir para que essa verdade não exploda na desordem e não rebente em torrentes de sangue.
A evolução de nossa vida, a sucessão dos acontecimentos que têm golpeado a sensibilidade nacional atingiu, de fato, a limite insuperável; chegou, efetivamente, às fronteiras e aos lindes do inimaginável com o crime que nos últimos dias vem abalando a Nação. Não me perderei em referências conhecidas, não insistirei no protesto, na condenação e na revolta contra as conhecidas vergonhas.
Procurarei apenas, com base em circunstâncias de fatos irrecusáveis, colocar perante a Nação, através de seus representantes, os mais recentes aspectos desta vergonhosa situação.
Ontem à noite, recebi a visita dos Senhores Adauto Lúcio Cardoso e Pompeu de Sousa - o primeiro, advogado do jornalista Carios Lacerda, uma das vítimas do covarde atentado; e o outro, representante dos diretores dos jornais acreditados, nos termos da combinação realizada, entre as autoridade militares e as autoridades civis, junto ao desenvolvimento do inquérito.
Estes dois ilustres profissionais do Foro e da imprensa vieram solicitar-me que transmitisse à Câmara dos Deputados a parte que, neste momento, já pode ser divulgada, referente às aquisições ontem verificadas no decorrer das investigações.
Devo advertir que eu mesmo não estou no conhecimento de todos os detalhes, cumprindo-me ajuntar que alguns dos pormenores de que sou conhecedor não os poderei transmitir, porque a tanto me obrigo por compromisso formal, compromisso a ser entendido como manifestação de cooperação com as autoridades que prosseguem nas investigações, de vez que a revelação de todos os pormenores neste momento poderia trazer empecilhos irreparáveis à elucidação dos fatos.
O que posso assegurar à Câmara, com absoluta certeza - o que, aliás já é do conhecimento das altas autoridades das Forças Armadas e da polícia, compreendidos entre elas o Brigadeiro Eduardo Gomes e o Chefe do Departamento Federal de Segurança Pública -, é estar inteiramente provado, de acordo com documentos que oportunamente virão a público, que, antes de as Forças Militares que procedem à investigação terem localizado o nome do último dos criminosos envolvidos neste assunto, já a guarda do Presidente da República, pressentindo que ele seria, afinal preso, lhe dava fuga oficialmente e tomava a iniciativa de protegê-lo com essa fuga. Isso ficou fora de dúvida. Eu aqui tento limitar a minha revelação e as minhas conclusões àquele campo objetivo que não possa ser posto em dúvida e inquinado de paixão, porque, na verdade, se eu estivesse disposto a abandonar-me ao desenvolvimento natural do meu raciocínio, eu poderia, com muitos bons fundamentos, chegar a responsabilizar o próprio Governo pelo que está acontecendo. Na verdade, se eu tivesse a leviandade do Senhor Presidente da República, ao nos acusar infundadamente de mentirosos; se eu quisesse retrucar com essa leviandade incompatível com a magnitude e com a importância do seu cargo, eu teria muito mais razão do que Sua Excelência, que nos chamou de mentirosos, para responder que, dos fatos chegados ao meu conhecimento, se poderia perfeitamente concluir que as investigações não pararam mais no Palácio do Catete, que as investigações transpuseram as portas do mesmo Palácio, que as investigações vão além das salas públicas do Palácio, alcançaram os próprios aposentos da intimidade presidencial. Mas lá não chegarei, lá não quero chegar, porque tal declaração estaria fora das imposições objetivas dos fatos conhecidos. Lá não chegarei porque não desejo, de forma nenhuma, dizer que estamos passando, por paixão, além dos limites permitidos pelo cumprimento do nosso dever. Entretanto, o que há de positivo, o que há de concreto, o que há de seguro, o que há de provado, o que há de irretorquível, é que a guarda do Palácio, como órgão coletivo, a guarda do Palácio, como instituição do Estado, a guarda do Palácio, como aparelho do poder getuliano, sabia do crime, participava do crime, teve conhecimento dele, e tomou todas as providências para dar fuga, para proteger, para inocentar, para tornar impunes os criminosos, para fazer com que eles estivessem fora do alcance do braço vingador da justiça.
Esta é a verdade. Na madrugada de domingo, altas figuras das nossas Forças Armadas estiveram no Palácio presidencial onde altas figuras do Governo foram cientificadas do nome de um dos criminosos - Climério de Tal. Este foi um assunto confidencial; esta foi uma transmissão particular de indício que precisava ser esclarecido. No decorrer, entretanto, do dia de domingo, Fuão Valente, subchefe da guarda pessoal do Senhor Getúlio Vargas e homem, por conseqüência, que representava perfeitamente o espírito de equipe dessa luzidia corporação de bandidos, saía do Palácio do Catete e dirigia-se para a Casa de Fuão Soares, como ele bandido, corno ele ladrão, como ele, ou mais do que ele, guitarrista, emissionista de moeda falsa, chantagista e assassino. E na casa de Fuão Soares prevenia-o de que se alertasse, de que se cuidasse, porque as investigações cercavam o seu nome e o passo da justiça rondava a sua residência. Ficou demonstrada a presença de Fuão Valente em casa de Fuão Soares, antes que o nome de Fuão Soares fosse do conhecimento das autoridades militares incumbidas do assunto. Já na segunda-feira voltou Valente à casa de Soares. Ficou provada a presença de Valente em casa de Soares, instigando-o, dando-lhe detalhes, promovendo, enfim, as últimas providências para a sua fuga, que ocorreu na tarde de segunda-feira entre seis e meia e sete horas da noite. Portanto, Senhor Presidente, ficou demonstrado, ficou caracterizado, ficou indubitavelmente provado que a guarda do Palácio, pela pessoa de um dos seus dirigentes, sabia perfeitamente qual era o outro criminoso, cujo nome não tinha sido ainda trazido à tona do conhecimento das classes armadas. Esta é a declaração c por enquanto, me incumbe fazer à Câmara dos Deputados, a pedido do advogado e do representante dos diretores dos jornais.
Evidente, as mais graves ilações, as mais sérias conseqüências, as mais terríveis suspeitas podem ser tiradas desta narrativa dos fatos. Não irei ao ponto de tirá-las desta tribuna. Deixo ao espírito de cada deputado, deixo à consciência de cada brasileiro a incumbência de ficar meditando sobre as terríveis realidades hoje aqui expostas. Deixo, Senhor Presidente, que o assunto prossiga amadurecendo por si mesmo, a fim de que, mais cedo ou mais tarde, essas conclusões se imponham e essas suspeitas se robusteçam, para desgraça nossa e para vergonha do Brasil, sem perder, entretanto, a esperança - e o digo para tranqüilizar a minha própria consciência e para marcar a minha própria posição - sem perder, entretanto, a esperança que veio, infelizmente, desvanecer-se cada dia, de que tais conseqüências não cheguem ao fim que todos nós prevemos e sinceramente lastimo prever.
O SR. TRISTÃO DA CUNHA - E para se apurarem essas coisas, que já são do domínio público, foi preciso que a Aeronáutica saísse das suas funções e assumisse a direção do inquérito, pondo de lado a polícia e colocando sob suas ordens até o Presidente da República, que já declarou estar às ordens da Aeronáutica, a qualquer hora da noite, para ser ouvido. Vê Vossa Excelência a subversão completa da ordem pública. Vê Vossa Excelência a subversão completa da autoridade, porque o Governo da República não existe mais. Hoje, são os moços da Aeronáutica que estão dirigindo, para felicidade nossa, o policiamento no Brasil.
O SR. AFONSO ARINOS – Senhor Presidente, este é um fato novo. Esta é uma verdade de hoje, que poderá, evidentemente, ser acoimada de mentira pelo Presidente ou pelos seus apaniguados. Chegou mesmo, esta noite, segundo informação que recebi, a ser tachada como falsa a irradiação das notícias, que ontem previam a declaração que aqui formulo. Ainda não tive tempo de ler os vespertinos desta tarde. Estou, entretanto, informado de que nas páginas um deles - O Globo - já existe um desmentido ao desmentido; já existe uma retificação à retificação; já existe, enfim, o cunho da verdade na palavra de um dos oficiais da FAB que estão participando das investigações, desmentido o desmentido que foi feito e reafirmando as verdades que foram desmentidas.
Senhor Presidente, nós não caímos tão pouco, nós da oposição nacional e muito menos nós da oposição udenista, e ainda, menos nós da oposição parlamentar udenista, nessa armadilha infantil, nessa manobra ingênua à força de ser idiota, nessa urdidura primária, tosca, que é a de tentar colocar o problema, como a partir de ontem vem-se tentando, nos termos de polêmica entre oposição e Governo, nos termos de um debate entre a tribuna da Câmara e a Secretaria do Palácio do Catete, nos termos de uma controvérsia de ponto e contraponto, nos termos de uma espécie de diálogo musicado entre o orador do legislativo e o orador do Executivo. Nós não nos prestamos a essa manobra. Nós queremos dizer face a face, frente a frente, em alto tom, com a vista diretamente dirigida aos olhos do povo brasileiro, que nós não estamos agindo aqui como oposição, que eu não estou falando aqui como líder de meu partido, que eu estou falando aqui como deputado do meu povo, como representante de minha nação, que eu estou falando pela voz estrangulada dos que temem ou dos que não podem falar, que eu estou tendo o privilégio de dizer aquilo que toda gente pensa, inclusive os companheiros governistas que vêm aqui dizer que não pensam conosco; que eu estou sob qualquer risco, enfrentando qualquer ameaça, olhando de frente qualquer tentativa de intimidação, qualquer apodo, qualquer injúria, qualquer crime, cumprindo o meu dever de brasileiro, dizendo ao povo do Brasil que existe no Governo deste País uma malta de criminosos e que os negócios da nossa República estão sendo conduzidos ou foram conduzidos até agora sob a guarda de egressos das penitenciárias ou pretendentes às cadeias. É o que venho dizer, é o que estou dizendo, é o que nós todos diremos. Isso que dizemos não é palavra de oposição, isso que dizemos é o clamor popular, isso que estamos dizendo não é desafio da ambição, isso que estamos dizendo é o dever da humanidade, é o cumprimento duro, é o cumprimento inflexível da nossa obrigação.
Por isto, Senhor Presidente, eu falo a Getúlio Vargas. Eu falo a Getúlio Vargas, como Presidente e como homem. Eu falo a Getúlio Vargas, como Presidente, e lhe digo: Presidente, lembre-se Vossa Excelência das incumbências e das responsabilidades do seu mandato; lembre-se dos interesses nacionais que pesam não sobre a sua ação somente, mas sobre a sua reputação. Eu lhe digo: Presidente, houve um momento em que Vossa Excelência encarnou, de fato, as esperanças do povo; houve um momento em que Vossa Excelência, de fato, se irmanou com as aspirações populares. Premido pelo povo, Vossa Excelência, que linha sido fascista e partidário dos fascistas, foi à guerra democrática. Levado nos ombros do povo, Vossa Excelência, que oprimiu o povo e que esmagou o povo, entrou, pela mão do povo, no Palácio do Catete. Mas eu digo a Vossa
Excelência: Preze o Brasil que repousa na sua autoridade; preze a sua autoridade, sob a qual repousa o Brasil. Tenha a coragem de perceber que o seu Governo é, hoje, um estuário de lama e um estuário de sangue; observe que os porões do seu palácio chegaram a ser um vasculhadouro da sociedade; verifique que os desvãos de sua guarda pessoal são como subsolos de uma sociedade em podridão. Alce os olhos para o seu destino e observe as cores da bandeira, e olhe para o céu, a cruz de estrelas, que nos protege, e veja como é possível restaurar-se a autoridade de um governo que se irmana com criminosos, como e possível restabelecer-se a força de um Executivo caindo nos últimos desvãos da desconfiança e da condenação.
Senhor Presidente Getúlio Vargas, eu lhe falo como presidente:. reflita na sua responsabilidade de presidente e tome, afinal, aquela deliberação, que é a última que um presidente, na sua situação, pode tomar.
E eu falo ao homem. E eu falo ao homem Getúlio Vargas e lhe digo: lembre-se da glória da sua terra e dos ímpetos do seu povo; lembre-se das arremetidas da penada solta e do tropel dos baguais pelas campinas heróicas do Rio Grande; lembre-se do flutuar dos pombos e do relampejar das lanças; lembre-se do entrechoque e da poeira dos combates memoráveis; lembre-se, homem, de que em seu sangue corre, como no meu, o sangue dos heróis e não se acumplicie com os crimes dos covardes e com a infâmia dos traidores!
E digo ao homem, que é pai, que tem filhos e irmãos: lembre-se das famílias; lembre-se, se tem realmente o coração cordato e a alma cristã a que ontem se referiu, de estar sendo olhado e surpreendido pelo povo como um Sileno gordo, pálido e risonho; indiferente ao sangue derramado; lembre-se, homem, de que é preciso levantar o coração dos homens; lembre-se, homem, de que é preciso dar esperança aos homens e mulheres deste País. E eu lhe digo, homem: ponha bem alto o seu coração. E eu lhe solicito, homem, em nome do que há de mais puro e mais alto no coração do meu povo; lembre-se, homem, pela luz do céu; lembre-se, homem, pelas folhas e pelas flores que começam a brotar neste princípio de primavera; lembre-se, homem, pelas igrejas da minha terra, que ontem bateram os sinos contra a sua voz; lembre-se, pelos olhos azuis da Irmã Vicência, que se curva, hoje, com os seus oitentas anos, no Convento de Diamantina, rezando pelo bem do Brasil; lembre-se, homem, pelos pequeninos, pelos humilhados, pelos operários, pelos poetas: lembre-se dos homens e deste País e tenha a coragem de ser um desses homens, não permanecendo no Governo se não for digno de exercê-lo.
(Muito bem. Muito bem. Palmas. O orador é vivamente cumprimentado.)
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