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Um debate civilizado, que ajuda a desenvenenar o país


20.10.2006



Coluna do iG Ao final do debate de ontem no SBT, Lula e Alckmin levantaram-se e trocaram um civilizado aperto de mão. O gesto foi espontâneo, natural. Não se tratou de pose para fotografia. Dez dias atrás, quando se encerrou o debate na Band, os dois não trocaram sequer um “boa noite”. Deram-se as costas e cada qual saiu para um lado diferente, soltando fogo pelas ventas. O contraste entre ambas as cenas deixa claro como os dois debates foram distintos. No primeiro, o clima foi de guerra. No segundo, de disputa política. É claro que, na noite de ontem, houve de parte a parte momentos duros, estocadas, pegadinhas, ironias, até ataques. Mas não houve desrespeito. E isso faz toda a diferença. Talvez o telespectador não tenha chegado a assistir a um genuíno debate de idéias, mas também aí já seria pedir demais. Hoje em dia, os candidatos são de tal modo treinados e preparados pelos marqueteiros que o espaço para a espontaneidade é muito pequeno e a disposição para correr riscos defendendo idéias polêmicas, quase nenhuma. De qualquer forma, Lula e Alckmin venderam o seu peixe. O tucano mostrou rapidez no gatilho ao contestar a acusação de que era “o candidato de uma nota só”, ao lembrar que havia 1 milhão e 750 mil notas na pilha de dinheiro para comprar o dossiê. Já o presidente desmontou a pegadinha de Alckmin, que perguntou se ele sabia o lugar que o Brasil ocupa no ranking dos países emergentes da revista inglesa “The Economist”, com uma boa tirada. Disse que era uma pergunta típica de um colonizado que acredita em tudo que “deu no New York Times”. Em temas como corrupção e saúde, o candidato do PSDB saiu-se melhor, mas em assuntos como economia, programas sociais e segurança, Lula esteve visivelmente mais confortável do que seu oponente. Num dos quesitos mais aguardados, o das privatizações, Alckmin saiu pela tangente e Lula, inexplicavelmente, não foi atrás do tucano. Quem ganhou? Quem perdeu? A experiência dos debates, inclusive o da Band, mostra como é arriscado responder taxativamente a essas perguntas. De qualquer forma, minha impressão é de que deu empate. Não creio que nenhum dos dois candidatos tenha perdido votos no duelo de ontem à noite. E cada um, a seu modo e por motivos diferentes, tem razões para comemorar. Alckmin, porque, retornando a seu estilo habitual, mostrou um bom desempenho e desfez a imagem agressiva que havia passado no debate anterior. Lula, porque, tendo corrido dos debates do primeiro turno, precisava carimbar a idéia de que não teme defender seu governo dos ataques da oposição. Devido à larga dianteira do presidente nas pesquisas, é provável que o empate tenha sido um resultado mais interessante para Lula do que para Alckmin. Afinal, com 20 pontos de vantagem e a dez dias das eleições, ele não precisa vencer cada combate para se aproximar ainda mais da vitória. Se não deixar o adversário vencer, já está no lucro. Seja como for, o debate de ontem foi positivo para o processo político. E o mais importante foi o aperto de mão ao final. Política é símbolo. E, ao se cumprimentarem educadamente depois de divergirem duramente durante quase duas horas, os candidatos passaram para os eleitores a idéia de que não é preciso desrespeitar o adversário no debate – ou o vizinho na mesa do lado no boteco – para defender seus pontos de vista. Porque a vida continua depois das eleições. E será mais bem vivida por todos se todos tiverem boas maneiras.

Alckmin: uma frase infeliz, mas nem tanto


19.10.2006



Coluna do iG O candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, disse ontem que, se Lula for reeleito, “acaba antes de começar”. E arrematou: “Já começa a discutir 2010 no dia seguinte”. As declarações foram interpretadas pelo ministro Tarso Genro como um sinal de que o candidato do PSDB estaria flertando com o imponderável. Peço licença para discordar de um e de outro. A frase de Alckmin é infeliz, porque, isolada do contexto em que foi dita, presta-se à interpretação de que o candidato tucano estaria coqueteando com a tese do “terceiro turno”, defendida pela ala do PSDB e do PFL que tem a faca nos dentes. No entanto, interpretada à luz do conjunto das declarações de Alckmin na OAB, não há na frase um incentivo ao golpismo. Apenas uma avaliação de que Lula, num eventual segundo mandato, administrará um governo fraco, sem alma e sem rumo, incapaz de liderar o país. Essa opinião não é apenas de Alckmin. Vem sendo defendida por muitos articulistas, que, ao longo da recente crise política, já fizeram vários vaticínios catastróficos sobre seu desfecho, abandonados mais tarde porque os fatos, teimosamente, não quiseram confirma-los. Houve quem dissesse que Lula não terminaria o primeiro mandato. Terminou. Que, desmoralizado pelo turbilhão de denúncias, não seria sequer candidato à reeleição. Foi. Que, sendo candidato, seria escorraçado pelo voto popular. Não é isso que mostram as pesquisas. Que, se fosse eleito, enfrentaria um Congresso dominado pela oposição, pois o PT e os partidos governistas seriam varridos do mapa. Não é esse o desenho do parlamento feito pelas urnas. Agora, esses articulistas prevêem, no caso da reeleição de Lula, um governo à deriva. No mínimo, um interregno inútil até as eleições de 2010; no máximo, um tumulto desgastante com data de validade por quatro anos. O país estaria contratando – sabe-se lá por que, gostam de usar a palavra “contratando” em vez de “elegendo” – uma crise institucional perfeitamente evitável. Minha visão é outra. Se Lula for reeleito, não estará recebendo um cheque em branco. Terá de negociar mais com todas as forças políticas e, principalmente, conversar mais com a sociedade. Esse foi o recado do eleitorado quando mandou as eleições para o segundo turno. Por outro lado, a oposição terá de virar o disco, baixar a bola e parar de apostar todas as suas fichas no agravamento permanente da crise. O pessoal com a faca nos dentes – Bornhausen, ACM, Tasso, Arthur Virgílio, Roberto Freire – sairá enfraquecido da disputa eleitoral. E justamente porque existe 2010 no horizonte, o jogo político passará a ser outro. De um lado, o bloco governista não possuirá um herdeiro natural do espólio de Lula, que poderá ser maior ou menor de acordo com o desempenho da economia nos próximos anos. Ciro Gomes, Jaques Wagner, Tarso Genro, Dilma Roussef, Marta Suplicy, entre outros, podem vir a se criar como candidatos, mas nenhum deles se impõe naturalmente sobre os demais. De outro lado, os dois grandes fatores de poder na oposição – os governadores de São Paulo, José Serra, e o de Minas Gerais, Aécio Neves – não estarão interessados em acirrar indefinidamente a crise política e transforma-la numa confrontação institucional. Ao contrário, tendem a jogar água na fervura e a trabalhar para distensionar o ambiente político. Como contam em vencer as eleições daqui a quatro anos, não querem receber um país em frangalhos. Além disso, como Lula não será candidato em 2010, mas provavelmente um grande eleitor, nem Serra, nem Aécio terá interesse em infernizar a vida do presidente. O mais provável é que busquem estender pontes na sua direção. Tudo somado, o Brasil sairá das urnas melhor do que entrou. Eleições presidenciais não se limitam a apontar vencedores e vencidos. Produzem situações políticas novas. Seria um erro analisar o futuro pela régua do passado, especialmente quando ela já vem mostrando há algum tempo que não consegue medir adequadamente as distâncias entre fatos e desejos.


18.10.2006



Coluna do iG Os números da mais recente pesquisa do Datafolha são uma cachoeira de água fria nas pretensões eleitorais de Geraldo Alckmin. Lula, que subiu para 57% das intenções de voto, abriu uma vantagem de 19 pontos sobre Alckmin, que caiu para 38%. No universo dos votos válidos, a diferença a favor do presidente alcançou 20 pontos – na pesquisa anterior, de terça-feira da semana passada, era de doze. Ou seja, em sete dias ela aumentou oito pontos. Está claro que estamos diante de uma onda a favor de Lula, de intensidade muito superior a que se podia esperar. Lula cresceu e Alckmin caiu em todas as regiões, em todas as faixas de renda e em todos os segmentos de escolaridade. Os movimentos são, portanto, consistentes e homogêneos. O presidente alcançou um patamar espetacular no Nordeste (75% a 25%), aumentou sua vantagem no Sudeste (56% a 44%) e no Norte e no Centro-Oeste (58% a 42%) e reduziu a dianteira de Alckmin no Sul, a única região onde o tucano leva a melhor (53% a 47%). À luz desses números, não se sustenta a tese de que Lula seria o preferido do Brasil atrasado, enquanto Alckmin venceria no Brasil moderno. Quando se decompõe o eleitorado por renda mensal, Lula já ultrapassou o tucano na faixa de 5 a 10 salários mínimos (52% a 48%), onde, dez dias atrás, o ex-governador de São Paulo vencia por dez pontos de diferença. Mesmo entre os que ganham mais de 10 salários mínimos, a diferença a favor de Alckmin reduziu-se significativamente (60% a 40%). Vale destacar que, em termos de escolaridade, o presidente somente é derrotado entre os que possuem curso superior, mas a diferença, que andou acima da casa dos 20 pontos na virada do segundo turno, encurtou para doze (56% a 44%) Pode-se dizer que o jogo está jogado e que é impossível uma virada? Não, na vida nada é impossível. Mas é muito pouco provável que Alckmin tenha discurso, tempo e forças para mudar o quadro atual. Para se ter uma idéia da magnitude da tarefa, ele teria de tomar mais de 900 mil votos de Lula por dia, todos os dias, até o dia da eleição, para impedir sua vitória. Convenhamos: é muito pouco provável que isso aconteça, a menos que ocorram fatos novos espetaculares que provoquem um terremoto eleitoral. Como os índices de “alopragem” no PT são sabidamente elevados e tampouco até agora sabe-se de onde veio o dinheiro para a compra do dossiê, não se pode descartar inteiramente a possibilidade de uma reviravolta. Mas a simples constatação de que as chances de Alckmin dependem basicamente da intervenção do inesperado mostra como sua situação é complicada. Embora muitos fatos e episódios tenham contribuído para a boa performance de presidente e para os tropeços de seu adversário nas últimas semanas, a explicação básica para a disparada de Lula nas pesquisas é simples: ele venceu o debate político com Alckmin. No segundo turno, sem a presença de azarões e nanicos, a disputa transformou-se num mano a mano entre os dois candidatos, que favoreceu e impôs a confrontação política. A campanha de Lula percebeu isso e forçou uma comparação entre o atual governo e as propostas da aliança do PSDB com o PFL. Nesse momento, Alckmin acabou agarrando-se na tábua de salvação da cobrança ética. E, quando não tendo conseguido sustentar o fogo, foi obrigado a se pronunciar sobre temas como privatizações, economia, programas sociais, Bolsa-Família etc, caiu na defensiva. Pior: quis sair da defensiva convencendo o eleitorado de que suas idéias nessas questões não são muito diferentes das de Lula. Não convenceu. Declarou-se contra as privatizações, manifestou-se a favor do Bolsa-Família, apoiou o Pró-Uni etc. E com isso apenas abriu o flanco para a campanha de Lula encaixar um slogan demolidor: “Não troque o certo pelo duvidoso”. Faz sentido. Se as urnas vierem a confirmar as pesquisas e o presidente for reeleito, o PSDB e o PFL terão de passar por uma boa chacoalhada interna. Precisam entender que a bandeira de ética, por mais importante que seja, não pode ser um expediente para esconder a falta de propostas. E que só hoje só vence as eleições para presidente no Brasil quem falar para o país todo (e for entendido por ele). A classe média – média-média e média-alta – é pouco para levar alguém ao Palácio do Planalto. Como já disse antes (ver coluna do dia 21/08/2006 e entrevista à revista Caros Amigos), o “efeito pedra no lago” acabou. A formação de maiorias no país hoje é um processo muito mais complexo e sofisticado do que há dez anos. Felizmente. É um sinal de que o país está se modernizando social e politicamente.

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