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Frankiin Martins

11/12/1995

E tome crise!

Não são só as crianças que mandaram cartas para Papai Noel que es-tão contando os dias pa-ra a chegada do bom ve-lhinho. O presidente Fer-nando Henrique tam-bém. Pelo menos foi isso que ele deu a entender a um assessor próximo, em conversa poucas ho-ras antes de embarcar para Pequim, primeira etapa de uma viagem prevista para terminar apenas no dia 21. O presidente acredita que o espírito de Natal e o réveillon acabarão ma-tando de inanição a cri-se da pasta rosa, aberta com o vazamento para a imprensa do conteúdo de um dossiê contendo no-mes de políticos que su-postamente teriam rece-bido ajuda financeira do Banco Econômico du-rante a campanha eleito-ral de 1990. Em 1996, acredita o presidente, o jogo será outro. Ano no-vo, vida nova. A pasta rosa, segundo disse ainda Fernando Henrique a assessores, teria um mérito insus-peitado: o de contribuir para tirar de circulação o caso Sivam, que há um mês não dá sossego ao tucanato. Triste do Go-verno que precisa de um escândalo novo para sair de um escândalo velho! E se as duas crises, em vez de se anularem, se derem as mãos, contra-riando a doutrina da eu-cessomania, que faria as delicias do dr. Pangloss de Voltaire? Como ainda está mui-to cedo para ficar na ja-nela esperando a passa-gem do trenó de Papai Noel, o melhor é manter os pés no chão, Nada in-dica que a crise esteja próxima do fim; ela está apenas começando. O cli-ma em Brasília, que já estava muito pesado de-vido à falta de providên-cias contra a araponga-gem da Polícia Federal e a conseqüente perda de credibilidade do presi-dente da República, ago-'ra, com a crise da pasta rosa, ficou envenenado de vez. Basta ver o cali-bre dos canhonaços dis-parados pelo senador Antônio Carlos Maga-lhães contra os diretores do Banco Central, a quem chamou, nada mais, nada menos, de marginais, e a reação do BC, que está prometendo levar ACM à barra dos tribunais por calúnia e difamação. O senador Antônio Carlos está convencido que o vazamento foi feito intencionalmente por di-retores do BC para des-gastá-lo politicamente. Segundo versões que chegaram à imprensa, a pasta conteria registres de doações feitas em 1990 pelo Banco Econó-

mico a integrantes do grupo que o senador li-dera na Bahia. Já o Ban-co Central espalha uma explicação diamentral-mente oposta. O vaza-mento teria partido do banqueiro Angelo Cal-mon de Sá, ex-dono do Económico, hoje sob in-tervenção do BC, com a intenção de inviabilizar a transferência do banco para ura novo grupo. O ministro do Planejamen-to, José Serra, que tam-bém é mencionado nas anotações que constam da pasta, tem tomado o máximo cuidado para não atribuir publica-mente a ninguem a au-toria do vazamento. En-tre quatro paredes, po-rém, vem cuspindo ma-ribondos quando se refe-re a um dos diretores do BC — curiosamente, aquele que sempre foi mais próximo dos tuca-nos: Gustavo Franco. Há versões para todos os gostos. Depois que Fer-nando Henrique deixou de punir o diretor da Po-lícia Federal, Vicente Chelotti, que acobertou o grampo do Sivam, a paranóia é livre. Em Brasília, neste Natal, só haverá festinhas de ini-migos ocultos. E importante saber quem vazou o conteúdo da pasta. Mas isso nem de longe é o mais impor-tante da história toda. O mais intrigante é que o Banco Central, tendo to-pado com a pasta rosa em agosto, não tenha aberto o bico sobre ela nos cem dias seguintes, Por que os documentos somente foram enviados agora ao procurador-ge-ral da República, Geral-do Brindeiro, e não há três meses, quando fo-ram pilhados no cofre de Ângelo Calmon de Sá? Terá sido porque a in-tenção inicial do BC era se sentar em cima da pa-pelada, o que se tornou impossível com o vaza-mento do assunto? Con-sistirá nisso a famosa in-dependência do BC? E indispensável que a caixa-preta da pasta rosa seja aberta imediata-Mente, com a divulgação para o público de todos os seus documentos e anotações. O procura-dor-geral da República pode tomar uma decisão nesse sentido nas próxi-mas horas. Seria ótimo que o fizesse. Isso ajuda-ria a clarear a situação. Em tempo: será que, em quatro meses de in-tervenção no Banco Eco-nômico, o BC não terá flagrado nenhuma outra irregularidade dos anti-gos donos da instituição, sobre os quais havia tan-tas suspeitas? Ou terá flagrado e, a exemplo da pasta rosa, terá optado por manter tudo em se. grado?



Segunda-feira, B de julho ale 1996

FRANKLIN MARTINS


do Brasília

Cor de rosa

• lima onda de otimismo voltou a percorrer o Palácio do Planalto e adjacéncias nas duas últimas semanas, Asses-sores próximos do presidente acham que o Governo conseguiu superar o baixo-astral em que mergulhou a partir de maio, quando saíram as primeiras pesquisas apontando queda nos índices de popularidade de Fer-nando Henrique e ficou evidente que as reformas tinham empacado no Congresso. Justifica-se esse otimismo?

Não há dúvida de que a sor-te voltou a sorrir para o presa dente. Se o pais não tivesse si-do invadido por 158 milhões de detetives, cada um com uma teoria mais rocambolesca sobre a morte de PC Farias e todos de olhos fechados para qualquer coisa que não seja o crime de Guaxuma, certamen-te o Governo estaria debaixo de pau puro para explicar por que, às vésperas das eleições, liberou verbas para viabilizar convénios com prefeituras co-mandadas por políticos gover-nistas e cortou aquelas que poderiam irrigar o eleitorado de candidatos oposicionistas. As denúncias vieram a pú-blico há uma semana e até ago-ra o Governo não se deu ao tra-balho de responda-las. Bendi-to PC1 Graças a ele, Fernando Henrique poderá continuar di-zendo, sem se ruborizar, para seus interlocutores menos avi-sados que o Governo gomo-veu uma revolução silenciosa nos mecanismos de distribui-ção das verbas federais, termi-nando com a era do apadrinha-mento, do eleitoralismo e do favor ecímento político. O deputado tucano B. de Sã conseguiu a liberação de R$ 4.815.000 para obras de sanea, meato em Oeiras, município que controla politicamente. Raspou o tacho dos recursos da Fundo Nacional de Saúde no Piauí, coincidentemente rigida por um protegido seu. Para o resto do estado, sobra-ram menos de R$ 70 mil. Atido Neves, tucano mineiro, como sub-relator da Comissão de Or-çamento, conseguiu a aprova-ção e, agora, a liberação de mais de R$ 12 milhões para obras de saneamento em Mi-nas O governador tucano Eduardo Azeredo destinou-as a municípios controlados pelo partido, como Coatagem e Juiz de Fora. Londrina, principal município do Paraná, é gover-isadu pela PT, mas cobiçado pelo deputado do PSDB Luís Carlos Hauly. Vai receber mais de R$ 1 milhão para gostar em obras urbanas, mas o padri-nho não será o prefeito. Hauly já disse que vai faturar poluta eamente a liberação. O senador António Carlos Magalhães está tiririca com o Ministério do Planejamento, que resolveu contemplar com verbas para saneamento o pe-queno município de Lauro de Freitas, onde os tucanos dão as cartas, e esqueceu as cida-des vizinhas sob tomando ?c-iclista. Além de se queixar ao bispo, ACM deveria pedir aseu correligionário Inocência, de Oliveira que lhe ensinasse o caminho das pedras, Inocén-cio obteve a liberação de re-cursos para todas as 16 emen-das que apresentou na área de saneamento. E candidato a um recorde era Atlanta. As prefeituras do PSDB do interior de São Paulo também não tem do que se queixar, sa• vo as de Aval, Cabrália Paulista e Cafelandia., que duram o azar de ser apadrinhadas pelo de-putado Tuga Angerami, una tu-cano que vive votando contra o Governo e, agora, recebeu o troco. lima lista de deputados

governistas infiéis, preparada pelo Palácio do Planalto, está sendo usada como borduria para esmagar os pleitos de quem andou ciscando para fo-ra, O que isso tem a ver com a modernidade? Não se sabe. O que se sabe é que, como nin-guém discute mais nada que não seja o caso PC, é provável que o Governo consiga passar incólume por essa trapalha-da. Mas não é só por isso que uma lufada de otimismo per-corre o Planalto nas últimos dias. O presidente está muito animado com os recentes índi-ces econamicos. A expectativa é de que o segundo semestre seja bem melhor do que o pri-meiro: mais vendas e produ-ção, recuperação do emprego, manutenção da moeda está-vel, tranqüilidade na frente cambial. Um importante asses-sor de Fernando Henrique, ge-ralmente comedido em suas manifestações, exultava há poucos dias. Segundo ele, nas previsões do núcleo do Gover-no, 1996 seria o ano mais de-licado e perigoso do processo de estabilização da economia. Acabou não sendo tão ruim as-sim, dizia o assessor, aliviado, completando que, depois de um tranco dramático, a econo-mia voltou a correr sobre os trilhos e aponta para um perío-do ascendente. O sentimento do presidente é de que o Brasil é a bola da vez, a mala promis-sora e coriftável nova fronteira a atrair os capitais lateraacio-nais. A política também está sen-do vista pelo Governo através de lentes cor-de-rosa. O Pala-cio do Planalto foi agradavel-mente surpreendido pelo esta-do de espírito dos parlamenta-res que estão em campanha eleitoral. Eles dizem que está mais fácil defender o Governo do que pensavam. O eleitor pode ter suas insatisfações, mas não estaria em pé de guer-ra com o Governo. O presiden-te queue continuaria sendo um grande cabo eleitoral. O Planalto começa a sonhar com uma vitória em outubro, com repeteco em novembro. Para completar, no terreno parlamentar, os líderes gover-nistas acham que têm motivos para acreditar que o pesadelo acabou, por duas razões: a) na Câmara, a mudança do regi-mento interno, ao eliminar a profusão de Destaques para Votação em Separado — cada um exige os votos de 308 depu-tados governistas para manter • o texto destacado — agilizará as reformas constitucionais; b) a mais delicada de todas as reformas, a da Previdência, chegará em agosto no Senado, onde a sólida maioria gover-nista deverá refazer o projeto original, para devolvê-lo, de-pois das eleições parlamenta-res, à Câmara, que, já sem a ca.• misa-de-força dos DVS, pode-ria SA.CraMeniar as mudanças. É o que pensa o núcleo do Governo: rosa que te quero ro-sa. Se isso corresponde à ver-dade, só o tempo dirá, Não precisaremos esperar multo. Nada como uma boa eleição para botar o preto no branco.


Segunda-feira, 8 de ebnl de 1996

FRANKLIN MARTINS


da Braília

Teorias do presidente

e Duas questões políticas estão incomodando o presi-dente Fernando Henrique Cardoso hoje: as acusações de que ele teria cedido às pressões do fisiologismo e do clientelismo na votação das reformas e as criticas de que o Governo estaria sendo complacente com os res-pensáveis por crimes de colarinho branco. Uma terceira questão também ronda a cabeça do presidenteFernando Henrique: a reeleição.

Mas ele garante que esta não o preocupa de imediato. Acredite quem quiser. O des-conforto que as duas primei. ras acusações estão provocan-do em Fernando Henrique tem a ver com sua origem de es-querda e com sua formação in-telectual. O presidente, ao lon-go de toda a sua carreira aca-dêmica e política, combateu frontalmente a política do to-ma-lá-dá-cá e da troca de votos por obras e, inúmeras vezes, quando estouraram escânda-los financeiros, pediu a prisão dos culpados. Nesses assun-tos, acostumou-se a ser estilin-gue. Hoje é vidraça. Pode-se dizer que, também em outros campos, Fernando Henrique d istanc iou-se, nos úl-timos anos, de pontos de vista que pregara anteriormente. Não foi ele, por exemple, um dos principais artífices da Constituição que agora luta com unhas e dentes para refor-mar? Mas, nesse caso, sente-se à vontade. Julga que tem argu-mentos sólidos não só para desmontar seus críticos como para jogá-los na defensiva. Tem a sua teoria. Se ele mudou, é porque o mundo mudou. Errada estaria a esquerda, aferrada a idéias fi-xas do passado, que se revela-ram incapazes de interpretar e influenciar a nova realidade. Em linhas gerais, a teoria do presidente é que o Estado bra-sileiro está em crise, sendo sua reforma indispensável pa-ra a retomada de um novo c€-rio de crescimento, sem o que é impossível gerar empregos e resgatar a imensa dívida social do país. Contra a reforma do Estado, argumenta o presidente, esta-riam se levantando os interes-ses corporativos que tiram proveito do atual estado de coisas. Seriam resistências egoístas que devem ser que-bradas, em benefício da coleti-vidade. Quanto à globalização, sus-tenta o presidente, ela é inevi-tável e vai abrir no mundo uma impressionante era de realiza-ções e transformações, que volta e meia ele chame de no-vo Renascimento. Qual será o lugar do Brasil ao fim desse processo? Depen-derá da estratégia a ser adota-do. O presidente acha que o Brasil poderá se credenciar como um dos dez ou 12 países mais importantes do mundo. Daí sua ênfase nas viagens in-ternacionais, a luta para atrair maciços investimentos cetras-Firas, o esforço para conquis-tar um lugar no Conselho de Segurança da ONU, a impor-tencia da modernização da economia e a prioridade para a educação. Para muitos, tudo isso pode ser discutível, mas não para Fernando Henrique Cardoso. Suas formulações teóricas dão-lhe segurança sobre o ru-mo &seguir e sobre cada passo e dar. Para um intelectual co-mo o presidente, Isso é indis-p enseVel, Ele não se sente bem reagindo intuitivamente sus

acontecimentos. Por isso o Incomodam tanto as criticas de que sucumbiu ao clientelismo e ao fisiologismo e de que não tem sido rigoroso contra os criminosos de cola-rinho branco. Nesses dots as-pectos, ele não dispõe de uma teoria consistente que lhe per-mita rebater as acusações. Ou melhor, não dispõe ainda. Fole, no caso da falta de cadeia para os que traficam influencia ou fraudam milhões, ele já está produzindo uma: a teoria do fundarnentalismo político. A diversos interlocutores, o presidente disse, nos últimos dias, que a opinião pública no Brasil hoje parece não enten-der a necessidade de mecanis-mos legais para apurar respon-sabilidades e punir culpados. Se esses mecanismos são lentos ou pouco eficazes, cabe mudá-los. O que não se pode fazer é desconhecê-los, diz Fernando Henrique, e partir para o linchamento, só porque se está agindo em nome de uma boa causa. É esse com-portamento que o presidente classifica de fundameritalis mo político. Para ele, essa atitude tem a ver com a sucessão de eseen. &los como os do Governo Collor e da Comissão de Orça-mento da Meara. Embora o quadro hoje seja outro, a sede desanque perma-neceria a mesma. Segundo Fer-nando Henrique, em episódios como Sivam-grampo, pasta ro-sa, Banco Econômico e Banco nacional, as autoridades toma-ram as providências cabíveis, seja estabelecendo sindicân-cias, seja pedindo a abertura de processos contra os res-ponsáveis pelos crimes. Mas, aos olhos da opinião pública envenenada pelo fun-darrientalismo, isso pareceu pouco. Apesar disso, Fernan-do Henrique diz que não mu-dará de comportamento. Pre-fere sofrer desgastes a seguir a maré. Mas não esconde sua ir-ritação com a oposição e com a imprensa, clue, segunda ele, estariam coqueleanclo irres-ponsavelmente com essa sen-timento nocivo para a demo-crede. E em relação às concessões feitas pelo Governo ao fisiolo-gismo e ao clientelismo? Nesse caso, o presidente não tem teorias. Diz que tampouco tem culpas a expiar. Carente que não cedeu a pressões. Como a Governo virou, então, tantos votos entre a primeira -e a se-guncia votação da reforma da Previdência? Fernando Henri-que explica que eliminando o excesso de confiança. Na pri-ajeita votação, os líderes te-riare dito ao presidente que a situação estava tranqüila e eia sequer entrou em campo. Deu no que deu, Na segunda nota-ção, cabalou votos e mudou a jogo. Fernando Henrique ga-rante que não meteu o pé na ia-ma e que não vai meter, No Congresso, a opinião outra. Muita gente não descai, ça mais as chuteiras de trava alia,



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