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Franklin Martins

20/02/1995


Custou, mas começou


Fernando Henrique es-tá com a corda toda. Na semana que passou, teve uma agenda digna de candidato em reta final de campanha. Foi ao in-terior do Paraná acordar o Brasil para ir à escola, fez dois discursos de pe-so — um para empresá-rios, outro para sindica-listas — deu uma longa entrevista coletiva na qual passou em revista praticamente todas as areas de seu Governo, enviou ao Congresso suas primeiras propostas de emendas constitucio-nais, fez uma visitinha de surpresa aos presi-dentes do Senado, José Sarney, e da Câmara, Luís Eduardo, e, para culminar, foi a Puerto Iguazu, acompanhado de uma penca de ministros, dar urna mãozinha a seu colega argentino, Carlos Menem, que tenta a ree-leição. De quebra, ainda comprou uma briga com as montadoras de auto-móveis sediadas em São Paulo, que se valentea-ram com a subida da ali-quota de importação de veículos de 20% para 32% e estão achando que podem fazer o que bem entendem. Desde os tempos de Collor não se via uma dose maciça de exposição na mídia como essa, O curioso é que, logo de-pois de sua posse, Fer-nando Henrique andou advertindo a imprensa para que não esperasse que ele produzisse man-chetes todos os dias. Seu estilo de governar, escla-receu, seria discreto e só-brio, Buscaria a eficiên-cia, não os holofotes. Que bicho mordeu, en-tão, o presidente na últi-ma semana? "Sapo não pula _por bo-niteza, mas porem por precisão." A observação de Guimarães Rosa, pelo visto, vale também para os príncipes, O presiden-te não se transformou, de uma hora para outra, em garoto-propaganda porque descobriu que o papel lhe fica bem, mas porque chegou à conclu-são de que precisava sair em campo urgentemente em defesa de seu Gover-no, que começava a to-rnar ares de velho. menos de dois meses depois de nascido. Foi uma provi-dência acertada. Com ela, retomou a iniciativa política. Ao longo da maratona da última semana, Fer-nando Henrique mandou vários recados e botou os ping9s nos ii em pontos cruciais. O primeiro re-cado, curto e grosso, foi para os funcionários das estatais. "Não tenho me-do de bicho papão", disse o presidente, pratica-mente escolhendo seus adversários na batalha

da quebra dos monopó-lios da União e carim-bando a idéia de que re-sistência dos sindicatos às mudanças é movida pelo combustível do cor-porativismo. Mas o presidente não se limitou a bater nos ad-versários. Aproveitou para dar um freio de ar-rumação no ônibus que transporta seus aliados. Advertiu com todas as letras que a reforma do Estado não é a sua des-montagem, mas o seu reaparelhamento para. novas funções. Para Fer-nando Henrique, se o Es-tado não pode mais ser, como no passado, o car-ro-chefe do processo de investimentos no país, nem por isso deve renun-ciar a intervir na ativi-dade econômica. Precisa adaptar-se para exercer funções reguladoras e fiscalizadoras, em defesa da sociedade,. contra as práticas monopolistas. Seu modelo de Estado não é o de Vargas, mas tampouco é o de Marga-ret Thatcher. Os liberais podem ser seus compa-nheiros de viagem, mas ele não é um liberal. Outro recado impor-tante: o presidente joga-rã todo o seu peso políti-co para acabar cont o monopólio da Petrobrás e da Telebrás, mas não pretende vender essas estatais. À iniciativa pri-vada oferece a oportuni-dade de negócios em áreas antes fechadas, mas não o patrimônio da União existente nesses setores. A privatização, sublinhou, é apenas um dos rnecanimos existen-tes. O outro, a menina dos olhos de Fernando Henrique, é o sistema de concessões, em que a União, como poder coo-cedente, deixa a explora-ção da atividade econô-mica nas mãos de grupos privadas, mas sob per-manente monitoraçâo.. Para o presidente, as concessões — e não as privatizações — predo-minarão em áreas estra-tégicas, como petróleo, telecomunicações, ener-gia elétrica, portos, rodo-vias e ferrovias, A idéia básica é que os capitais privados devem entrar nesses setores pa-ra expandir a produção e os serviços, e não para assumir o controle do ní-vel de atividade hoje a cargo das estatais ou o seu patrimônio. Em su-ma, quem quiser correr riscos e desbravar novas áreas, será bem-vindo. Aqueles que sonhavam em receber de mão beija-da uma galinha morta, podem ir cantar noutra fregueeia. Parece que Governo Fernando Henrique, fi-nalmente, começou.

O sorriso imortalizado na cromca.


Franklin Martins

15/05/1955


Samba do partido doido


A decisão das autorida-des desportivas de in-cluir a dança de salão entre os esportes olímpi-cos deixou eufóricos os australianos. Como na terra dos cangurus a dança com passos en-saiados é uma mania na-cional, os aussies estão certos de que vão faturar mais algumas medalhas por conta da novidade. Nossos cartolas pode-riam se mirar no exem-plo de seus colegas aus-tralianos e mexer os pau-zinhos para que o COT reconhecesse como es-porte olímpico outra mo-dalidade de dança: a dan-ça das cadeiras. Se fos-sem bem sucedidos nessa empreitada, dificilmente o Brasil deixaria de su-bir ao pódio ao final da competição, podendo, in-clusive, fazer barba, ca-belo e bigode. Sem falsa modéstia, temos os me-lhores atletas do mundo nesse género de ativida-de. Refiro-me ao grupo que vem treinando com afinco no Plenário Ulys-ses Guimarães. Em nenhum Parlamen-to do planeta há tantos deputadas capazes de trocar de cadeira com tanta rapidez como no nosso. Somos simples-mente imbatíveis. Vejam só o exemplo da atual le-gislatura da Câmara, ins-talada em fevereiro. Em cerca de cem dias, nada menos de 26 deputados já mudaram de partido. Se esse ritmo alucinante for mantido, 415 dos 513 in-tegrantes da Câmara, ao disputarem a reeleição em 1998, estarão fora dos partidos peloa quais fo-ram eleitos. E o samba do partido doido. Há partidos demais. Só na Camara, 18 deles es-tão representados. Outro tanto, fora do Parlamen-to, possui registro e pode lançar candidatos. Espe-rava-se que a prolifera-ção dos partidos que se seguiu ao fim da ditadu-ra fosse doença passagei-ra, a ser curada pelas freqüentes consultas às urnas. Argumentava-se que o eleitor, com seu bom senso, através do voto, reduziria progressi-vamente o leque de op-ções. A realidade, no susten-to, não confirmou essas previsões. Partidos conti-nuam surgindo como co-gumelos. E por unia ra-zão muito simples: a lei não pune, mas recom-pensa quem faz o tráfico de legendas de aluguel. Quinhentos mil reais é quanto custa formar o número de comissões provisórias exigidas por lei para que o Tribunal Superior Eleitoral-conce-da o registro definitivo a um partido, conforme re-velou, há duas semanas, advogado paulista espe-cializado na matéria — responsável ele próprio, por encomenda de seus clientes, pela vinda ao mundo de uma meia dú-zia desses monstrengos. Com o registro, con-quista-se o direito a uma hora em rede nacional de rádio e televisão para di-fusão do programa parti-

eleitoral gFatuita nos 60 dias anteriores aos plei-tos e a possibilidade de lançar candidatos e de fechar coligações eleito-rais. Trata-se de uma mi-na cie ouro na mão de quem aprendeu com o garoto-propaganda dos cigarros Vila Rica que o Importante na vida é le-var vantagem. Para tentar pôr freio a essa situação, a comissão especial da Câmara en-carregada de estudar re-formas nas leis eleitoral e partidária está propen-da uma série de mudan-ças. Duas delas, se adota-das, teriam impacto ful-minante: a proibição de coligações nas eleições proporcionais e a exigên-cia de que o partido te-nha, no mínimo, 5% dos votos em escala nacional para estar representado na Câmara. Projeções feitas por técnicos em le-islação eleitoral, ouvi-os pelas repórteres Mô-nica Gughano e Lydia Medeiros, do GLOBO, in-dicam que, se as coliga-ções tivessem sido proi-bidas nas eleições pro-porcionais de 1994, o nú-mero de partidos com as-sento na Câmara seria de 12 (e não de 18). Se instituída a barreira dos 5% dos votos nacionais, esse número desceria pa-ra oito. As legendas de aluguel seriam vaporiza-das. A discussão dessas duas alterações vai dar panos para mangas. O ideal seria encontrar um ponto de equilíbrio entre a simplificação do qua-dro partidário, necessá-ria para dar conseqüên-cia ao voto do eleitor, operacionalidade ao Par-lamento e condições de governabilidade ao Exe-cutivo, e a existência de mecanismos que permi-tam sua constante oxige-nação e eventual reorde-nação. Há um fio condu-tor para se chegar a esse ponto: o respeito ao voto do eleitor. As coligações propor-cionais geralmente se constituem numa burla ao sufrágio depositado na urna. Legendas sem expressão eleitoral mon-tam na garupa de outras, que lhos dão carona p-or que estão interessadas em apoio para eleições majoritárias ou em au-mentar seu tempo na te-levisão. O eleitor vota num partido, mas acaba mandando para Brasilia candidatos de outro. Não há por que manter esse tipo de prática. Diferente é a exigência do mínimo de 5% dos vo-tos nacionais. Num pais das proporções do Brasil e com diferenças regio-nais marcantes, dificil-mente os partidos ga-nham densidade eleitoral de uma só vez em todo o país, ou simultaneamen-te nos centros urbanos e nas zonas rurais. Nas eleições de 1962 — há 13 anos, portanto — o PT não atingiu 5% do eleito-rado nacional. Roje é o partido Mis importante da oposição, A história seria a mesma se e seu


Atualizado: 21 de out. de 2021


Franklin Martins

06/11/1995


Jogo perigoso


Perguntem publicamente ao presidente Fernando Henrique Cardoso qual a sua opinião sobre a emenda constitucional de autoria do deputado Mendonça Filho (PFLPE) que prevê a reeleição de prefeitos, governadores e presidente da República, inclusive para os atuais ocupantes dos cargos, e ele cortará imediatamente a conversa. Mas experimentem conversar reservadamente com Fernando Henrique sobre o mesmo assunto e o papo fluirá solto. Até ha algum tempo, o assunto estava em banho-maria nos meios políticos, mas nas últimas semanas pegou fogo, estimulado pelos amigos do presidente que despacham em Brasília ou convalescem — de turbinas ligadas — no bairro paulistano de Higienópolis.


O raciocínio é que Fernando Henrique está indo muito bem e ninguém melhor do que ele poderá consolidar as conquistas de seu Governo. A reeleição portanto, seria necessária. Mas seria possível também? Sim, argumentam os amigos do presidente, desde que o assunto seja votado no Congresso até junho. Não se pode desperdiçar a alta popularidade de Fernando Henrique, com o povão satisfeito com os baixos preços do frango e do arroz e a elite maravilhada com um presidente que tira nota dez no Primeiro Mundo,


Além disso, a data limite para o registro das candidaturas a prefeito no ano que vem é 30 de junho. Se a emenda Mendoncinha ficar para depois, perderá o apoio do prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, e de seus colegas de outras capitais e cidades importantes. Outro dado a favor: uma pesquisa em poder do Palácio do Planalto indica que 54% dos congressistas apóiam a reeleição de Fernando Henrique. Essa movimentação toda pode meter o presidente numa fria monte. mental. Em primeiro lugar, como ele sabe multo bem, a aprovação de uma emenda constitucional é uma batalha duríssima, que pouco tem a ver com a moleza de reunir, no anonimato de uma pesquisa, uma frouxa maioria de parlamentares favoráveis, em tese, a mais quatro anos para FH. Exige o voto em plenário de 60% dos deputados e 60% dos senadores, em dois turnos, enfrentando a pressão de todas as forças contrárias à reeleição, tanto as que existem na oposição quanto as que existem na base de sustentação do Governo (e que ainda não puseram a cabeça de fora),


Em segundo lugar, quem disse que .o apoio dos atuais prefeitos de capitais e grandes cidades dá votos na Câmara e no Senado? Provavelmente tira. Afinal, um em cada seis congressistas é candidato a prefeito de sua cidade e, portanto, adversário potencial dos atuais alcaides. Por que essa turma iria dar um tiro no próprio pé? Por amor a Fernando Henrique?


Por Último, a experiência mostra que, mesmo com sua base parlamentar unida, a melhor marca do Governo no painel eletrônico da Câmara esteve cerca de 70 votos acima dos 308 necessários para aprovar uma emenda constitucional. Será ele capaz de repetir essa performance numa questão política como a da reeleição, que interfere com os apetites pessoais dos demais caciques? E evidente que não.


O ex-presidente José Sarney, por exemplo, sonha em voltar ao Palácio do Planalto pelo voto direto. Certamente recomendará a seus amigos na Câmara que votem contra a emenda. No Senado, onde é mais forte, fará o diabo. Por outro lado, o governador de São Paulo, Mário Covas, já disse alto e bom som que é doutrinariamente contra a reeleição. Será que sua opinião não tem influência alguma no partida do qual é uma das maiores expressões? E quanto. ao PFL, que está com Fernando Henrique, mas não confia em Fernando Henrique? Por que encheria a bola do presidente tanto tempo antes da corrida sucessória, tornando menos. • dependente do partido? Fosse a situação do presidente no Congresso um mar de rosas, o Fundo de Estabilização Fiscal, antes chamado de Fundo Social de Emergência, estaria sendo prorrogado por quatro anos e não —graças à ação combinada de Sarney, do PFL e do .PMDB — por um ano e meio.


E um jogo perigoso. Fernando Henrique, correndo atrás de mais quatro anos de mandato, pode acabar perdendo dois. Porque, se o Governo empenhar-se pela emenda e, mesmo assim, ela for derrotada no Congresso, a sucessão presidencial será inapelavelmente antecipada. Nesse caso, .a poder correrá do Palácio do Planalto para os candidatas com chances na disputa e Fernando Henrique se converterá naquilo que os americanos chamam de lama duck, pato manco. Não lhe servirão nem cafezinho. Para o presidente, o melhor é deixar essa conversa para 1997.

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