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25.Jogo perigoso


Franklin Martins

06/11/1995


Jogo perigoso


Perguntem publicamente ao presidente Fernando Henrique Cardoso qual a sua opinião sobre a emenda constitucional de autoria do deputado Mendonça Filho (PFLPE) que prevê a reeleição de prefeitos, governadores e presidente da República, inclusive para os atuais ocupantes dos cargos, e ele cortará imediatamente a conversa. Mas experimentem conversar reservadamente com Fernando Henrique sobre o mesmo assunto e o papo fluirá solto. Até ha algum tempo, o assunto estava em banho-maria nos meios políticos, mas nas últimas semanas pegou fogo, estimulado pelos amigos do presidente que despacham em Brasília ou convalescem — de turbinas ligadas — no bairro paulistano de Higienópolis.


O raciocínio é que Fernando Henrique está indo muito bem e ninguém melhor do que ele poderá consolidar as conquistas de seu Governo. A reeleição portanto, seria necessária. Mas seria possível também? Sim, argumentam os amigos do presidente, desde que o assunto seja votado no Congresso até junho. Não se pode desperdiçar a alta popularidade de Fernando Henrique, com o povão satisfeito com os baixos preços do frango e do arroz e a elite maravilhada com um presidente que tira nota dez no Primeiro Mundo,


Além disso, a data limite para o registro das candidaturas a prefeito no ano que vem é 30 de junho. Se a emenda Mendoncinha ficar para depois, perderá o apoio do prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, e de seus colegas de outras capitais e cidades importantes. Outro dado a favor: uma pesquisa em poder do Palácio do Planalto indica que 54% dos congressistas apóiam a reeleição de Fernando Henrique. Essa movimentação toda pode meter o presidente numa fria monte. mental. Em primeiro lugar, como ele sabe multo bem, a aprovação de uma emenda constitucional é uma batalha duríssima, que pouco tem a ver com a moleza de reunir, no anonimato de uma pesquisa, uma frouxa maioria de parlamentares favoráveis, em tese, a mais quatro anos para FH. Exige o voto em plenário de 60% dos deputados e 60% dos senadores, em dois turnos, enfrentando a pressão de todas as forças contrárias à reeleição, tanto as que existem na oposição quanto as que existem na base de sustentação do Governo (e que ainda não puseram a cabeça de fora),


Em segundo lugar, quem disse que .o apoio dos atuais prefeitos de capitais e grandes cidades dá votos na Câmara e no Senado? Provavelmente tira. Afinal, um em cada seis congressistas é candidato a prefeito de sua cidade e, portanto, adversário potencial dos atuais alcaides. Por que essa turma iria dar um tiro no próprio pé? Por amor a Fernando Henrique?


Por Último, a experiência mostra que, mesmo com sua base parlamentar unida, a melhor marca do Governo no painel eletrônico da Câmara esteve cerca de 70 votos acima dos 308 necessários para aprovar uma emenda constitucional. Será ele capaz de repetir essa performance numa questão política como a da reeleição, que interfere com os apetites pessoais dos demais caciques? E evidente que não.


O ex-presidente José Sarney, por exemplo, sonha em voltar ao Palácio do Planalto pelo voto direto. Certamente recomendará a seus amigos na Câmara que votem contra a emenda. No Senado, onde é mais forte, fará o diabo. Por outro lado, o governador de São Paulo, Mário Covas, já disse alto e bom som que é doutrinariamente contra a reeleição. Será que sua opinião não tem influência alguma no partida do qual é uma das maiores expressões? E quanto. ao PFL, que está com Fernando Henrique, mas não confia em Fernando Henrique? Por que encheria a bola do presidente tanto tempo antes da corrida sucessória, tornando menos. • dependente do partido? Fosse a situação do presidente no Congresso um mar de rosas, o Fundo de Estabilização Fiscal, antes chamado de Fundo Social de Emergência, estaria sendo prorrogado por quatro anos e não —graças à ação combinada de Sarney, do PFL e do .PMDB — por um ano e meio.


E um jogo perigoso. Fernando Henrique, correndo atrás de mais quatro anos de mandato, pode acabar perdendo dois. Porque, se o Governo empenhar-se pela emenda e, mesmo assim, ela for derrotada no Congresso, a sucessão presidencial será inapelavelmente antecipada. Nesse caso, .a poder correrá do Palácio do Planalto para os candidatas com chances na disputa e Fernando Henrique se converterá naquilo que os americanos chamam de lama duck, pato manco. Não lhe servirão nem cafezinho. Para o presidente, o melhor é deixar essa conversa para 1997.

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