Amigo oculto
23.12.1996
Na semana passada, Brasília foi tomada pelas festinhas de fim de ano. Não houve repartição pública, dependência do Congresso ou sala do Palácio do Planalto que escapasse à febre do amigo oculto, que, pelo menos na capital da República, foi capaz de produzir milagres: desafetos choraram nos ombros uns dos outros, velhas serpentes esqueceram o veneno no copo da dentadura e inimigos de morte trocaram presentes e gentilezas.
Comecemos pela mais bonita de todas as festas: a do Palácio do Planalto. O presidente Fernando Henrique conseguiu o que parecia impossível: reconciliar o secretário-geral da Presdiência, Eduardo Jorge, e o ministro da Coordenação Política, Luiz Carlos Santos, que andavam dizendo cobras e lagartos um do outro depois do vazamento da famosa lista dos deputados do PPB em débito com o Banco do Brasil. Pois bem, Fernando Henrique foi lá, cochichou no ouvido de um, falou no ouvido do outro e, em três tempos, lá estavam os dois de abraçando.
O mais interessante deu-se na hora da abertura dos presentes: por uma feliz coincidência, Eduardo Jorge era o amigo oculto de Luiz Carlos que, por sua vez, também era o amigo oculto do secretário-geral. Vejam como é a vida: todos achavam que eles eram inimigos ocultos.
O Palácio quase veio abaixo quando os dois abriram os pacotes. Por outra feliz coincidência, Jorge e Santos haviam se presenteado com o mesmo CD: “Amigos para sempre”, de José Carreras. Que cantaram juntos, comovidos. É verdade que desafinaram um bocado, mas mesmo assim, teve gente que chorou.
- O que vale é o sentimento e o amor que levamos dentro de nós – comentou um.
- Do que não é capaz o presidente... – comentou outro, mais chegado a uma tietagem.
- Amigos para sempre? Esperem só quando as águas de março chegarem fechando o verão – devolveu um cético de plantão.
Mas não lhe deram ouvidos. Paz na Terra e glória aos homens de boa vontade!
Todos queriam saber quem seria o felizardo que teria como amigo oculto o próprio presidente. Seria o Very Well, auxiliar administrativo do Comitê de Imprensa? O cabo da guarda? O garçom do cafezinho?
- O meu amigo oculto é uma força da natureza... – começou o presidente, já deixando claro que não iria dar presente a alguém da patuléia.
- Com ele, é amor ou ódio. Já estivemos separados, mas hoje estamos juntos. O Brasil nos uniu.
Curioso é que poucos olharam para o vice Marco Maciel.
- Falo de um grande brasileiro... – continuou.
- ACM! ACM! – berrou Serjão, ansioso com tantas sutilezas e doido para entrar logo em campanha.
- Senador, ou melhor, presidente – disse Fernando Henrique a Antônio Carlos – nem preciso dizer qual é o meu presente. Todos sabem.
- Ainda bem que isso finalmente vem a público – disse, aliviado, o senador.
Abraçaram-se.
- Venha aqui também me dar um abraço, líder – disse Fernando Henrique ao deputado Michel Temer, candidato a presidente da Câmara – Eu também sou seu amigo oculto. Juntos, pelo Brasil, somos imbatíveis.
- E nós? Vamos apoiar essa gente e ficar chupando o dedo? – perguntou ao Serjão um tucano mais chato, com um tique social-democrata.
- Nós já temos o presidente da República. Se esqueceu, bestalhão? Nosso projeto de poder é para 20 anos. Estamos mudando o Brasil e lá vem você com essas miudezas. ACM, Temer, tudo isso é miudeza. O que vale mesmo é o Fernando, é a Presidência.
E, então, todos juntos formando um grande coral, cantaram mais uma vez “Amigos para sempre”. Coisa bonita, sô!
Atravessando a praça, fomos à festa do Congresso, que foi boa, mas não chegou aos pés da do Planalto. Faltou animação – está todo mundo pendurado no cheque especial do Banco do Brasil. E faltou quorum – porque, como já vimos, muitos deputados e senadores gaúchos preferiram marcar presença no Palácio.
- Está faltando independência à Casa – resumiu Prisco Viana, candidato à presidência da Câmara, em tom de crítica.
- Para mim, a festa está ótima. Os líderes não fazem falta alguma. O importante é que estão aqui os deputados rasos. Podem chamar de baixo clero, se quiserem, mas são eles que movimentam o Congresso – proclamou, em ritmo de campanha, o bom companheiro Wilson Campos:
- Vai uma passa de caju? Uma cachaça de Pernambuco? Essa manga Haden de Petrolina não tem rival... É um suco e não tem fibra. Prove e leve para casa, para a patroa. Quem não gosta de ser ternurado?
Poucos na festa sentiram as ausências de Pedrinho Abrão e João Iensen, que naquele momento estavam preparando suas defesas contra acusações de corrupção.
Sentida mesmo foi a ausência do deputado Delfim Netto, que pegou uma carona no jatinho do senador Gilberto Mirando ruma a São Paulo. Soubera que Luiz Carlos Santos estaria a bordo. Não perderia por nada a oportunidade de dar um nó no homem que dá nó em fumaça.
- Que carona, que nada! O Delfim não veio à festa com medo de que todo mundo ficasse sabendo quem era o seu amigo oculto, aquele que lhe passou a lista do Banco do Brasil – brincou o senador Esperidião Amin, que, sabidamente, perde o amigo mas não perde a piada.
Já no Banco do Brasil, a festa não deu em nada. Foi cancelada. A comissão de sindicância não conseguiu encontrar a árvore de Natal. Não encontrou sequer o Natal. Quanto à identidade de Papai Noel, está sendo mantida debaixo de rigoroso sigilo, como é de se esperar numa instituição que não brinca em serviço.
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