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29.Nulo e inútil

Franklin Martins

21/10/1995

Nulo e inútil


e O PT, capitaneando as esquerdas, decidiu recomendar o voto nulo no segundo turno das eleições para prefeito do Rio de Janeiro. Na opinião da cúpula petista, não exis-tiriam dilerenças entre Luiz Paulo Conde, do PFL, e Sér-gio Cabral Filho, que seriam farinha do mesmo saco, As-sim sendo, o PT está pedindo aos seus eleitores que anu-lem o voto. Trata-se, segundo Chico Alencar, de urna postura ditada por "audaciosa coerência". Será?

pouquíssimo provável que a palavra de ordem lançada pelo PT seja obedecida fora dos estreitos círculos da mili-tantes partidários. O eleitor, inclusive o eleitor petista, sa-be que sempre existe um can-didato melhor do que o outro ou — o que vem a ser a masma celsa — um candidato menos ruim do que o outro, Aliás, es-sa é a lógica das eleições em dois turnos. Ne primeiro, vota-mos naquele que nos parece o melhor. No segundo, peio me-nos no caso das pessoas cujo candidato foi eliminado da dis-puta; votamos contra aquele que julgamos ser o pior. Pode não ser muito edificam te, mas é assim que a coisa fure dona. E nisso não há nada de mais: numa democracia, tão importante quanto eleger al-guém em quem acreditamos é impedir a ascensão de líderes dos quais desconfiamos pro-fundamente. Já era assim na Grécia antiga, onde a escolha dos governantes não costuma-va atrair mais gente para as as-sembléias cio que as votações caie condenavam certos figu-rões ao ostracismo. Assim, a esmagadora maio-ria dos eleitores que apoiaram Chico Alencar em 3 de outubro não anulará seu voto no dia 15 de novembro. Todos sabem disso, inclusive a direção do PT. No entanto, ela achou por bem recomendar a anulação do voto. Por que medida tão extrema? É bom lembrar que os petistas poderiam se limitar a deixar a questão em aberto, não optando por nenhum dos candidatos. Não é porque se está furado jogo que se vai im-pedir os outros de brincar. É assim que se comportam qua-se todos os partidos em situa-ções semelhantes, O PT, porém, achou que isso seria pouco e apelou para o voto nulo. Preocupou-se em deixar claro que não se trata de um repúdio ao processo eleitoral em si, como ocorreu nos pleitos de 1966 e 197D, quando a parcela da esquerda que acreditava que a luta ar-mada era o único caminho pa-ra derrubar a ditadura militar pregou o voto nulo contra aquilo que, na sua avaliação, era tão-somente urna farsa eleitoral que legitimava o regi-me de força. O PT faz questão de dizer que continua acredi-tando no caminho eleitoral pa-ra chegar ao poder. Estaria o partido, então, re-pudiando especificamente es-sas eleições, por ter descober-to nela um vicio ou uma rouba-lheira que tornariam inaceitá-veis os seus resultados? Não, não houve qualquer desanda séria nessa sentido, É bem ver-dade que o PT andou falando que as candidaturas de Conde e Cabral só passaram para o segundo turno porque foram impostas ao povo pelo marke-Ling, mas Lados sabem, a co-meçar pelo PT, que isso não passa de choro de perdedor. As eleições foram limpas e cre-denciaram-se para o turno fi-nal os que receberam mais vo-tos do eleitorado, A pregação petista do voto

nulo, portanto, não é nem um repúdio ao processo eleitoral em si, nem uma denúnc i a espe-cifica das eleições de 3 de ou-tubro. Como não é tampouco a útil. catática que permitiria ao par-tido dissociar-se dos dois can-didatos que restaram na arena, e seu impacto no resultado de 15 de novembro será mínimo, por que o PT se viu (orçado a adotá-la? Por duas razões, ambas de economia interna. A primeira é que o PT sofre da síndrome da cavalaria. Nunca bate em red-rada. Dá meia-volta volver, e avança a pleno galope. Em ter-mos práticos, dá no mesmo, mas é sempre melhor manter a pose na hora da derrota do que analisar por que ela se deu. De quebra, pode-se espa-lhar aos quatros ventos as vir-tudes da "audaciosa coerên-cia". A segunda razão para o PT adotar o voto nulo é a mesma que levava os cavaleiros que partiam para as Cruzadas a re-correr aos cintos de castidade para garantir a fidelidade de suas mulheres. Como acaime é fraca e a tentação, as vezes, in-suportável, é bom não brincar em serviço. Se o partido dei-xasse a questão em aberto, as opções feitas pelos eleitores petistas tenderiam a contami-nar a militãnela, que poderia acabar descobrindo as exce-lências do mal menor, E qual seria o mal menor? Para a maioria do eleitorado petista, Luiz Paulo Conde. O candidato de César Maia cOrl-seguiu carimbar a imagem de que de conservador não tem nada. Seria apenas um técnico — inclusive com passado de esquerda — que, por vicia.situ-der de nossa babe! partidária, está sendo obrigado a ostentar o rótulo do PFL. Ainda por cima teve a cora-gem de defender posições are-jadas e modernas em temas polêmicos como legalizsição do aborto e união de homosse-xuais. É o tipo do sapo que dá para o eleitor de Chico Alencar engolir. Já Serginho Cabral enfrenta o ânus de ser ligado a Marcello Alencar, que, aos olhos roces-tas, aparece corno um verdugo do funcionalismo público e um administrador, digamos, à mo-da antiga. O candidato tucano paga ainda o preço de ser uni político e comportar-se como um político, algo que, definiti-vamente, não cai bem no elei-torado petista. Será uma surpresa se conse-guir cativá-lo. Tudo somado, o voto nula terá dois efeitos, deixará o eiei• tor petista livre para votar em quem quiser — provavelmente em Conde — e o militante do PT livre de qualquer responsa-bilidade pot essa decisão. Na-tos não faria melhor. Mas quem disse que ele ficou bem na História? PS: Nas duas próximas se-manas, estarei de férias. Tam-bém sou filho de Deus, Márcio Moreira Alves, titular da colu-na, me substituirá. O leitor cer. lamente sairá lucrando


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