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28.Sentou no banquinho

Franklin Martins

20/03/1995


Sentou no banquinho


Pugilistas experientes nunca dispensam o ban-quinho no canto do rin-gue no intervalo entre os rounds, mesmo quando ainda estão descansados. Com isso, não só poupam energias para uma luta que pode ser longa, como procuram esconder do adversário a preciosa in-formação sobre o mo-mento exato em que as pernas passam 'a pesar como chumbo e o exige.-Mo a queimar como áci-do ao entrar nos pul-mões. Já os novatos, me-nos manhosos e mais exibicionistas, são dados a recusar o tamborete no começo da luta. Mas, mais cedo ou mais tarde, desabam sobre ele. Con-tra o cansaço não há po-se que resista. Ao senador Eduardo Suplicy, do PT de São Paulo, que, dizem, foi um bom boxeador na juven-tude, não deve ter passa-do despercebido que o presidente Fernando Henrique Cardoso sen-. tou no banquinho na se-mana passada, depois de ter desfilado durante os dois primeiros meses de um combate previsto pa-ra quarenta e oito como se tivesse todo o gás do mundo e não pudesse ser tocado pelo adversário. Nos primeiros dias de seu Governo, Fernando Henrique foi logo avisan-do que não pretendia fi-car recebendo deputados e senadores no palácio. Na última terça-feira, ' voltou atrás. Instituiu o • "dia do parlamentar", em que os congressistas terão direito a fazer pe-quenos pedidos, apresen-tar pleitos regionais e ti-, rar fotos com o presiden-te. A novidade, ao que parece, veio, para ficar. Além disso, Fernando Henrique, que antes não abria mão de ser ele pró-prio o coordenador polí-tico de seu Governo, deu sinais de que delegará a tarefa a outra pessoa. Por último, foram toma-das providências para superar o mal-estar cres-cente dentro do Ministé-rio, que parecia estar se dividindo entre minis-trios de primeira e de se-gunda classe. A MP 935, que dera poderes à Fa-zenda e ao Planejamento para invadir as searas da Saúde e da Previdência, foi revista. Ao mesmo tempo, amorteceu-se o impacto negativo, espe-cialmente no meio mili-tar, da transferência pa-ra o início do mês do pa-gamento do funcionalis-mo público com a deci-são de antecipar uma parcela de 40% dos ven-cimentos. Todas essas iniciativas devem ajudar o Governo a recuperar o fôlego ne-cessário para enfrentar as difíceis batalhas que tem pela frente, entre as

quais se destacam as mu-danças na Constituição destinadas a quebrar os monopólios estatais e efetuar uma profunda re-forma na Previdência So-cial. Nessas lutas, dificil-mente haverá nocaute. Tudo indica que a deci-são será por pontos, exi-gindo dos dois lados mais resistência do que pegada, mais pernas do que punhos. Ninguém nega que Fernando Hen-rique tenha começado o combate era excelente forma, exibindo um car-tel muito superior ao dos adversários, mas tam-bém sua vantagem não é tanta que lhe permita bo-xear de sapatos altos ou dar socos ao vento, como andou fazenda nas dez primeiras semanas de seu governo. Portanto, fez bem o presidente em descer da pose e sentar no banqui-nho. O problema é que muito mais gente, além do senador Suplicy, pare-ce ter percebido que o Governo, ou por ter quei-xo de vidro ou fígado sensível, sentiu mais do que devia os poucos gol-pes recebidos, voltando zonzo para o seu canto. Essa gente, que andava se poupando quando o presidente estava no au-ge da força, começou agora a botar as mangui-raias de fora. No Congresso, os pro-fissionais da politica, que sabem farejar como nin-guém a hora de parar de lamber e começar a morder, subiram imedia-tamente o tom de suas críticas. No mercado fi-nanceiro, as especulado-res também captaram instantaneamente o chei-ro de fraqueza no ar; agora, qualquer rumor e pretexto para oscilações bruscas nas cotações do dólar e nas bolsas. Nas ruas, os incidentes que marcaram a passagem de Fernando Henrique pelo Rio, na última sexta-fei-ra, são indicativos de que os actores mais du-ros da oposição chega-ram à conclusão de que não há mais razões para manterem o resguardo pós-eleitoral a que tive-ram de se submeter, Nas mais variadas frentes, estão todos testando o terreno, buscando sentir até onde vai a debilidade momentânea do Gover-no. Também não estão com essa bola toda para partir para cima do ho-mem de as milhões de votos. Agora é esperar pelos próximos rounds, que prometem grossa panca-daria. A fase de estudos acabou. Fernando Henri-que ainda é o favorito, mas vai ter de lutar tudo o que sabe. Co adversá-rios descobriram que ele é de carne e osso. Não vão cair com um sopro.


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