top of page

27.Custou, mas começou


Franklin Martins

20/02/1995


Custou, mas começou


Fernando Henrique es-tá com a corda toda. Na semana que passou, teve uma agenda digna de candidato em reta final de campanha. Foi ao in-terior do Paraná acordar o Brasil para ir à escola, fez dois discursos de pe-so — um para empresá-rios, outro para sindica-listas — deu uma longa entrevista coletiva na qual passou em revista praticamente todas as areas de seu Governo, enviou ao Congresso suas primeiras propostas de emendas constitucio-nais, fez uma visitinha de surpresa aos presi-dentes do Senado, José Sarney, e da Câmara, Luís Eduardo, e, para culminar, foi a Puerto Iguazu, acompanhado de uma penca de ministros, dar urna mãozinha a seu colega argentino, Carlos Menem, que tenta a ree-leição. De quebra, ainda comprou uma briga com as montadoras de auto-móveis sediadas em São Paulo, que se valentea-ram com a subida da ali-quota de importação de veículos de 20% para 32% e estão achando que podem fazer o que bem entendem. Desde os tempos de Collor não se via uma dose maciça de exposição na mídia como essa, O curioso é que, logo de-pois de sua posse, Fer-nando Henrique andou advertindo a imprensa para que não esperasse que ele produzisse man-chetes todos os dias. Seu estilo de governar, escla-receu, seria discreto e só-brio, Buscaria a eficiên-cia, não os holofotes. Que bicho mordeu, en-tão, o presidente na últi-ma semana? "Sapo não pula _por bo-niteza, mas porem por precisão." A observação de Guimarães Rosa, pelo visto, vale também para os príncipes, O presiden-te não se transformou, de uma hora para outra, em garoto-propaganda porque descobriu que o papel lhe fica bem, mas porque chegou à conclu-são de que precisava sair em campo urgentemente em defesa de seu Gover-no, que começava a to-rnar ares de velho. menos de dois meses depois de nascido. Foi uma provi-dência acertada. Com ela, retomou a iniciativa política. Ao longo da maratona da última semana, Fer-nando Henrique mandou vários recados e botou os ping9s nos ii em pontos cruciais. O primeiro re-cado, curto e grosso, foi para os funcionários das estatais. "Não tenho me-do de bicho papão", disse o presidente, pratica-mente escolhendo seus adversários na batalha

da quebra dos monopó-lios da União e carim-bando a idéia de que re-sistência dos sindicatos às mudanças é movida pelo combustível do cor-porativismo. Mas o presidente não se limitou a bater nos ad-versários. Aproveitou para dar um freio de ar-rumação no ônibus que transporta seus aliados. Advertiu com todas as letras que a reforma do Estado não é a sua des-montagem, mas o seu reaparelhamento para. novas funções. Para Fer-nando Henrique, se o Es-tado não pode mais ser, como no passado, o car-ro-chefe do processo de investimentos no país, nem por isso deve renun-ciar a intervir na ativi-dade econômica. Precisa adaptar-se para exercer funções reguladoras e fiscalizadoras, em defesa da sociedade,. contra as práticas monopolistas. Seu modelo de Estado não é o de Vargas, mas tampouco é o de Marga-ret Thatcher. Os liberais podem ser seus compa-nheiros de viagem, mas ele não é um liberal. Outro recado impor-tante: o presidente joga-rã todo o seu peso políti-co para acabar cont o monopólio da Petrobrás e da Telebrás, mas não pretende vender essas estatais. À iniciativa pri-vada oferece a oportuni-dade de negócios em áreas antes fechadas, mas não o patrimônio da União existente nesses setores. A privatização, sublinhou, é apenas um dos rnecanimos existen-tes. O outro, a menina dos olhos de Fernando Henrique, é o sistema de concessões, em que a União, como poder coo-cedente, deixa a explora-ção da atividade econô-mica nas mãos de grupos privadas, mas sob per-manente monitoraçâo.. Para o presidente, as concessões — e não as privatizações — predo-minarão em áreas estra-tégicas, como petróleo, telecomunicações, ener-gia elétrica, portos, rodo-vias e ferrovias, A idéia básica é que os capitais privados devem entrar nesses setores pa-ra expandir a produção e os serviços, e não para assumir o controle do ní-vel de atividade hoje a cargo das estatais ou o seu patrimônio. Em su-ma, quem quiser correr riscos e desbravar novas áreas, será bem-vindo. Aqueles que sonhavam em receber de mão beija-da uma galinha morta, podem ir cantar noutra fregueeia. Parece que Governo Fernando Henrique, fi-nalmente, começou.

O sorriso imortalizado na cromca.


Posts recentes

Ver tudo

33.O vôo e os ruídos

31/07/1995 Franklin Martins O vôo e os ruídos Uma velha e triste can-ção mexicana constata-va, com espanto, que "hay muertos que no que ruído". Sempre me intrigaram esses versos. Afinal, nada mais nor

32.Governo esquisito

27/11/1995 Franklín Martins Governo esquisito O que está esperando o presidente da República para afastar de seu cargo a presidente do lucra, Fran-cisco Graziano, metido até o pescoço no episódio da e

31.No balé, com Luís Eduardo

25/12/1995 Franklin Martins No balé, com Luís Eduardo Qual o melhor presente que milhões de brasileiros po-deriam ter recebido na noite de Natal? Carros importa-dos, videogames, roupas de grife, CDs o

bottom of page