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21.Poder e imprensa

Segunda-Mira, 3 de junho de 199f,

FRANKLIN MARTINS


dO Brasília

Poder e imprensa

e A imprensa está na berlinda em Brasília. O presidente da República, em reunião com intelectuais, poucos dias antes de embarcar para Paris, queixou-se de que os jor-nalistas vêm fazendo uma cobertura preconceituosa do Governo. Segundo ele, apenas se interessariam pelos fa-tos negativos. Semana passada, foi a vez de a Câmara subir rias tamancas, por causa do um comentário de Ar-naldo Jabor na TV Globo. Querem nos levar à fogueira.

Fernando Henrique está re-clamando de barriga cheia. Pe-lo menos ao longo cio ano pas-sado, a imprensa manteve uma atitude simpática em relação a seu Governo— o que era com-preensível. Primeiro, tratava-sa de um presidente eleito de-mocraticamente, ainda no co-meço do mandato e gozando cie extraordinário prestígio po-pular. Segundo, não eram pou-cas as marcas positivas do Go-verno, como o respeito às ins-tituições democráticas, o esta-belecimento de uni padrão éti-co elevado na administração pública, a manutenção da in-flação sob controle, a transia-[-anda de renda para os selo-res mais humildes via estabili-zação da moeda, o desenvolvi-mento de orna política externa audaciosa e a determinação de reformar o Estado. Tudo ia no melhor dos mun-dos até que estourou o escale dato Sivam-grampo. Fernando Henrique Irritou-se com as de-núncias sobre tráfico de in-fluancia e escuta telefônica no Palácio do Planalto, chegando a chamar os jornalistas de cor-vos. Os fatos deixaram claro que o presidente estava erra-do e a imprensa certa. Outras crises sucederam-se, como a da pasta-rosa, a intervenção no Banco Económico e as ma-racutalas do Banco Nacional, a tragédia de Caruaru, o massa-cre de Eldorado de Carajás, sangrando aos poucos a popu-laridade do presidente e tor-nando a cobertura dos jornais mais crítica. Apesar disso, não se viu na Imprensa, durante todo esse tempo, uma campanha siste-mática contra o Governo. Nas áreas em que a administração Fernando Henrique esteve bem, o noticiário 10i positivo. Que o digam José Gregori, che-fe de gabinete do ministro da Justiça, encarregado de espi-nhosas questões em matéria de direitos humanos, o minis-tro Paulo Renato, que está pro-movendo mudanças importan-tes na área de educação, e ti frango, esse campeão do Raal, que conseguiu no início deste ano a proeza de ser mais fes-tejado na midia do que Luiza Brunet. Em compensação, o noticiá-rio apontou as mazelas nas áreas em que o Governo mos-trou-se acanhado, mediocre ou atrapalhado. Alguém em seu juízo perfeito levaria a sé-rio reportagens que elogias-sem a acuidade e a presteza da vigilância do Banco Central nos casas do Económico e do Nacional, a competência do Ministério da Saúde no socor-ro às vítimas da hemodiálise em Caruaru ou ã agilidade e a eficiência do Comunidade Soli-dária no combate à fome e à miséria? É evidente que não, Se Fernando Henrique está irritado com a Imprensa, o Congresso anda possesso. Muitos deputados e senadores achata que está em curso uma campanha para desmoralizar Parlainento, Na última sema-na, declararam guerra a midia depois que o comentarista Ar-naldo Jabor, da 'l Globo, acu-sou um grupo de deputados de se organizar para praticar o to-ma-lá-dá-cá. O presidente da Câmara, Luís Eduardo, aurfan-do nessa onda, chegou a amea-çar veladamente com a apro-vação de uma nova Lel de Im-prensa em tramitação no Com

Não é verdade que a impren-sa sempre trate mal o Parla-mento, corno é voz corrente entre deputados e senadores, Afinai, o noticiário do ano pas-sado, especialmente no pri-meiro semestre, quando ¡Orare votadas as reformas constitu eionais da Ordem Econômica, foi amplamente favorável ao Congresso. Deputados e sena-dores eram elogiadas por sua assiduidade no plenário, e a Câmara Meei-macia por sua produtividade, Mas o que era boiai durou Pouco, Já no segundo semes-tre de 1995, as votações come-çaram a escassear, A situação complicou-se mais tarde, quando grupos de deputados, percebendo que o Planalto perdera o pulso da situação, passaram à barganha aberta: deixaram claro que só vota-riam a favor do Governo se es-te abrisse seus cofres para atender aos pleitos dos seto-res que representavam, corno os ruralistas ou a empreiteira Mendes Júnior. A imprensa no-ticiou o cambalacho e, em seus estados, os deputados sentiram imediatamente a co-brança dos eleitores. Acharam melhor botar a culpa no sensa-cionalismo dos jornais, e não na turma de São Francisco de Assis. É verdade que nós, jornalis-tas, na luta pela sobrevivência diante de nossas concorren-tes, vivemos sob a tentação do sensacionalismo e da demago-gia. Exatamente como os polí-ticos, aliás. A diferença é que os políticos, em geral, só pra-cisam passar por essa prova de quatro em quatro anos, du-rante as campanhas eleitorais. Nós, ao contrário, passamos por ela todos os dias. Volta e meia, mordemos a maçã. Mas, lu caso das denúncias de fisiologismo de grupos de deputados, a imprensa não er-rou. Se a Câmara não gostou do que Jabor falou, que o pro-cesse por calúnia, injúria e di-famação, como prevê alei, Se o fizer, desconfia que °comenta-r:ata ganhará a parada trangaii-lamente. Apenas exerceu seu direito de crítica, e o que cri-ticou é fato. Pessoalmente, não vejo ne-cessidade de Lei de Imprensa, a não ser para deixar claro o direito de todo cidadã» a ser bem informado e o dever dos jornais de informar correta-mente. Lei de Imprensa para proteger dono de jornal, jorna-lista ou quem aparece no noti-ciário é uma excrescência: ou pretende criar privilégios ou cercear a liberdade de impren-sa. Para punir eventuais exces-sos, o Código Penal é o bastan-te. Se um jornal calunia al-guém, que seja tratado exata-mente como todos os outros mortais. Se um político é difa-mado por um jornalista, que conte com a mesma proteção e direito à reparação de qual-quer cidadão. Nem mais nem menos. Pode a Câmara pensar dile-rente e votar uma Lei de Im-prensa. Só não deve fazê-lo co-mo se buscasse vingança. Sm ria ruim para a imprensa é pa-ra a democracia, e pior ainda para o Congresso, Daria a Im-pressão de que o Parlamento está propondo um toma-lá-da-cá aos jornala, nos seguintes termos: "Parem de me criticar e eu os deixa em paz; conti-nuem a me atrizanaa, e eu lhes

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