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18.Ventos da Europa

Ventos da Europa


09.06.1997



Primeiro foi a estrondosa mas esperada vitória de Tony Blair e dos trabalhistas na Grã-Bretanha. Agora, foi a vez dos socialistas franceses, capitaneados por Lionel Jospin, colherem um triunfo tão espetacular quanto surpreendente. Menos de dez anos depois da queda do muro de Berlim, a esquerda está de volta ao poder na Europa. O eleitor deixou claro que perdeu a paciência com as receitas do neoliberalismo. Quer mudanças. É evidente que a esquerda que venceu as eleições não é a mesma de alguns anos atrás. No Reino Unido, o trabalhismo afrouxou seus vínculos com o movimento sindical, buscou reciclar-se e dirigiu cada vez mais sua pregação para a classe média. Renunciou a bandeira da nacionalização dos setores estratégicos da economia e aceitou como um fato irreversível o processo de privatização das últimas décadas. Manteve intacta, porém, a visão de que o Estado tem um papel intransferível na promoção da igualdade de oportunidades, através de investimentos maciços na educação, na saúde e na seguridade social. Na França, os socialistas também moderaram notavelmente seu programa ao longo da última década. Fizeram essa inflexão quando ainda estavam no poder, no segundo mandato de François Mitterand, e não na oposição, como os trabalhistas britânicos. Mas, embora os caminhos tenham sido específicos, o sentido do movimento das esquerdas foi o mesmo dos dois lados do Canal na Mancha: aceitação de uma diminuição da presença do Estado na economia e manutenção da idéia da necessidade de um Estado forte na área social. Para alguns, a moderação programática de trabalhistas e socialistas diminuiu a importância de suas recentes vitórias, já que, tendo sido borradas muitas das diferenças entre a esquerda e a direita, a opção dos eleitores teria pouco significado. É um erro pensar assim. Britânicos e franceses fizeram uma escolha – e a mesma escolha. Recusaram a insensibilidade social e a fetichização do mercado, e resolveram dar uma oportunidade a quem lhes prometeu combinar ampla liberdade para a iniciativa privada com inclusão social crescente. Se isso é factível ou não, só o tempo dirá. Mas a aposta foi feita. A guinada não deve ser subestimada: a onda neoliberal, ao menos no momento, exauriu-se e a social-democracia logrou reorganizar-se para enfrentar os desafios dos pós-consumismo e da globalização. Nada indica que os novos ventos que sopram na Europa chegarão ao Brasil com força suficiente para enfunar as velas de alguns ou abalar as certezas de outros. Provavelmente, a curto prazo, seu impacto no comportamento dos partidos e da sociedade será pequeno. Mas é razoável supor que, aos poucos, de um lado e de outro, as cabeças mais abertas começarão a refletir sobre o que se passou e está se passando na Europa. Governo e oposição ganhariam muito com esse exercício. A esquerda, por exemplo, certamente sairia lucrando se aprendesse que é preciso libertar o presente do passado – para usar uma expressão muito em voga antigamente. Quando a sociedade faz uma inflexão profunda e, em seguida, confirma-a seguidamente, não adianta bater a cabeça contra o muro. O que está feito, está feito; pode ser redirecionado, mas não eliminado. É preciso adaptar-se às novas circunstâncias. Tomemos o caso da Grã-Bretanha. As seguidas vitórias dos conservadores mostraram que a maioria da sociedade endossava o vastíssimo programa de privatizações. Os trabalhistas eram contra ele, mas compreenderam que se tratava de um fato consumado. Admitiram-no como um dado da realidade e ponto final. Foram buscar outros temas que permitissem quebrar a hegemonia conservadora em vez de ficar pregando a volta ao passado. Oportunismo? Não, realismo político e respeito às opções feitas pela sociedade. Se tivesse uma atitude semelhante, nossa esquerda se daria conta de que a sociedade brasileira optou pela reforma do Estado. Ela está aberta para a discussão do modelo do novo Estado, mas não deseja manter aquele que se formou na Era Vargas, foi recauchutado pelos governos militares e hoje está semidesfeito – vivo, mas em coma. Ao colocar a luta pela defesa do moribundo como seu objetivo central, a esquerda autocondena-se como uma alternativa de poder com chances de vitória. Fernando Henrique também teria muito a aprender com os ventos que sopram na Europa. A derrota dos neoliberais é um atestado de que é politicamente insustentável um modelo de crescimento econômico que exclui (e não inclui) novas camadas de trabalhadores dos benefícios do progresso. Se isso vale para países como a França e a Grã-Bretanha, onde os desempregados contam com um sistema de proteção muito mais efetivo que o nosso, com muito mais razão vale para o Brasil. Não é possível sustentar por muito tempo uma situação em que os bons resultados na economia não se estendem para os sem-terra, os sem-teto, os sem-emprego, os sem-escola, os sem-saúde e os sem-cidadania. Pode dizer o presidente, como vive dizendo, que o Real melhorou a vida dos pobres. É verdade. Mas esse movimento, vinculado à estabilização da moeda, mostra há algum tempo perda de dinamismo. Novo impulso teria de vir do aumento do ritmo de crescimento da economia, do aumento da oferta de emprego e de um vigoroso impulso nas políticas públicas capazes de corrigir distorções e aumentar a igualdade de oportunidades. Nessas áreas, os resultados são, para dizer o mínimo, acanhadíssimos. O pior é que o Governo parece satisfeito com o pouco que faz. Qualquer dia, a casa cai. Como caiu na Europa.

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