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17.Boqueirão ou picada?

Boqueirão ou picada?


15.09.1997



Ainda não se sabe com certeza quem será o terceiro candidato à sucessão presidencial, se Itamar Franco ou Ciro Gomes. O que está cada vez mais claro é que haverá um terceiro candidato no ano que vem. É uma novidade de peso, que frusta os planos do Palácio do Planalto e do PT, que, por diferentes motivos, pretendiam reduzir a disputa a um mano a mano entre Fernando Henrique e Lula. Vamos ter uma campanha animada pela frente. Na avaliação do Planalto, o confronto direto com Lula seria o cenário ideal para garantir a reeleição do presidente. De acordo com esse raciocínio, o eleitor, tendo de optar entre a continuidade do Real e o salto no escuro, não teria dúvidas: daria mais um mandato a Fernando Henrique. Já para o PT, a unidade de todas as forças oposicionistas em torno da candidatura de Lula seria a melhor alternativa para enfrentar uma campanha em que FH é o favorito. A unidade daria homogeneidade e contundência ao discurso da oposição, aumentaria seu tempo na televisão e aprofundaria o debate político. Os que defendem essa estratégia argumentam que, ainda que Lula viesse a ser derrotado, as oposições cresceriam na disputa, elegendo mais governadores e parlamentares. A ação oposicionista no segundo mandato de FH seria mais madura, conseqüente e unitária, preparando a volta por cima. Assim, à semeadura de 1998 se sucederia a colheita de 2002. Para o PT, essa alternativa teria, de quebra, outra vantagem: manteria o partido no comando das oposições. Como elas não possuem no momento outro nome capaz de rivalizar com o de Lula, ele seria o candidato natural da coligação que enfrentaria FH. Mal ou bem, os outros partidos e segmentos teriam de se acomodar à força dessa realidade. Talvez esse último dado tenha contribuído decisivamente para precipitar as articulações com o objetivo de lançar uma terceira candidatura a presidente da República, que tentaria abrir uma brecha entre Fernando Henrique e Lula. Diversas forças e personalidades oposicionistas convenceram-se de que a derrota de Lula é inevitável – apenas reproduz a equação eleitoral de 1994, que terminou, como todos sabemos, com um passeio de FH no primeiro turno. Se é para perder com Lula, repetindo o passado, raciocinam esses setores oposicionistas descontentes, é melhor perder com outro candidato, cuja campanha sirva, pelo menos, para abrir perspectivas para o futuro. Nesse sentido, a candidatura de Itamar ou Ciro teria de fazer oposição simultaneamente em duas frentes. Na frente número um, ao Governo e ao projeto de reforma do Estado que vem sendo implantado por Fernando Henrique; na número dois, à concepção estreita e anti-reformista atualmente dominante da oposição. Afinal, se, durante a campanha, não for capaz de derrotá-la ou, no mínimo, de feri-la gravemente, todo o esforço terá sido em vão. O exame das forças que estão de compondo nessa articulação explica a necessidade dessa, digamos, dupla oposição. De um lado, temos dissidentes da coalizão governamental, como Itamar e Ciro. De outro, estão os dissidentes da oposição capitaneada pelo PT, como o senador Roberto Freire (PPS-PE), o prefeito de Belo Horizonte, Célio de Castro (PSB), o deputado Fernando Lyra e o governador Miguel Arraes. A esse grupo devem-se somar o governador Vitor Buaiz, a ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina e o ex-prefeito de Goiânia Darci Accorsi, que deixaram recentemente o PT. Haverá espaço na disputa eleitoral para essa alternativa? O deputado Fernando Lyra, com sua conhecida verve, está confiante: - Há um boqueirão enorme para o crescimento de uma política de centro-esquerda. O sentimento predominante nessa articulação é que a sociedade está satisfeita com a estabilização da economia conquistada a partir do Plano Real, mas cada vez mais preocupada com os rumos que vem tomando o Governo Fernando Henrique, visto como ágil na defesa dos interesses dos ricos, mas insensível diante das aflições dos pobres. Para boa parte do eleitorado, FH não vem fazendo o que está a seu alcance para atacar problemas como o desemprego, a lentidão da reforma agrária, as mazelas do sistema de saúde, a insegurança nos grandes centros, a impunidade etc. Além disso, a cada dia que passa, a imagem do presidente estaria mais associada a das forças conservadoras com as quais se aliou para governar. Tudo somado, dá para fazer um bom discurso de oposição, que preserve as conquistas do Real, mas faça uma crítica severa à inação do Governo diante dos efeitos sociais de uma globalização cada vez mais selvagem. Os nomes de Itamar e Ciro cairiam como uma luva nessa estratégia. O primeiro foi o presidente da República que trouxe o Real ao mundo; o segundo, seu ministro da Fazenda num momento crítico. Ambos têm, portanto, credenciais para deslocar a discussão do terreno mais favorável a FH – quem foi contra ou a favor do Real – para um novo patamar: como melhorar hoje a vida dos brasileiros. O problema é que belas estratégias, fundadas em lógicas razoáveis, nem sempre dão certo em campanhas eleitorais. Entre uma boa idéia e o voto na urna, há muito mais do que supõe nossa vã filosofia. Nem o PT nem FH ficarão parados vendo a terceira via evoluir. O PT, aliás, já está deixando claro que não vai pegar leve nesse campo. Para Lula, a articulação em torno de Ciro e de Itamar está simplesmente fazendo o jogo da direita. Assim, o boqueirão de Lyra pode acabar virando uma estreita picada do meio do mato. Se os oposicionistas dissidentes querem mesmo conquistar seu lugar ao sol, podem ir se preparando para abrir caminho a golpes de facão. A luta pelo poder é uma selva.

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