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16.Os lobos vão voltar

Os lobos vão voltar


03.11.1997



O senhor presidente da República que me desculpe, mas essa história de que, na semana passada, o Real comportou-se como uma “muralha firma” diante dos ataques especulativos é uma bobagem sem tamanho. Ao contrário, os últimos acontecimentos mostraram que o processo de estabilização da economia tem canelas de vidro. Se não for aprofundado, pode sair do campo de maca no próximo carrinho criminoso dos adversários. Em uma semana, perdemos US$ 7 bilhões de divisas, o valor de mercado de nossas estatais diminuiu em quase R$ 15 bilhões, e reduziram-se drasticamente as perspectivas de ágio nos leilões de privatização. Coroando tudo isso, o Banco Central foi obrigado a dobrar as taxas de juros para espantar os urubus que rondam nossa economia – melhor seria dizer, para manter por aqui os urubus que ameaçavam nos abandonar. É verdade que resistimos aos ataques da semana passada, mas a um preço terrível. Já, já os lobos estarão de volta. Virão em maior número e, se nada for feito, nos encontrarão mais debilitados. Por isso, seria bom que o presidente deixasse de lado o gosto pelas frases de efeito e preparasse o país para se defender das próximas investidas. Sabem todos os pais do Real (e suas babás também) que nossa moeda está sobrevalorizada. Não admitem esse fato de público, mas, em conversas reservadas, lançando mão de em eufemismo aqui e outro ali, reconhecem a distorção. Divergem dos críticos da política econômica apenas quanto ao índice de sobrevalorização, que eles reputam bem menor do que os outros apregoam, e quanto à estratégia para superar o problema. A equipe econômica aposta na redução lenta, gradual e segura da diferença entre o valor virtual e real da nossa moeda. Pisar no acelerador seria uma aventura, argumentam. Apenas faria o Real desabar. Se for mesmo indispensável uma desvalorização abrupta da moeda, completam, o momento ideal para isso será depois da reeleição de Fernando Henrique. A euforia da nova situação política favoreceria uma absorção menos traumática da mudança. É uma aposta de alto risco, especialmente porque ninguém pode garantir que os mega-especuladores internacionais não atacarão antes do último trimestre do ano que vem. Afinal, na semana passada, eles andaram beliscando por aqui e sentiram que há nervosismo no ar. Como esse é o clima mais propício para suas ações, tendem a voltar. Quando? Ninguém sabe, a começar pelo BC. Mas voltarão. Seja para adiar ao máximo esse confronto, seja para preparar o país para ele, o Governo tem de trabalhar a todo vapor para dissipar o clima de nervosismo que veio à tona na semana passada. É evidente que isso não se fará apenas com instrumentos de política monetária. Taxas de juros nas nuvens podem manter a peteca no ar por alguém tempo, mas, além dos inconvenientes econômicos, têm uma grave conseqüência política: esgarçam a base social e parlamentar do Real. Assim, enfraquecem o Governo e o país às vésperas de uma batalha decisiva. Quando os lobos voltarem, podem nos encontrar aos tapas. Farão a festa, é claro. Ou alguém acredita que o “saco de maldades” do BC ficará de pé sem um Governo forte na sociedade, por detrás? O caminho para a restauração do clima de confiança no Real está na retomada do processo de reforma do Estado. As reformas administrativa e previdenciária, ainda que enfrentem fortes resistências em setores do aparelho de Estado, contam com amplo respaldo na sociedade. Por isso, sua aprovação, ao lado de dar novo impulso econômico ao Real, contribuiria para reagrupar a base política e social que se fracionou quando Fernando Henrique afobou-se e atropelou a agenda política com a votação precipitada da emenda da reeleição. Ela deflagrou a campanha eleitoral antes da hora e dividiu as forças políticas agrupadas em torno do Real. Pior: deu a entender ao país que o mais importante era reeleger Fernando Henrique; as reformas necessárias para consolidar a moeda poderiam ficar para depois. Foi um erro monumental. Talvez ainda seja possível mudar esse quadro, voltando a colocar as reformas no centro dos acontecimentos e a reagrupar as forças favoráveis a elas no Congresso e na sociedade. O ex-presidente José Sarney botou o dedo na ferida, ao dizer em Washington na semana passada que a hora não é só de economia, mas de política também. Pregou a união em defesa do Real e declarou-se disposto a colaborar com o Governo. Com nuances, essa também foi a atitude do ex-presidente Itamar Franco e do ex-governador Ciro Gomes. Infelizmente, Fernando Henrique, a quem caberia liderar, reordenar a agenda política e reagrupar as forças, não respondeu a esses gestos. Desse jeito, quando os lobos voltarem, não teremos outra saída senão enfrentá-los com juros altos, queima de divisas e frases de efeito. Pode não ser o bastante.

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