O governo no jogo do "pode e do não pode"
28.11.1998
Ao fazer um desabafo, na remota cidadezinha venezuelana de Santa Elena de Uarén, sobre a queda do ministro Mendonça de Barros e do presidente do BNDES, André Lara Resende, o presidente da República responsabilizou os jornais e revistas pela gravidade da crise. Para ele, a imprensa precisa fazer uma reflexão sobre o que “pode e não pode” publicar. O conselho é bem-vindo. Afinal, nem sempre resolvemos acertadamente o conflito existente entre o direito à informação da sociedade e o direito à privacidade das pessoas afetadas por algumas notícias. Erramos muito, nesse aspecto _ mais do que deveríamos e gostaríamos. Por isso mesmo, vem a calhar a recomendação do presidente.
Mas, se o conselho de FH vale para a imprensa, vale mais ainda para o governo, que precisa refletir urgentemente sobre o que “pode e não pode” fazer. Se os figurões do Palácio do Planalto, da Esplanada dos Ministérios e do Congresso Nacional aderissem a esse jogo, 90% dos problemas políticos do presidente estariam solucionados. Para começar, sequer teria havido a crise do grampo. Alguém duvida? Vamos lá.
Pode o ministro das Comunicações comandar o processo de privatização da Telebrás como se fosse Deus, levantando e derrubando consórcios borocoxôs, arranjando carta de fiança para um e recursos da Previ e do BNDES para outro? Não pode. Ou pode, desde que a sociedade não saiba.
Pode o ministro-chefe da Casa Militar ficar sentado em cima da informação sobre a existência do grampo, como se fosse um assunto interna corporis do governo, e não uma matéria de relevante interesse público? Não pode. Pelo menos, numa democracia.
Pode o mesmo governo que sonegou à sociedade a informação sobre o grampo, enquanto rodinhas de caciques escutavam transcrições dos melhores momentos das fitas, sentir-se ofendido porque a imprensa correu atrás do conteúdo das gravações? Não pode.
Podem dois partidos governistas, o PFL e o PMDB, usarem politicamente o episódio do grampo para bombardear a criação do Ministério da Produção e a nomeação de Mendonção para o cargo? Não podem. Mas puderam.
Pode o presidente da República ficar quieto, depois de ler nos jornais declarações dos senadores Antônio Carlos Magalhães e Jáder Barbalho de que, se estivessem eles no lugar de Fernando Henrique, demitiriam tal ou qual ministro? Não pode. Ou pode, com sua autoridade arranhada.
Pode um dos principais assessores do presidente, a pretexto de protegê-lo do incômodo do papelório das Ilhas Cayman, vazar trechos das transcrições das fitas do BNDES, sabendo que elas deixariam Mendonça de Barros numa situação delicada? Não pode. Mas neste governo, pode. Guerra é guerra.
Ficou ruim
Como se vê, muita coisa não teria acontecido nos últimos meses se as principais figuras do governo, a começar por Fernando Henrique, fizessem regularmente a elas próprias a pequena e crucial pergunta proposta pelo presidente. Nesse caso, não teria havido arrogância e promiscuidade na privatização da Telebrás, tentativa de abafamento do grampo, utilização política do episódio em público e manipulação do conteúdo das fitas nos bastidores. O presidente não estaria na posição de fragilidade em que está hoje.
E pode piorar
O resultado é que, menos de 60 dias depois da reeleição em primeiro turno do presidente, o governo, que deveria estar fortíssimo, vive o seu pior momento em quatro anos. Como ainda há mais quatro pela frente, o risco é de que o clima de fim de festa e de disputa estéril contamine o segundo mandato. Já se fala na criação de três superministérios, para contentar a cada um dos grandes partidos da coalizão governista. Pode? Não pode. Como diria Serjão, esse governo anda precisando mesmo é de uma boa chacoalhada.
Época, 28/11/1998
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