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09.A sucessomania vai à praia e ao campo

A sucessomania vai à praia e ao campo


16.01.1999



Na tarde da última quarta-feira, horas depois do anúncio da desvalorização do real e da saída de Gustavo Franco da presidência do Banco Central, o presidente Fernando Henrique tinha duas grandes preocupações. A primeira – óbvia - era sobre como reagiria o mercado às medidas anunciadas. A Segunda – surpreendente - era sobre como reagiria o país à notícia de que ele pretendia retomar suas férias de verão na Praia do Saco. Sim, enquanto o Brasil mergulhava na incerteza, Fernando Henrique estava pensando seriamente em deixar Brasília e voltar para o belo litoral de Sergipe. E só não passou da intenção ao gesto porque alguns amigos e colaboradores disseram-lhe que isso pegaria muito mal. O presidente, então, curvou-se às razões de Estado, mas por pouco tempo. Na quinta-feira, embarcou num helicóptero para sua fazenda em Buritis. Estava lá ainda, quando o Banco Central, na manhã da sexta-feira, simplesmente jogou à toalha, desistindo de defender o real. À guisa de explicação, os assessores do presidente disseram que ele nunca esteve tão cansado como nas últimas semanas. Como atenuante, lembraram que as facilidades de comunicação no mundo moderno tornam irrelevante a presença física de Fernando Henrique no palácio. Buritis, Alvorada, Praia do Saco e Planalto, é tudo a mesma coisa. Presidentes são pessoas de carne e osso e precisam de descanso, e telefones existem justamente para permitir a comunicação rápida e eficiente entre pessoas distantes _ no governo, telefones também existem para ser grampeados e derrubar ministros, mas isso já é uma outra história. Mas nem por isso deixa de ser espantoso que Fernando Henrique, em meio à crise mais séria já enfrentada pelo real, tenha tido cabeça para passear de bugre, puxar uma soneca na rede depois do almoço ou, mais prosaicamente, tirar um bicho-do-pé na escada da varanda. Mais espantoso ainda é que ele não tenha percebido que presidentes são símbolos e, por isso, não podem arredar o pé da ponte de comando no meio das borrascas. Pouco importa que o imediato seja competente e os radares da embarcação moderníssimos. Quando os elementos estão em fúria, tripulantes e passageiros querem ver o comandante em seu posto, velando e lutando por todos. Mas, afinal, por que Fernando Henrique está tão cansado assim? Certamente não é por excesso de trabalho. Nos últimos meses, nada fez que consumisse suas forças. De um modo geral, assistiu passivamente ao agravamento da situação. Em novembro, por exemplo, não reagiu como devia à fritura de Mendonça de Barros e André Lara Resende. É verdade que lamentou profundamente a perda dos colaboradores, mas, embora convencido da inocência de ambos, não arriscou a pele para salvá-los. Ao contrário, continuou tratando a pão-de-ló muitos dos que os fizeram andar na prancha. Paradão na política Esperava-se que, em dezembro, o presidente retomasse a iniciativa, mas ele continuou abúlico. A confiança no ajuste fiscal ficou seriamente abalada com a derrota da proposta da contribuição previdenciária do funcionalismo, mas FH não viu motivo para chamar às falas os caciques governistas. Ao contrário, premiou-os com mais cargos no ministério, tão ou mais chinfrim que a anterior. O presidente alegou que fizera concessões para garantir o ajuste fiscal, mas as votações no Congresso seguiram a passo de tartaruga. Paradão na economia Na equipe econômica, também já eram fortíssimas as tensões entre os colaboradores do presidenteu - uns aferrados à rigidez cambial, outros, logo majoritários, convencidos de que a camisa-de-força cambial havia conduzido o país a um beco sem saída. O presidente, porém, demorou a bater o martelo a favor da mudança de política. Queria reunir condições sempre mais favoráveis. Como nossa situação era periclitante e o tempo jogava contra o país, quando a decisão foi tomada, já era tarde demais. Deu no que deu. Época, 16/01/1999

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