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08.Um palpite infeliz, uma proposta golpista

Um palpite infeliz, uma proposta golpista


28.01.1999



O ex-prefeito de Porto Alegre Tarso Genro, em artigo publicado na última segunda-feira na Folha de São Paulo, intitulado "Por novas eleições presidenciais", disse que a crise de governabilidade aberta com a desvalorização do real só poderá ser sanada com a convocação de eleições presidenciais para outubro deste ano. Tarso espera que Fernando Henrique tenha a grandeza de enviar ao Congresso proposta de emenda constitucional nesse sentido. Em entrevista, no dia seguinte, o ex-prefeito foi mais longe: se tivesse o segundo mandato abreviado pelo parlamento, o presidente estaria apenas provando de seu próprio remédio, pois dele partiu a iniciativa da emenda da reeleição, também aprovada pelo Congresso. Rebatendo as críticas de que sua proposta teria caráter golpista, Tarso foi curto e grosso: só os néscios poderiam interpretá-la assim. No entanto, por mais que isso irrite o ex-prefeito, sua tese não pode ser classificada senão como golpista. Ela simplesmente propõe que se desconheça o mandato presidencial que emana do voto popular dado em 4 de outubro, substituindo-o por outro, mais curto, devendo a amputação ser feita por 513 deputados e 81 senadores que não foram eleitos com essa atribuição. Suponhamos que fosse ao contrário: que o governo, valendo-se de sua maioria no parlamento, decidisse esticar o tempo de permanência de Fernando Henrique no Palácio do Planalto até o ano 2004, por exemplo. Não seria um caso típico de golpe contra as instituições democráticas? É claro que sim. Talvez o ex-prefeito ache que não há diferença entre encurtar o mandato de um presidente eleito e aprovar uma emenda que permite a sua reeleição. Se esse é efetivamente o seu pensamento, está equivocado. E por uma razão muito simples: o Congresso não aprovou uma emenda constitucional que prorrogou o mandato de Fernando Henrique por mais quatro anos. Simplesmente permitiu que ele se candidatasse a um novo mandato. Se ele foi eleito para um novo quatriênio, é porque o eleitorado, certo ou errado, julgou que isso era o melhor para o país. É bom lembrar que Fernando Henrique poderia ter sido derrotado, como, aliás, ocorreu com vários governadores, como o tucano Eduardo Azeredo (MG), o pemedebista Antônio Britto (RS) e o petista Cristovam Buarque (DF). Pode-se alegar que muitos daqueles que votaram em Fernando Henrique em 4 de outubro não fariam o mesmo, novamente, hoje. É possível. Mas e daí? Quem é capaz de medir com precisão o tamanho e a intensidade da decepção popular com o presidente? Ninguém. A controvérsia em torno de questões como essa sempre fará parte da luta política. É um perigo dar a alguém o poder de desqualificar o resultado de uma eleição. Suponhamos que Lula fosse eleito e seis meses enfrentasse uma onda de impopularidade. Deveria se submeter a uma nova eleição para confirmar o seu mandato, por causa disso? Claro que não. É evidente que a desvalorização do real abriu um período político novo, no qual o governo Fernando Henrique experimentará um enorme enfraquecimento. Dependendo do desenrolar da situação, poderemos viver uma grave crise de governabilidade, pois uma boa parte da sociedade tende a se sentir vítima de um estelionato eleitoral, semelhante àquele que se deu em 1986, durante o governo Sarney. Afinal, Fernando Henrique foi reeleito apresentando-se ao país como o único candidato capaz de manter a estabilidade e o poder de compra da moeda, por um lado, e promover a retomada do desenvolvimento econômico, por outro. Durante a campanha, ele e seus aliados satanizaram Lula e, numa menor escala, Ciro Gomes. Alardearam que, no caso de uma vitória do petista, os dólares fugiriam do país, o real iria para o vinagre, a inflação bateria novamente às nossas portas e o Brasil teria de adiar por muito tempo o sonho da retomada do desenvolvimento econômico. Esses argumentos sensibilizaram a maioria do eleitorado, embora houvesse muita gente insatisfeita com FH. Mas o medo de uma capotagem na economia falou mais alto. Agora, no primeiro mês do segundo mandato de Fernando Henrique, o enviado de Deus, assistimos a tudo aquilo que se dizia que aconteceria se Lula, a encarnação de Satã, chegasse ao Palácio do Planalto: fuga de divisas, pânico entre os investidores, desvalorização do real, perda de poder de compra da moeda, incerteza econômica, recessão e aumento do desemprego. Nessas condições, o prestígio de Fernando Henrique tende a se desvalorizar junto com o real, enquanto a oposição, emparedada nos últimos anos, conquistará novos auditórios e passará a ser ouvida com mais atenção e respeito por todo o país. De lambuja, estalarão divergências insuspeitadas dentro da coalizão governista, que deixará para trás a fase da ordem unida e experimentará o tempero da casa da Mãe Joana. Se a oposição for competente, concentrando suas críticas nos erros da política econômica do governo e dando perspectiva política ao descontentamento da sociedade, não só poderá impor correções de rumos necessárias e benéficas para o povo, como criará as condições para arrancar uma grande vitória nas eleições municipais do ano que vem, com a conquista da maioria das prefeituras das capitais e grandes cidades. É evidente que, se o PT e seus aliados vencerem o pleito nos grandes centros urbanos, o quadro para as eleições presidenciais de 2002 passará por uma grande reviravolta. Esse é o caminho democrático para resolver a crise de governabilidade que pode se abrir no país com o enfraquecimento de FH. Não quebra as regras do jogo, não desconhece a vontade do eleitorado nas urnas e não amputa nem estica o mandato de ninguém. PS: Ontem, o presidente de honra do PT, Luís Inácio Lula da Silva, fez o que devia fazer: descartou sumariamente a proposta de Tarso Genro. "Não acho que a solução para o problema do Brasil seja antecipar o processo eleitoral. Fernando Henrique tem 26 dias de mandato e muito para fazer, embora não tenha feito nada até agora", disse Lula. Jornal de Brasília, 28/01/1999

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