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05.O governo sai da UTI e vai trocar de médico

O governo sai da UTI e vai trocar de médico


15.05.1999



Continuam a se multiplicar os sinais de que a economia está saindo do fundo do poço. Graças ao excepcional desempenho da agricultura, houve ligeiro crescimento do PIB no primeiro trimestre deste ano. Na indústria paulista, a intensidade da queda do nível de emprego diminuiu no último mês, embora o problema permaneça gravíssimo. A situação fiscal está melhor do que se esperava: o superavit primário dos primeiros três meses do ano pode bater em R$ 7,5 bilhões, superando com folga a meta de R$ 6 bi acertada com o FMI. A entrada de recursos externos tem sido alta, e o dólar só não está abaixo de R$ 1,65 porque o Banco Central vem segurando a cotação nesse piso. As taxas de juros estão caindo e há expectativas de que caiam ainda mais nas próximas semanas e meses. Tudo somado, está melhor do que a encomenda. No plano político, porém, a situação segue se deteriorando. Os índices de desaprovação do governo vem batendo com folga os de aprovação, numa proporção de três a um, o que, em política, é goleada humilhante, daquelas de derrubar técnico e levar a torcida a queimar a camisa do clube. Onde está a imagem de competência que Fernando Henrique exibia no seu primeiro mandato? Afundou no mar revolto da tardia e desastrada desvalorização do real. Onde foi parar a aura de comportamento reto que emoldurava o governo? Sumiu com as revelações da promiscuidade existente entre autoridades públicas e banca privada - às custas do seu, do meu e do nosso - e com as notícias da farra dos jatinhos transportando ministros em férias para Fernando de Noronha. Peanuts, dirá, nesse último caso, o presidente, que gosta da expressão em inglês. Sim, amendoins, mas bons o bastante, aos olhos da opinião pública, para fazer paçoca da idéia de que esse governo é diferente dos outros. Faz pose de chique, mas adora uma mordomia. Também está definitivamente abalada a lenda, herdada dos tempos do lançamento do Plano Real, de que Fernando Henrique era um bravo: fazia o que tinha de ser feito, doesse a quem doesse. Ela foi corroída ao longo do primeiro mandato, deixando em seu lugar a sensação de FH faz apenas o que os demais políticos deixam ele fazer. Certa ou errada, cresceu na sociedade a convicção de que o presidente come na mão do senador Antônio Carlos Magalhães. Com a instalação da CPI dos bancos, essa convicção ganhou nuances. Teria ocorrido uma flexibilização no monopólio: o presidente passou a comer também na mão do senador Jáder Barbalho, presidente do PMDB. Resta saber se os custos serão reduzidos e os serviços melhorarão com a concorrência. A síndrome da Telefonica - sem acento circunflexo, olé! - sugere que não. Exaustão política O governo está exausto politicamente. Não existe a menor possibilidade de que ele, na sua conformação atual, possa perdurar, já não digo por três anos e meio, mas por três meses e meio. Queira ou não o presidente, uma reforma ministerial profunda, que dê novos rumos ao governo, é inevitável e urgente. E as boas notícias que chegam da economia não afastarão a necessidade dessa mudança. Ao contrário, irão torná-la mais premente ainda. Não haverá recuperação econômica consistente num clima de exaustão política crônica. Perder o bonde O doente está saindo da UTI. Tão logo recupere minimamente as forças, deixará o leito e enfrentará a vida. Mas, como poderá atravessar com confiança o período crítico da convalescença se estiver aos cuidados da mesma equipe médica que quase o matou e em cuja ciência não confia mais? Como poderá o país apostar na produção e no trabalho, se não tiver a certeza de que não será surpreendido em breve por Brasília, com uma nova temporada de rapapés para o mundo das finanças? Ou FH muda o governo, ou o país o perde o bonde. Época, 15/05/1999

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