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03.Nada como uma crise depois da outra

Nada como uma crise depois da outra


20.06.1999



Dei-me à pachorra de contar o número de crises que sacudiram, nos últimos meses, o governo e a base governista. Foram nada menos de 18 crises em sete meses. Os abalos começaram pouco tempo depois do segundo turno das eleições do ano passado. Vamos a eles: 1) No fim do ano, primeiras revelações do grampo no BNDES, que produziram a queda do ministro das Comunicações, Mendonça de Barros, e do presidente do banco, André Lara Resende. A base governista divide-se. Os tucanos defendem Mendonção, mas o PFL e o PMDB ajudam a abater aquele que estava marcado para ser o poderoso ministro da Produção; 2) Quase simultaneamente a sociedade toma conhecimento do dossiê Caymann, que logo se revela fajuto, sobre supostos depósitos feitos naquele paraíso fiscal pelos mais importantes nomes do tucanato, inclusive o presidente da República. O ex-prefeito Paulo Maluf e o ex-presidente Fernando Collor mexeram seus pauzinhos nos bastidores para promover a divulgação do papelório produzido em máquinas xerox; 3) O governo sofre humilhante derrota na Câmara dos Deputados, ao tentar empurrar goela abaixo dos deputados a cobrança da contribuição previdenciária dos inativos. O revés deixa claro que as dificuldades políticas para combater o déficit fiscal eram muito maiores do que se supunha; 4) Agudas disputas na base governista por causa da reforma ministerial. Fernando Henrique abre mão de seu projeto de organizar um Ministério da Produção forte e nomeia um primeiro escalão muito aquém das expectativas da sociedade. No dia da posse, faz um discurso pífio. Em compensação, Antônio Carlos Magalhães faz um discurso veemente. O contraste é evidente; 5) Mal começa janeiro, Itamar Franco tromba com a equipe econômica e decreta a moratória de Minas Gerais. A decisão repercute imediatamente nos mercados financeiros e precipita um devastador ataque especulativo contra o real. Começa a fuga de capitais; 6) O governo anuncia o fim do câmbio fixo e a saída de Gustavo Franco do Banco Central. Para o seu lugar, é nomeado Francisco Lopes, que implanta a banda endógena, que duraria poucos dias. Pânico no país e novos ataques contra o real, diante de um BC inerme. Trombada entre Lopes e o ministro da Fazenda, Pedro Malan. 7) Morte inglória da banda endógena e defenestração sumária de Lopes. Adoção do câmbio flutuante. O real despenca, o dólar vai a lua. Logo chegaria à cotação de R$ 2,15. O país mergulha na incerteza econômica e é aprovado a toque de caixa um novo pacote fiscal. Nomeação de Armínio Fraga, assessor do megainvestidor Gerge Soros, para o BC. Acordo com o FMI. 8) Os governadores de oposição enfrentam a equipe econômica e o governo central e conseguem adesões e simpatias entre os chefes dos executivos estaduais eleitos pelos partidos que dão sustentação a Fernando Henrique. Brasília é obrigada a fazer concessões. 9) Primeira grande trombada de ACM com o Judiciário. O presidente do Senado decidie instalar uma CPI para investigar irregularidades no Poder Judiciário. Faz sua aparição no cenário da grande política o novo presidente do PMDB, Jáder Barbalho. Dá um nó em ACM: seu partido só apoiaria a CPI proposta elo presidente do Senado se o PFL apoiar uma CPI para investigar o Banco Central. As duas CPI são instaladas sem que o Planalto mexa uma palha para evitá-las. Fernando Henrique está paralisado; o PSDB, perplexo; as oposições, atônitas. 10) Estoura o caso da ajuda do BC aos bancos Marka e FonteCindam. Surge o bilhete do banqueiro Salvatore Cacciola pedindo socorro a Francisco Lopes. Descobre-se que o ex-presidente do BC tem mais de um milhão de dólares numa conta bancária no exterior, aberta por um de seus sócios. Chico Lopes é convocado pela CPI, recusa-se a depor e é preso. O presidente Fernando Henrique continua paralisado. 11) O PFL faz sua convenção nacional e lança ACM para 2002. Na semana seguinte, o PSDB responde com grandes homenagens ao governador de São Paulo, Mário Covas. Na prática, mal começa o segundo mandato de FH, é dada a largada para a corrida presidencial, que só se realizará dentro de três anos. O ex-ministro Mendonça de Barros é eleito vice-presidente do PSDB. Reacende-se a polêmica entre "desenvolvimentistas" e "monetaristas", abortado no fim de 1998 pela divulgação das fitas obtidas através do grampo do BNDES; 12) Nova fornada de fitas do BNDES. Num dos trechos, André Lara Resende pede a FH que use seu poder para que o Banco do Brasil mantenha compromissos assumidos com um dos consórcios. O presidente atalha: "Sem dúvida". A oposição acusa o presidente de interferir no leilão, pede a instalação de uma CPI e fala em impeachment. A base governista, atuando unida pela primeira vez em meses, derrota a oposição. O presidente custa muito a falar para a sociedade. 13) Outra denúncia atinge o governo: vários ministros, a começar pelo chefe da Casa Civil, Clóvis Carvalho, são acusados de usar aviões da FAB em viagens de férias para Fernando de Noronha. Alguns deles decidem ressarcir a FAB pelas despesas; outros, recusam-se a fazê-lo; 14) Os ministros da Saúde, José Serra, e da Previdência, Waldeck Ornellas, brigam publicamente. O tucano acusa o pefelista de sadismo por ter cortado a isenção previdenciária de alguns hospitais conveniados com o Sistema Único de Saúde. Waldeck responde dizendo que Serra é egocêntrico e desagregador. ACM sai em socorro de Waldeck, Covas dá mão forte a Serra. O presidente só intervém depois que o leite está derramado; 15) O ministro da Justiça, Renan Calheiros, irritado com o veto do chefe da Casa Militar, general Alberto Cardoso, ao delegado que indicara para a direção-geral da Polícia Federal, expõe publicamente suas divergências com o militar. Deixa vazar que a Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, subordinada a Cardoso, estaria na raiz do grampo do BNDES. O PMDB sai em defesa de Renan, enquanto o Exército solta nota respaldando o general. Jáder Barbalho desafia publicamente FH, dizendo que a nomeação do diretor-geral da PF é prerrogativa do ministro da Justiça; o líder do PMDB na Câmara, Geddel Vieira Lima, vai mais longe: afirma que o presidente não cometeria a "sandice" de nomear alguém para o cargo sem consultar o partido. FH reage e paga para ver. Nomeia para a PF o delegado João Batista Campelo, um dos indicados pelo general Cardoso. O PMDB se curva, mas Renan insiste em deixar o ministério. É contido pelos seus companheiros, mas fica no cargo emburrado. De lá para cá, não perde uma oportunidade para mostrar seu desagrado com a situação. Fernando Henrique, apesar de irritado, engole o sapo; 16) ACM critica Temer porque este estaria trabalhando contra o parecer do relator da reforma do Judiciário, deputado Aloísio Nunes Ferreira. Dá a entender que Temer, como advogado, defende interesses corporativos. O presidente da Câmara diz que ACM é um curioso em matéria jurídica e diz que ele deveria esperar o projeto chegar no Senado para se pronunciar. Estoura uma briga feiísima entre os presidentes das duas casas do Congresso, com insinuações recíprocas de desonestidade. FH assiste de camarote; 17) O ex-padre José Antônio Monteiro acusa o delegado Campelo de tê-lo torturado em 1970, quando chefiava a PF do Maranhão. Campelo nega, mas, em pouco tempo, fica claro que Monteiro fora efetivamente torturado e que o delegado, direta ou indiretamente, fora responsável pelos suplícios inflingidos ao então religioso. Os partidos oposicionistas pedem a cabeça de Campelo e os governistas lavam as mãos. Fernando Henrique fica paralisado e demora uma eternidade para reagir. Reabre-se assim a crise da PF; 18) Irritado com decisão do ministro Sepúlveda Pertence, do STF, que concedeu liminar contra a decisão da CPI dos bancos que quebrou o sigilo bancário, fiscal e telefônico de Francisco Lopes, ACM acusa o Supremo de cometer um crime. O presidente do STF, Carlos Veloso, responde ao presidente do Senado, dizendo que divergências jurídicas não se resolvem com injúrias. ACM responde, Veloso retruca, ACM devolve, Veloso reage, num ciclo de notas e declarações que parece não ter fim. Em suma, são 18 crises em sete meses. Até 20 dias atrás, a média era de uma crise nova a cada quinzena. Agora, o ritmo intensificou-se: a cada semana, temos uma ou duas crises novas. É impressionante. Registre-se que os três últimos conflitos da lista (a briga de ACM com Temer, o balança mas não cai de Campelo e a crise entre o Senado) ainda estão em pleno desenvolvimento. Nunca se viu nada igual. Jornal de Brasília, 20/06/1999

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