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Nem mulas, nem fábricas (1761 e 1785)


1761/1785



Extinção e abolição de todas as fábricas do Brasil. Alvará da Rainha D. Maria (5 out. 1785) “Eu a Rainha faço saber aos que estes Alvará virem: que sendo-me presente o grande número de fábricas, e manufaturas, que de alguns anos a esta parte se tem difundido em diferentes Capitanias do Brasil, com grave prejuízo da cultura, e da lavoura, e da exploração das terras minerais daquele vasto continente; porque havendo nele uma grande, e conhecida falta de população, é evidente, que quanto mais se mutiplicar o número dos fabricantes, mais diminuirá o dos cultivadores; e menos braços háverá, que se possam empregar no descubrimento e rompimento de uma grande parte daqueles extensos domínios, que ainda se acha inculta, e desconhecida: nem as sesmarias, que formam outra considerável parte dos mesmos domínios, poderão prosperar, nem florecer por falta do beneficio da cultura, não obstante ser esta a essencialíssima condição, com que foram dadas aos proprietários delas; e até nas mesmas terras minerais ficará cessando de todo, como já tem consideravelmente diminuído a extração do ouro, e diamantes, tudo procedido da falta de braços, que devendo empregar-se nestes úteis, e vantajosos trabalhos, ao contrário os deixam, e abandonam, ocupando-se em outros totalmente diferentes, como são os das referidas fábricas, e manufaturas; e consistindo a verdadeira, e sólida riqueza nos frutos, e produções da terra, as quais somente se conseguem por meio de colonos, e cultivadores e não de artistas, e fabricantes; e sendo além disto as produções do Brasil as que fazem todo o fundo, e base, não só das permutações mercantis, mas da navegação, e do comércio entre os meus leais vassalos habitantes destes reinos, e daqueles domínios, que devo animar, e sustentar em comum benefício de uns e outros, removendo na sua origem os obstáculos, que lhe são prejudiciais, e nocivos. Em consideração de tudo o referido: hei por bem ordenar, que todas as fábricas, manufaturas, ou teares de galões, de tecidos, ou de bordados de ouro, e prata; de veludos, brilhantes, setins, tafetás, ou de outra qualquer qualidade de seda; de belbutes, chitas, bombazinas, fustões, ou de outra qualquer qualidade de fazenda de algodão, ou de linho, branca ou de cores; e de panos, baetas, droguetes, saetas, ou de outra qualquer qualidade de tecidos de lã, ou os ditos tecidos sejam fabricados de um só dos referidos gêneros, ou misturados, e tecidos uns com os outros: excetuando tão-somente aqueles dos ditos teares, e manufaturas, em que se tecem, ou manufaturam fazendas grossas de algodão, que servem para o uso, e vestuário dos negros, para enfardar, e empacotar fazendas, e para outros ministérios semelhantes; todas as mais sejam extintas, e abolidas em qualquer parte onde se acharem nos meus domínios do Brasil, debaixo de pena do perdimento, em tresdobro, do valor de cada uma das ditas manufaturas, ou teares, das fazendas, que nelas, ou neles houver, e que se acharem existentes, dois meses depois da publicação deste; repartindo-se a dita condenação metade a favor do denunciante, se o houver, e a outra metade pelos oficiais, que fizerem a diligência; e não havendo denunciante, tudo pertencerá aos mesmos oficiais. Pelo que: Mando ao Presidente, e Conselheiros do Conselho Ultramarino; Presidente do meu Real Erário; Vice-Rei do Estado do Brasil; Governadores, e Capitães Generais, e mais Governadores, e Oficiais Militares do mesmo Estado; Ministros das Relações do Rio de Janeiro, e Bahia; Ouvidores, Provedores, e outros ministros; Oficiais de Justiça, e Fazenda, e mais Pessoas do referido Estado, cumpram, e guardem, e façam inteiramente cumprir, e guardar este meu Alvará como nele se contém, sem embargo de quaisquer leis; ou disposições em contrário, as quais hei por derrogadas para este efeito somente, ficando aliás sempre em seu vigor. Dado no Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, em 5 de janeiro de 1785. - Com a assinatura da Rainha, e a do Ministro. Regist, a fol.59 do Livro dos Alvarás na Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha, e Domínios Ultramarinos, e impr. na Oficina de Antonio Rodrigues Galhardo.” Alvará de D. José I proibindo a criação de mulas no Brasil “Eu, el-rei, sendo-me presente que pelo costume de que de anos a esta parte se tem introduzido no continente do Estado do Brasil de fazerem os moradores dele os seus transportes em machos e em mulas deixando por isso de comprar os cavalos; de sorte que se vai extinguindo a criação deles; por não terem saída, em graves prejuízos para meu real serviço, e dos criadores, e do bem comum dos lavradores dos sertões da Bahia, de Pernambuco e do Piauí. E atendendo ao que por eles me foi representado sou servido ordenar que em nenhuma cidade, vila ou território se possa dar despacho por entrada ou saída a machos e mulas. E antes pelo contrário, todos e todas as que neles se introduzirem depois da publicação desta sejam irremissivelmente perdidos e mortos, pagando as pessoas em cujas mãos forem achados os sobreditos machos, ou mulas, a metade de seu valor para os que os descobrirem. Nas mesmas penas incorrerão as pessoas que de tais cavalgaduras se servirem, seja em transporte, ou em cavalaria, ou em carruagens, depois de ser passado um ano, que atualmente lhes concedo para consumo das que atualmente tiverem já, sendo matriculadas para se conhecerem. E para obviar as fraudes que se podem maquinar contra esta minha real determinação, ordeno que, depois de afixadas cópias desta em locais públicos da capital, das demais capitanias e demais povoações, que se faça um exato inventário de todos os machos e mulas que se acham nos distritos deste governo, com as declarações de idade e sinais para por eles serem confrontados os que mais aparecerem e se proceder na execução desta minha real ordem contra as transgressões desta pela prova que resultar das ditas confrontações. O que tudo se executará e se fará executar com precisão. Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, a 19 de junho de 1761.”

Cartas Chilenas (8ª carta) - Tomás Antônio Gonzaga. Vila Rica( 1786)


1786



As “Cartas Chilenas” são um poema satírico de Tomás Antônio Gonzaga, que viria a ser um dos cabeças da Inconfidência Mineira. São treze cartas em versos, que teriam sido escritas por um tal de Critilo a seu amigo Doroteu, nas quais se critica os desmandos do Fanfarrão Minésio, governador da capitania do Chile. Trata-se apenas de um recurso de Gonzaga para driblar a censura da administração colonial. O verdadeiro alvo das críticas é Luís da Cunha Meneses, governador de Minas Gerais de 1783 a 1788. A oitava carta, transcrita em seguida integralmente, conforme versão da Biblioteca Virtual da USP, denuncia que Meneses usava em benefício próprio o sistema de contratos - concessão que se fazia, trienalmente, a um particular para que ele efetuasse a cobrança dos impostos em nome da Coroa. Teoricamente, os contratos deveriam ser disputados em concorrências públicas, mas, como se vê, na Vila Rica do final do século XVIII, os governantes corruptos já conheciam os caminhos das pedras para driblar a lei, roubar os cofres públicos e encher as burras de dinheiro. Por algo, somos o que somos ... Preso em 1789, por participar da Inconfidência Mineira, Gonzaga foi condenado a dez anos de degredo em Moçambique, onde veio a falecer em 1809. Em que se trata da venda dos despachos e contratos Os grandes, Doroteu, da nossa Espanha Têm diversas herdades: uma delas Dão trigo, dão centeio e dão cevada, As outras têm cascatas e pomares, Com outras muitas peças, que só servem, Nos calmosos verões, de algum recreio. Assim os generais da nossa Chile Têm diversas fazendas: numas passam As horas de descanso, as outras geram Os milhos, os feijões e os úteis frutos Que podem sustentar as grandes casas. As quintas, Doroteu, que mais lhes rendem, Abertas nunca são do torto arado. Quer chova de contínuo, quer se gretem As terras, ao rigor do sol intenso, Sempre geram mais frutos do que as outras, No ano em que lhes corre, ao próprio, o tempo. Estas quintas, amigo, não produzem Em certas estações, produzem sempre, Que os nossos generais, tomando a foice, Vão fazer, nas searas, a colheita. Produzem, que inda é mais, sem que os bons chefes Se cansem com amanhos, nem, ainda, Com lançarem, nos sulcos, as sementes. Agora dirás tu, de assombro cheio: "Que ditosas campinas! Dessa sorte Só pintam os Elíseos os poetas." Amigo Doroteu, és pouco esperto; As fazendas que pinto não são dessas Que têm, para as culturas, largos campos E virgens matarias, cujos troncos Levantam, sobre as nuvens, grossos ramos. Não são, não são fazendas onde paste O lanudo carneiro e a gorda vaca, A vaca, que salpica as brandas ervas Com o leite encorpado, que lhe escorre Das lisas tetas, que no chão lhe arrastam. Não são, enfim, herdades, onde as louras Zunidoras abelhas de mil castas, Nos côncavos das árvores já velhas, Que bálsamos destilam, escondidas, Fabriquem rumas de gostosos favos. Estas quintas são quintas só no nome, Pois são os dois contratos, que utilizam Aos chefes, inda mais que ao próprio Estado. Cada triênio, pois, os nossos chefes Levantam duas quintas ou berdades, E, quando o lavrador da terra inculta Despende o seu dinheiro, no princípio, Fazendo levantar, de paus robustos, As casas de vivenda e, junto delas, Em volta de um terreiro, as vis senzalas, Os nossos generais, pelo contrário, Quando estas quintas fazem, logo embolsam Uma grande porção de louras barras. A primeira fazenda, que o bom chefe Ergueu nestas campinas, foi a grande Herdade, que arrendou ao seu Marquésio. As línguas depravadas espalharam Que, para o tal Marquésio entrar de posse, Largara ao grande chefe, só de luvas, Uns trinta mil cruzados; bagatela! Os mesmos maldizentes acrescentam Que o pançudo Robério fora aquele Que fez de corretor no tal contrato. Amigo Doroteu, eu tremo e fujo De encarregar minha alma. O bom Vergílio Talvez, talvez que aflito se revolva, No meio da fogueira devorante, Por dizer que adorara, ao pio Enéias, Uma casta rainha, cujos ossos Estavam no sepulcro, já mirrados, Havia coisa de trezentos anos. Eu não te afirmo, pois, que se fizesse A venda vergonhosa; só te afirmo Que o mundo assim o julga, e que esta fama Não deixa de firmar-se em bons indícios. As leis do nosso reino não consentem Que os chefes dêem contratos, contra os votos Dos retos deputados que organizam A Junta de Fazenda, e o nosso chefe Mandou arrematar, ao seu Marquésio, O contrato maior, sem ter um voto Que favorável fosse aos seus projetos. As mesmas santas leis jamais concedem Que possa arrematar-se algum contrato Ao rico lançador, se houver na praça Um só competidor de mais abono; E o nosso general mandou se desse O ramo ao lançador, que apenas tinha Uns vinte mil cruzados, em palavra, Deixando preterido outro sujeito De muito mais abono, e a quem devia Um grosso cabedal o régio erário. Mal acaba Marquésio o seu triênio, Outro novo triênio lhe arremata, Sem que um membro da Junta em tal convenha; E, tendo o tal Marquésio, no contrato, Perdido grandes somas, lhe dispensa Outras fianças dar à nova renda. Amigo Doroteu, o nosso chefe, Que procura tirar conveniência Dos pequenos negócios e despachos, Daria este contrato ao bom Marquésio, Este grande contrato, sem que houvesse, De paga equivalente, ajuste expresso? Amigo Doroteu, se não sou sábio, Não sou, também, tão néscio, que nem saiba Das premissas tirar as conseqüências. Agora dirás tu: "Se o patrimônio De Marquésio consiste, como afirmas, Em vinte mil cruzados, em palavra, Como, de luvas, deu ao chefe os trinta?" Amigo Doroteu, estou pilhado; A palavra, que sai da boca fora, É corno a calhoada, que se atira, Que já não tem remédio; paciência. Eu as ervas arranco, e, desde agora, Contigo falarei com mais cautela. Mas que vejo? Tu ris-te? Acaso pensas Que me tens apanhado na verdade? A mim nunca apanharam os capuchos, Quando, no raso assento, defendia Que a natureza não tolera o vácuo, Que os cheiros são ocultas entidades, Com outras mil questões da mesma classe. E tu, meu doce amigo, pretendias Convencer-me em matéria em que dar posso A todos, de partido a sota e o basto Desiste, Doroteu, do louco intento, Faze uma grande cruz na lisa testa, Dá figas ao demônio, que te atenta. Ora ouve a solução desse argumento: Bem que pingante seja quem remata Este grande contrato, mercadeja Com perto de um milhão; por isso todos lhe emprestam prontamente os seus dinheiros. Os chefes, Doroteu, que só procuram De barras entulhar as fortes burras, Desfrutam juntamente as mais fazendas, Que os seus antecessores levantaram. Nem deixam descansar as férteis terras Enquanto não as põem em sambambaias. Aqui agora tens, meus Silverino, O teu próprio lugar. Tu és honrado, E prezas, como eu prezo, a sã verdade; Por isso nos confessas que tu ganhas A graça deste chefe, porque envias, Pela mão de Matúsio, seu agente Em todos os trimestres, as mesadas. Eu sei, meu Silverino, que quem vive Na nossa infeliz Chile, não te impugna Tão notória verdade. Porém deve Correr estranhos climas esta história, E, como tu não vás, também, com ela, É justo que lhe ponha algumas provas. A sábia lei do reino quer e manda Que os nossos devedores não se prendam. Responde agora tu, por que motivo Concede o grande chefe que tu prendas A quantos miseráveis te deverem? Porque, meu Silverino? Porque largas, Porque mandas presentes, mais dinheiro. As mesmas leis do reino também vedam Que possa ser juiz a própria parte. Responde agora mais, por que princípio Consente o nosso chefe, que tu sejas O mesmo que encorrente a quem não paga? Porque, meu Silverino? Porque largas, Porque mandas presentes, mais dinheiro. Os sábios generais reprimir devem Do atrevido vassalo as insolências; Tu metes homens livres no teu tronco, Tu mandas castigá-los, como negros; Tu zombas da justiça, tu a prendes; Tu passas portais ordenando Que com certas pessoas não se entenda. Porque, por que razão o nosso chefe Consente que tu faças tanto insulto, Sendo um touro, que parte ao leve aceno? Porque, meu Silverino? Porque largas Porque mandas presentes, mais dinheiro. A lei do teu contrato não faculta Que possas aplicar aos teus negócios Os públicos dinheiros. Tu, com eles, Pagaste aos teus credores grandes somas! Ordena a sábia Junta, que dês logo Da tua comissão estreita conta; O chefe não assina a portaria, Não quer que se descubra a ladroeira, Porque te favorece, ainda à custa Dos régios interesses, quando finge Que os zela muito mais que as próprias rendas. Porque, meu Silverino? Porque largas, Porque mandas presentes, mais dinheiro. Apenas apareces... Mas não posso Só contigo gastar papel e tempo. Eu já te deixo em paz, roubando o mundo, E passo a relatar, ao caro amigo, Os estranhos sucessos que ainda faltam; Nem todos lhe direi, pois são imensos. Pretende, Doroteu, o nosso chefe Mostrar um grande zelo nas cobranças Do imenso cabedal que todo o povo, Aos cofres do monarca, está devendo. Envia bons soldados às comarcas, E manda-lhe que cobrem, ou que metam, A quantos não pagarem, nas cadeias. Não quero, Doroteu, lembrar-me agora Das leis do nosso augusto; estou cansado De confrontar os fatos deste chefe Com as disposições do são direito; Por isso pintarei, prezado amigo, Somente a confusão e a grã desordem Em que, a todos, nos pôs tão nova idéia. Entraram, nas comarcas, os soldados, E entraram a gemer os tristes povos. Uns tiram os brinquinhos das orelhas Das filhas e mulheres; outros vendem As escravas, já velhas, que os criaram, Por menos duas partes do seu preço. Aquele que não tem cativo, ou jóia, Satisfaz com papéis, e o soldadinho Estas dívidas cobra, mais violento Do que cobra a justiça uma parcela Que tem executivo aparelhado, Por sábia ordenação do nosso reino. Por mais que o devedor exclama e grita Que os créditos são falsos, ou que foram Há muitos anos pagos, o ministro Da severa cobrança a nada atende; Despeza estes embargos, bem que o triste Proteste de os provar incontinenti. Não se recebem só, prezado amigo, Os créditos alheios, para embolso Das dividas fiscais. O soldadinho Descobre um ramo, aqui, de bom comercio: Aquele que não quer propor demandas Promete-lhe a metade, ou mais, ainda, Das somas que lhe entrega, e ele as cobra Fingindo que as tomou em pagamento Das dividas do rei. Ainda passa A mais esta desordem: faz penhoras E manda arrematar, ao pé da igreja, As casas, os cativos, mais as roças. Agora, Fanfarrão, agora falo Contigo, e só contigo. Por que causa Ordenas que se faça uma cobrança Tão rápida e tão forte contra aqueles Que ao erário só devem tênues somas? Não tens contratadores, que ao rei devem, De mil cruzados centos e mais centos? Uma só quinta parte, que estes dessem, Não matava, do erário, o grande empenho? O pobre, porque é pobre, pague tudo, E o rico, porque é rico, vai pagando Sem soldados à porta, com sossego! Não era menos torpe, e mais prudente Que os devedores todos se igualassem? Que, sem haver respeito ao pobre ou rico, Metessem, no erário, um tanto certo, À proporção das somas que devessem? Indigno, indigno chefe! Tu não buscas O público interesse. Tu só queres Mostrar ao sábio augusto um falso zelo, Poupando, ao mesmo tempo, os devedores, Os grossos devedores, que repartem Contigo os cabedais, que são do reino. Talvez, meu Doroteu, talvez que entendas Que o nosso Fanfarrão estima e preza Os rendeiros que devem, por sistema: Só para ver se os ricos desta terra, A força de favores animados, Se esforçam a lançar nas régias rendas. Amigo Doroteu, o nosso chefe, Se faz alguma coisa, é só movido Da loucura, ou do sórdido interesse. Eu vou, prezado amigo, eu vou mostrar-te Esta santa verdade, com exemplos. Morre um contratador e se nomeia, Para tratar dos bens, um seu parente, Que Ribério se chama. Não te posso Explicar o fervor com que Ribério Demanda os devedores, vence e cobra Os cabedais dispersos desta herança. Estava quase extinto o que devia A fazenda do rei; então o chefe Lhe ordena satisfaça todo o resto, No peremptório termo que lhe assina. Exclama o bom Ribério que não pode, Pois todo o cabedal, que tem cobrado, Ou está, nas demandas, consumido, Ou tem entrado, já, no régio erário. E, para bem mostrar esta verdade, Suplica ao grande chefe, que lhe escolha Um reto magistrado, que lhe tome, Da sua comissão, estreita conta. Pois isto, Doroteu, não vale nada: Sem contas lhe tomarem, manda o chefe Que gema na cadeia, até que pague. Já viste uma insolência semelhante? Aos grandes devedores, não se assinam Os termos peremptórios para a paga, Nem vão para as cadeias, bem que comam A fazenda do rei e só Ribério, Sendo um procurador, que nada deve, Vai viver na prisão, por tempos largos? Amigo Doroteu, o nosso chefe Patrocina aos velhacos, que lhe mandam, Para que mais lhe mandem. Prende e vexa Aos justos, que entesouram suas barras, Para ver se, oprimidos, se resolvem A seguir os caminhos dos que largam. Remata-se um contrato a um sujeito, Que o pode bem pagar, por mais que perca Pretende um fiador deste contrato Ir tratar, no Peru, do seu comercio; Vai licença pedir ao grande chefe, E o chefe lha concede. Escuta agora; Ouvirás uma ação, a mais indigna De quantas, por marotos, se fizeram: Apenas o tal homem sai da terra, Se despede uma esquadra de soldados Que, mal com ele topa, lhe dá busca. As cargas se revolvem, nem lhe escapam As grosseiras cangalhas, que se quebram. Não acham contrabandos, porem, sempre, Lhe tomam os dinheiros, que ele leva. E o grande chefe ordena que se metam No régio erário todos, inda aqueles, Que são de vários donos. Dize, amigo, Já viste uma injustiça assim tão clara? Aos grossos devedores não se tomam Os seus próprios dinheiros, bem que tenham Comido os cabedais dos seus contratos E, ao simples fiador de um rematante, Que nada, ainda, deve, e que tem muito, Vão-se, à força, tomar os seus dinheiros, E os dinheiros, que é mais, de estranhas partes! Agora, Doroteu, não tens que digas, Hás de, enfim, confessar, que o nosso chefe Somente não oprime a quem lhe larga. Ora, ouve as circunstancias que inda acrescem E que inda afeiam mais o torpe caso: Espalham as más línguas, que Matúsio Pedira ao tal sujeito lhe comprasse, Uns finos guardanapos e toalhas; Que o fiador mesquinho lh’os trouxera E, vendo que Matúsio se esquecia, Lhe chegou a pedir, sem peio, a paga. Que o chefe, ressentido desta injúria, Lhe mandou dar a busca por vingança, E que até ao presente inda não consta Que o preço da encomenda se pagasse. Que mais pode fazer o seu lacaio? Isto não é mais feio, que despir-se A preciosa capa ao grande Jove E mandar-se tirar ao sábio filho, O famoso Esculápio, as barbas de ouro? Amigo Doroteu, se acaso vires, Na corte, algum fidalgo pobre e roto, Dize-lhe que procure este governo; Que, a não acreditar que há outra vida, Com fazer quatro mimos aos rendeiros, Há de à pátria voltar, casquilho e gordo.

Delator avisa autoridades. Começa a repressão em Vila Rica (1789)


11/04/1789



A carta de delação de Joaquim Silvério dos Reis ao governador de Minas Gerais, Visconde de Barbacena, datada de 11 de abril de 1789, alertando as autoridades coloniais para a existência de um movimento clandestino em Vila Rica, que pretendia proclamar a república libertar o Brasil de Portugal, detonou uma brutal repressão contra a Inconfidência Mineira. Quarenta dias depois, a conjuração estava controlada e seus principais líderes, presos. Seriam condenados por traição em 1792. Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, considerado o líder do movimento, foi enforcado e esquartejado. Outros acusados foram também condenados à morte, mas a pena, mais tarde, foi transformada em degredo perpétuo. Leia também os Autos da Devassa, documento oficial com o resultado das investigações e as sentenças atribuídas aos réus. Ilmo. e Exmo. Sr. Visconde de Barbacena Meu Senhor: Pela forçosa obrigação que tenho de ser leal vassalo a nossa Augusta Soberana, ainda apesar de se me tirar a vida, como logo se me protestou, na ocasião em que fui convidado para a sublevação que se intenta e prontamente passei a pôr na presença de V. Ex.ª o seguinte: Em o mês de fevereiro deste presente ano, vindo da revista do meu Regimento, encontrei no arraial da Laje o sargento-mor Luís Vaz de Toledo e falando-me em que se botavam abaixo os novos Regimentos, porque V. Ex.ª assim o havia dito, é verdade que eu me mostrei sentido e queixei-me de Sua Majestade que me tinha enganado, porque em nome da dita Senhora, se me havia dado uma patente de coronel chefe do meu Regimento, e com o qual me tinha desvelado, em o regular e fardar, e grande parte à minha custa, e que não podia levar a paciência ver reduzido a uma inação, todo o fruto do meu desvelo, sem que eu tivesse faltas do real serviço e juntando mais algumas palavras em desafogo de minha paixão. Foi Deus servido que isto acontecesse, para se conhecer a falsidade que se fulmina. No mesmo dia viemos a dormir à casa do capitão José Resende e, chamando-me a um quarto particular, de noite, o dito sargento-mor Luís Vaz, pensando que o meu ânimo estava disposto para seguir a nova conjuração, pelo sentimento das queixas que me tinha ouvido, passou o dito sargento-mor a participar-me, debaixo de todo o segredo, o seguinte: "Que o desembargador Tomás Antônio Gonzaga, primeiro cabeça da conjuração, havia acabado o lugar de Ouvidor dessa Comarca, e que nesse posto se achava há muitos meses nessa Vila, sem se recolher a seu lugar na Bahia, com o frívolo pretexto de um casamento, que tudo é idéia, porque já se achava fabricando leis para o novo regime da sublevação e que se tinha disposto da forma seguinte: procurou o dito Gonzaga o partido e união do coronel Inácio José de Alvarenga, e o padre José da Silva de Oliveira e outros mais, todos filhos da América, valendo-se, para reduzir outros, do alferes pago José da Silva Xavier, e que o dito Gonzaga havia disposto da forma seguinte: e que o dito coronel Alvarenga havia de mandar 200 homens, pés-rapados, da Campanha, paragem onde mora o dito coronel, e outros 200 o padre José da Silva, e que haviam de acompanhar a estes vários sujeitos que já passam de 60, dos principais destas Minas, e que estes pés-rapados haviam de vir armados de espingardas e foices, e que não haviam de vir juntos por não causar desconfiança, e que estivessem dispersas, porém perto da Vila Rica e prontos à primeira voz, e que a senha para o assalto que haviam ter cartas, dizendo - tal dia é o batizado, e que podiam ir seguros, porque o comandante da tropa paga, o tenente-coronel Francisco de Paula, estava pela parte do levante e mais alguns oficiais, ainda que o mesmo sargento-mor me disse que o dito Gonzaga e seus parciais estavam desgostosos pela frouxidão que encontravam no dito comandante que por essa causa se não tinha concluído o dito levante e que a primeira cabeça que se havia de cortar era a de V. Ex.ª e depois, pegando-lhe pelos cabelos, se havia de fazer uma fala ao povo cuja já estava escrita pelo dito Gonzaga e para sossegar o dito povo, se haviam levantar os tributos e que logo se passaria a cortar a cabeça ao Ouvidor dessa Vila, Pedro José de Araújo e ao escrivão da Junta, Carlos José da Silva e ao adjudante-de-ordens Antônio Xavier, porque estes haviam seguir o partido de V. Ex.ª e como o Intendente era amigo dele Gonzaga, haviam ver se o reduziam a segui-los, quando duvidasse também se lhe cortaria a cabeça. Para este intento me convidaram e se me pediu mandasse vir alguns barris de pólvora, e que outros já tinham mandado vir e que procuravam o meu partido por saberem que eu devia a Sua Majestade quantia avultada, e que esta logo me seria perdoada, e como eu tinha muitas fazendas e 200 e tantos escravos, me seguravam fazer um dos grandes; e dito sargento-mor me declarou várias entradas neste levante, e que se eu descobrisse, me haviam de tirar a vida como já tinham feito a certos sujeitos da Comarca de Sabará. Passados poucos dias, fui a Vila de São José, donde o vigário da mesma, Carlos Correa me fez certo quanto o dito sargento-mor me havia contado e, disse-me mais, que era tão certo que, estando ele dito, pronto para seguir para Portugal, para o que já havia feito demissão de sua igreja, e seu irmão, e que o dito Gonzaga embaraçara na jornada, fazendo-lhe certo que, com brevidade, cá o poderiam fazer feliz, e que por este motivo suspendera a viagem. Disse-me o dito vigário, que vira parte das novas leis, fabricadas pelo dito Gonzaga, e que tudo lhe agradava, menos a determinação de matarem V. Ex.ª e que ele dito vigário, dera o parecer ao dito Gonzaga que mandasse antes botá-lo do Paraibuna abaixo, e mais a senhora viscondessa e seus meninos, porque V. Ex.ª em nada era culpado e que se compadecia do desamparo em que ficava a dita senhora e seus filhos, com a falta de seu pai, ao que lhe respondeu o dito Gonzaga que era a primeira cabeça que se havia de cortar, porque o bem comum prevalece ao particular, e que os povos que estivessem neutrais, logo que vissem o seu general morto, se uniram ao seu partido. Fez-me certo este vigário que para esta conjuração trabalhava fortemente o dito alferes pago, Joaquim José Xavier, e que já naquela Comarca tinham unido ao seu partido um grande séquito, e que havia de partir para a capital do Rio de Janeiro, a dispor alguns sujeitos, pois o seu intento era também cortar a cabeça do senhor vice-rei e que já na dita cidade, tinham bastante parciais. Meu senhor, eu encontrei o dito alferes, em dias de março, em marcha para aquela cidade, e pelas palavras que me disse, me fez certo o seu intento que levava e consta-me, por alguns da parcialidade, que o dito alferes se acha trabalhando isto particularmente, e que a demora desta conspiração era enquanto não se publicava a Derrama; porém que, quando tardasse, sempre se faria. Ponho todos estes importantes particulares na presença de V. Ex.ª pela obrigação que tenho da fidelidade, não porque o meu instinto nem vontade sejam de ver a ruína de pessoa alguma, o que espero em Deus que com o bom discurso de V. Ex.ª há de acautelar tudo e dar as providências, sem perdição dos vassalos. O prêmio que peço tão-somente a V. Ex.ª é o rogar-lhe que, pelo amor de Deus, se não perca a ninguém. Meu senhor, mais algumas coisas tenho colhido e vou continuando na mesma diligência, o que tudo farei ver a V. Ex.ª, quando me determinar. O céu ajude e ampare a V. Ex.ª para o bom êxito de tudo: beija os pés de V. Ex.ª o mais humilde súdito. Joaquim Silvério dos Reis, Coronel da Cavalaria das Gerais, Borda do Campo, 11 de abril de 1789.

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