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Estável, com viés de Lula


23.08.2006



Coluna do IG A pesquisa do Datafolha, que já pegou sete dias e meio de exibição dos programas eleitorais e dos comerciais dos candidatos na TV, é uma ducha de água fria na oposição. Lula cresceu dois pontos, indo para 49% das intenções de voto. Geraldo Alckmin subiu um pontinho e foi para 25%. Heloísa Helena caiu de 12% para 11%. Se as eleições fossem hoje, o presidente seria reeleito com 56% dos votos válidos, contra 44% de todos seus adversários somados. Embora a opinião dos especialistas seja de que só no início da próxima será possível medir com exatidão o impacto inicial da propaganda na TV sobre o ânimo do eleitor, são cada vez mais fortes os sinais de que os efeitos do horário eleitoral não estão sendo aqueles que tucanos e pefelistas esperavam. Durante meses, o candidato do PSDB repetiu como um mantra a frase “a campanha só começa na televisão” para justificar seu desempenho sofrível. A expectativa era de que, na telinha, Alckmin (ou Geraldo, se o desejarem), se tornasse conhecido e crescesse na preferência do eleitor. Lula, em contrapartida, perderia pontos. Pois bem, a campanha na televisão começou e nada disso aconteceu. Ao contrário, o quadro manteve-se estável. Pior: o quadro manteve-se estável, mas com viés de Lula. Todos os números são positivos para o candidato do PT. Sua votação espontânea – para os especialistas, uma votação consolidada – subiu de 33% para 37%. Num eventual segundo turno contra Alckmin, sua vantagem passou a ser de 21 pontos (56% a 35%), contra 17 na pesquisa anterior; Caiu a rejeição de Lula e subiu a de Alckmin, com os dois praticamente empatados nesse quesito negativo. Por outro lado, o voto firme em Lula é cada vez maior: 80% dos que estão com ele dizem que não mudarão seu voto em hipótese alguma, contra 67% dos eleitores de Alckmin. A novidade mais importante do Datafolha, porém, é o forte crescimento da aprovação do governo. A percentagem dos que o consideram bom ou ótimo subiu de 45% para 52% em duas semanas, um sinal claro de que está dando resultado a estratégia do marqueteiro de Lula, João Santana, de usar o horário na TV para bombardear os eleitores com as realizações do governo nas mais diversas áreas, com o objetivo de organizar e firmar a idéia de que as coisas estão indo bem no país e não há por que mudar de rumo. A avaliação positiva do governo é um recorde – no auge da popularidade, Fernando Henrique atingiu 47%. Outro número que mostra o sucesso da estratégia de propaganda de Lula: a nota do presidente, em 14 dias, passou de 6,3 para 6,7. A primeira reação do comando da campanha de Alckmin foi a de minimizar os resultados do Datafolha, com a alegação de que as variações estão dentro da margem de erro. Para os leigos, o argumento pode funcionar. Para os especialistas e para os políticos, não. Eles sabem que “o conjunto da obra” da pesquisa é positivo para o petista e negativo para o tucano. Resultado: a panela de pressão da campanha de Alckmin apitará muito alto nos próximos dias. De um lado, a ala do PFL que leva a faca nos dentes, comandada por ACM e César Maia, terá mais argumentos para exigir que a chamada “linha propositiva” de campanha seja abandonada e se inicie imediatamente a temporada de ataques frontais a Lula. De outro lado, a turma do corpo mole, que apóia Alckmin no papel e flerta com Lula na prática, tende a perder todo pudor, partindo para um vira-casaca cada vez mais ostensivo. É bom ficar de olho no Nordeste, onde o tucano perde de 5 a 1 para o presidente, segundo o Datafolha, e de 6 a 1, de acordo com o Ibope: o desembarque do palanque de Alckmin pode adquirir proporções de um movimento de massas. Alckmin é um político paciente e determinado. Terá de apelar para todas as suas reservas de paciência e determinação nos próximos dias. A miséria humana de que é feita a política nos momentos de dificuldades dará as caras na sua campanha. A menos, é claro, que surjam boas notícias. Mas de onde elas podem surgir?

Reforma política (1): a crise está na lista aberta


22.08.2006



Coluna do IG Certa vez, numa rodinha de jornalistas que conversava com o deputado Ulysses Guimarães no plenário da Câmara, alguém comentou: "Dr. Ulysses, como essa Câmara de hoje é ruinzinha ...." Ao que ele respondeu: "Pois esperem a próxima. Não existe o menor o risco de melhorar". E, depois da frase de efeito, que arrancou risadas de todos, deixou clara seu desalento com a queda de qualidade e a perda de substância da nossa representação parlamentar. Já percebia que as mazelas do nosso sistema político estavam se avolumando e, se não fossem sanadas logo, o Congresso chegaria a uma situação insustentável no futuro. Pois bem, hoje o futuro chegou. Nesta terça-feira, o Conselho de Ética abre processos de cassação contra 67 deputados, ou seja, 13% dos integrantes da Câmara. O número é assustador e deixa claro que batemos no fundo do poço. Trata-se da pior legislatura da história da República, uma legislatura tão ruim que teve dois presidentes da Câmara envolvidos em escândalos. Um, Severino Cavalcanti, renunciou às pressas para não ser cassado. Outro, João Paulo Cunha, só escapou da cassação porque seus pares já tinham mandado às favas os escrúpulos. E o pior, como diria o dr. Ulysses, é que não existe o menor risco de melhorar. A menos, é claro, que o país imponha ao Congresso a realização de uma profunda reforma política e eleitoral já no primeiro semestre do ano que vem. Não basta fazer uma meia sola no sistema político, aprovando medidas, como a fidelidade partidária, que, embora positivas, driblam o cerne do problema: o voto proporcional em listas abertas. Nesse sistema, o eleitor não vota em partidos, mas em pessoas. Aparentemente, trata-se de um procedimento muito democrático, mas só aparentemente. Na prática, com o tempo, ele acaba exacerbando o individualismo parlamentar, que conduz ao vale-tudo e ao salve-se quem puder na representação política. Esse sistema foi adotado em muitos países do mundo, ao longo do século XX, e em quase todos eles foi abandonado porque, depois de algumas décadas de funcionamento, produziu os mesmos vícios que temos hoje no Brasil: o deputado dono do mandato, a falta de controle do eleitor sobre o parlamentar, o enfraquecimento e a fragmentação dos partidos, a dificuldade de formação de maiorias políticas e, de quebra, o aumento de brechas para o surgimento de esquemas mafiosos de financiamento de campanha. Aqui, estamos chegando à mesma constatação de outros países com atraso, mas estamos chegando: o voto proporcional com listas abertas não funciona. É muito bom para o político que quer se dar bem, muito ruim para a governabilidade e péssimo para a fiscalização do eleitor sobre o eleito. O problema é que nossos deputados, eleitos por esse sistema, resistem a trocá-lo por outro cujos cacoetes não dominam e no qual, imaginam, terão mais dificuldades para renovar seus mandatos. Por isso mesmo, a única possibilidade de mudança do sistema está na crise, pois ela mina sua capacidade de resistência à reforma e torna-o mais permeável às pressões externas da sociedade. É essa situação que estamos vivendo hoje. Se há algo positivo nos escândalos sucessivos é que eles permitiram ao país tomar consciência de que não dá mais para adiar a reforma política. Hoje ela está na ordem do dia. A dúvida é que alternativa adotar. Voto proporcional em listas fechadas? Voto distrital? Sistema misto? Em outras colunas abordaremos os prós e os contras de cada um desses sistemas e as dificuldades políticas, maiores ou mensores, para aprová-los.

O efeito pedra no lago já era



21.08.2006

Coluna do IG Ainda é cedo para fazer um balanço do impacto dos primeiros dias da propaganda eleitoral na TV sobre o ânimo do eleitor. Mas, a julgar pelas primeiras pesquisas, o quadro é de estabilidade. Lula segue numa posição muito confortável. Segundo o Ibope, tem 47% das intençoes de voto, contra 21% de Alckmin e 12% de Heloísa Helena. Se as eleições fossem hoje, Lula ganharia com folga no primeiro turno, com 57% dos votos válidos contra 43% de todos seus adversários,somados. A análise dos números mostra que a força de Lula vem do apoio maciço dos setores mais pobres da população. Na chamada classe E, que ganha até 1 salário mínimo por mês, o presidente colhe 59% das intenções de voto; na D, com renda de 1 a 2 SM, sua marca é de 52 pontos; na C, situada na faixa de 2 a 5 SM, de 44%; na B, de 5 a 10 SM, 38%; na A, acima de 10 SM, a única em que perde para Alckmin, o índice de Lula é de 24%, contra 39% do tucano. Registre-se que os segmentos C, D e E, somados, alcançam 85% do eleitorado. Na classe E, Lula vence Alckmin na proporção de 4 a 1; na D, de 3 a 1; na C, de 2 a 1. Esses números apontam para um nítido descolamento político entre os pobres e a classe média, o que é uma absoluta novidade no Brasil pós-ditadura militar. Durante os últimos 25 anos, pobres e remediados marcharam juntos eleitoralmente - a classe média na frente e os pobres atrás, é claro. Foi o período do chamado "efeito pedra no lago". Atirada a pedra, ou seja, ocorrido o fato político, produziam-se ondas concêntricas a partir dos formadores de opinião - leia-se, a classe média - que, depois de algum tempo, terminavam chegando as margens do lago, ou seja, à imensa maioria pobre da população. Prevalecia no país um comportamento político-eleitoral razoavelmente homogêneo, apesar das nuanças de ritmo e de discurso. Foi assim na luta pelas diretas, no apoio à Nova República, no impeachment de Collor, no suporte ao Plano Real e ao governo FH. Foi assim também na vitória de Lula em 2002. Entretanto, na última crise, a do mensalão, isso não se repetiu. Aliás, pensando bem, não se repetiu também no plebisicito sobre o desarmamento. Nesses dois episódios, ao contrário, as ondas provenientes do centro toparam com um dique, situado, grosso modo, nas proximidades da classe C. Não só não chegaram às margens do largo, como, bloqueadas, retornaram ao centro, afetando e confundindo os formadores de opinião tradicionais. Resumindo, a classe média típica, mais presente no Brasil próspero, foi para um lado; o povão, para o outro. Certo ou errado, o povão acha que melhorou de vida com Lula e não quer descer do bonde que, na sua opinião, está transportando-o para dias menos difíceis. O núcleo duro desse novo comportamento politico está na chamada classe C (entre 2 e 5 SM), que, na verdade, não é uma classe, mas uma confluência de diversos setores, que vão desde a classe operária dos setores de ponta da economia até a classe média tradicional empobrecida, passando pelos segmentos da população que até há pouco tempo estavam abaixo da linha pobreza e ingressaram recentemente no mercado e no mundo da cidadania. É o pessoal que se beneficia do ProUni, do computador de R$ 1.400 comprado a crédito, do micro-crédito etc. Trata-se de um fenômeno relativamente novo na praça, uma esfinge que desafia os especialistas em marketing eleitoral. Acostumados a décadas de "efeito da pedra no lago", eles têm agora que se adaptar a uma nova situação, onde as margens também têm algo a dizer para o centro, e a formação da opinião pública revela-se bem mais complexa e contraditória do que antes. Em outras colunas voltarei ao assunto, que não tem só a ver com a política. Tem implicações muito mais vastas. Afeta também o mercado, a imprensa, os negócios, o mundo da cultura e do entretenimento O certo é que há algo novo no ar. Ou melhor, no lago.

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