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Reforma política (1): a crise está na lista aberta

Reforma política (1): a crise está na lista aberta


22.08.2006



Coluna do IG Certa vez, numa rodinha de jornalistas que conversava com o deputado Ulysses Guimarães no plenário da Câmara, alguém comentou: "Dr. Ulysses, como essa Câmara de hoje é ruinzinha ...." Ao que ele respondeu: "Pois esperem a próxima. Não existe o menor o risco de melhorar". E, depois da frase de efeito, que arrancou risadas de todos, deixou clara seu desalento com a queda de qualidade e a perda de substância da nossa representação parlamentar. Já percebia que as mazelas do nosso sistema político estavam se avolumando e, se não fossem sanadas logo, o Congresso chegaria a uma situação insustentável no futuro. Pois bem, hoje o futuro chegou. Nesta terça-feira, o Conselho de Ética abre processos de cassação contra 67 deputados, ou seja, 13% dos integrantes da Câmara. O número é assustador e deixa claro que batemos no fundo do poço. Trata-se da pior legislatura da história da República, uma legislatura tão ruim que teve dois presidentes da Câmara envolvidos em escândalos. Um, Severino Cavalcanti, renunciou às pressas para não ser cassado. Outro, João Paulo Cunha, só escapou da cassação porque seus pares já tinham mandado às favas os escrúpulos. E o pior, como diria o dr. Ulysses, é que não existe o menor risco de melhorar. A menos, é claro, que o país imponha ao Congresso a realização de uma profunda reforma política e eleitoral já no primeiro semestre do ano que vem. Não basta fazer uma meia sola no sistema político, aprovando medidas, como a fidelidade partidária, que, embora positivas, driblam o cerne do problema: o voto proporcional em listas abertas. Nesse sistema, o eleitor não vota em partidos, mas em pessoas. Aparentemente, trata-se de um procedimento muito democrático, mas só aparentemente. Na prática, com o tempo, ele acaba exacerbando o individualismo parlamentar, que conduz ao vale-tudo e ao salve-se quem puder na representação política. Esse sistema foi adotado em muitos países do mundo, ao longo do século XX, e em quase todos eles foi abandonado porque, depois de algumas décadas de funcionamento, produziu os mesmos vícios que temos hoje no Brasil: o deputado dono do mandato, a falta de controle do eleitor sobre o parlamentar, o enfraquecimento e a fragmentação dos partidos, a dificuldade de formação de maiorias políticas e, de quebra, o aumento de brechas para o surgimento de esquemas mafiosos de financiamento de campanha. Aqui, estamos chegando à mesma constatação de outros países com atraso, mas estamos chegando: o voto proporcional com listas abertas não funciona. É muito bom para o político que quer se dar bem, muito ruim para a governabilidade e péssimo para a fiscalização do eleitor sobre o eleito. O problema é que nossos deputados, eleitos por esse sistema, resistem a trocá-lo por outro cujos cacoetes não dominam e no qual, imaginam, terão mais dificuldades para renovar seus mandatos. Por isso mesmo, a única possibilidade de mudança do sistema está na crise, pois ela mina sua capacidade de resistência à reforma e torna-o mais permeável às pressões externas da sociedade. É essa situação que estamos vivendo hoje. Se há algo positivo nos escândalos sucessivos é que eles permitiram ao país tomar consciência de que não dá mais para adiar a reforma política. Hoje ela está na ordem do dia. A dúvida é que alternativa adotar. Voto proporcional em listas fechadas? Voto distrital? Sistema misto? Em outras colunas abordaremos os prós e os contras de cada um desses sistemas e as dificuldades políticas, maiores ou mensores, para aprová-los.

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