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Entrevista a "Carta Maior"


2006 (junho)



SÃO PAULO - Há trinta anos, não havia Franklin Martins. Existia Luís Antonio Tovar, sujeito que fazia de tudo para passar desapercebido por onde andasse. A tarefa era um tanto difícil, pois era duro disfarçar seus mais de 1,90 m de altura e um gesticular largo a sublinhar cada frase proferida. Como dirigente de uma organização clandestina, Tovar vivia em um bairro operário da zona norte de São Paulo. Os textos de sua autoria, editados em pequenas publicações clandestinas, como “Unidade Proletária” e Brasil Socialista”, destacavam-se por evitar o fraseado característico da esquerda. Tinham humor e estilo. No currículo do autor, havia uma curta passagem pela imprensa e um mergulho na militância revolucionária, após 1966. A dedicação levou-o a fundar uma dissidência do Partido Comunista Brasileiro – o MR 8 –, a ser um dos líderes da passeata dos 100 mil, em 1968, no Rio de Janeiro, e a participar do seqüestro do embaixador dos EUA, Charles Burke Elbrick, em 1969. Após um longo período de exílio e clandestinidade, Franklin Martins abandonou o nome frio, voltou à vida legal e iniciou uma destacada carreira na imprensa. Mesmo que quisesse, Franklin jamais conseguiria voltar a ser Tovar. Não haveria como disfarçar um dos rostos mais conhecidos do jornalismo brasileiro para os rigores de uma hipotética clandestinidade. Aos 57 anos, este capixaba criado no Rio de Janeiro enfrentou mais uma batalha. Acusado por Diogo Mainardi, colunista de “Veja”, de ter favorecido familiares junto ao governo, por conta de sua influência, Franklin Martins fez um desafio público ao acusador, pedindo provas de tais atos. Apesar de não ter obtido resposta, Franklin, ao mesmo tempo, não teve renovado seu contrato de comentarista político na Rede Globo. “Até hoje não conheço as razões de tal fato”, alega ele. Pouco antes de sua estréia no jornalismo da Rede Bandeirantes, Franklin Martins concedeu a seguinte entrevista à CARTA MAIOR. CM - Seu texto de estréia no jornalismo teve imensa repercussão. Foi o manifesto dos seqüestradores do embaixador norte-americano, em 1969. Hoje o senhor obtém repercussão nacional de outra maneira. Qual foi seu caminho de lá até aqui? FM – Eu comecei no jornalismo bem antes disso, aos 15 anos de idade. Trabalhei na "Última Hora", na "Manchete", na "Interpress". Quando entrei para a atividade política, eu já tinha uns dois ou três anos de jornalismo. Depois, com a militância, fui para a clandestinidade, exílio etc. Evidentemente me afastei dos jornais, revistas e televisão, mas continuei fazendo imprensa clandestina, jornais de resistência e revolucionários. Ou seja, continuei na imprensa. Quando veio a anistia, eu tentei retomar minhas atividades e fiz uma opção. A partir de 1982, decidi não ficar no gueto. Não quis trabalhar na imprensa alternativa, conversando e trocando figurinhas com meu grupinho, ou entrar para a universidade. Eu queria ir para a grande imprensa. Demorei muito. Só em 1985 fui para o "JB", após uma curta passagem por "O Globo". CM – O que quer dizer “disputar espaço na grande imprensa”? É espaço pessoal, político ou o quê? FM – Eu não acho que a grande imprensa seja uma instituição já estruturada, com princípio, meio e fim. Não. Há uma disputa diária entre os jornalistas pela percepção das coisas, sobre qual é a notícia, como deve ser dada, o que significa e como se interpreta. Evidentemente existe a linha editorial do dono. CM – O senhor não acha, como dizia Leonel Brizola, que a grande imprensa tornou-se um grande partido único? FM - Não, porque não existe espaço no Brasil para uma imprensa partidarizada. Somos uma sociedade extremamente complexa. A indústria de informação se transformou numa indústria pesada e cara. Para se manter, ela precisa atingir um público amplo e plural. Até os anos 1950-60, a cobertura era extremamente partidarizada. Pegue a eleição do Getúlio, por exemplo... CM – Sim, mas existia, de um lado, a "Última Hora" e, de outro, a "Tribuna da Imprensa". FM – É verdade, mas todos eram partidarizados. Acontece que eram jornais com tiragens entre 50 e 70 mil exemplares. Hoje, um jornal precisa tirar 200 mil para se manter num grande centro. Para alcançar essa tiragem, ele precisa atingir um público plural. "O Estado de S. Paulo", por exemplo, ou a "Folha", têm leitores petistas, peemedebistas, tucanos, pefelistas, malufistas, gente que não é de partido ou que não gosta de política. Tem de tudo. Se ficarem agredindo uma parte de seus leitores, perdem público. CM – O senhor não acha que em situações de tensão, como a crise do PT, ou durante o governo FHC, a mídia atuou em bloco? FM – O que acontece é o seguinte: a mídia impressa se dirige majoritariamente para a classe média. Se a classe média fechar com alguma coisa, a mídia tende a fechar, porque o público dela, plural, está fechado com isso. Os exemplos que você dá são momentos de aspiração nacional, como nas diretas. Na eleição de 1994, o grande erro do PT (e do Lula) foi não perceber a existência de uma aspiração nacional pelo fim da inflação e pela estabilidade econômica. Quando Fernando Henrique é indicado Ministro da Fazenda e lança o Plano Real, é eleito com o pé nas costas. O que acontece em 2002? O país queria voltar a crescer. A moeda fora estabilizada, mas o câmbio fixo estrangulava o crescimento. Quem trazia a mensagem de crescimento e investimento social era o Lula. Em outras palavras, quero dizer o seguinte: em 1994, Lula perde a eleição e o discurso. Em 1998, FHC se elege em cima do medo da classe média com a perda da estabilidade. Lula perde novamente nas urnas, mas ganha politicamente, pois 15 dias após a posse de FHC, o Real é desvalorizado. CM – Em 1989, a mídia, em sua maior parte, apostou em Collor de Mello, um aventureiro, na tentativa de evitar Lula... FM - Uma inflação de 85% ao mês é que abre espaço para todo tipo de aventureiro. Abriu para o Collor, assim como, no final dos anos 1920, abriu para o cabo Hitler. A base social de Collor era o desespero e a vontade de que alguém colocasse ordem na situação. CM – Qual sua avaliação sobre a cobertura da mídia no chamado “escândalo do mensalão”? FM – Foi boa no início do processo. Se não fosse a cobertura, não existiria Roberto Jefferson e todos os outros personagens. Até agosto, setembro, a cobertura foi boa. A partir desse ponto, a imprensa parou de investigar e passou a comer na mão dos deputados e senadores, afogando-se em denúncias e mais denúncias que não se sustentavam por mais de 48 horas cada uma. A mídia será julgada por essa cobertura. Ela teve muitos problemas. O primeiro foi tratar a questão como semelhante ao escândalo Collor-PC Farias. Não era. Foi uma cobertura extremamente difícil. A direção do PT cometeu erros e crimes nesse processo. Os crimes são claros: caixa 2 e compra de apoio no Congresso para a composição de maioria. Se não cometeu crime de corrupção, é porque não teve tempo, pois estava tudo armado. É como um avião na pista, com turbinas ligadas, taxiando na pista, pronto para decolar. Na última hora, não conseguiu. Os crimes cometidos não são novos na vida republicana. Qual o problema? É que o PT prometia uma renovação, um outro padrão de conduta política e acabou decepcionando seu próprio eleitorado. Não falo de todo o PT, mas de uma parte significativa. CM – E nisso, como a imprensa agiu? FM – Durante quatro ou cinco meses houve uma intensa campanha de desmoralização do PT; a oposição atacava e o partido não se defendia. A oposição acusava o PT de tudo e no plenário da Câmara tinha sempre dez deputados petistas chorando. Não havia resposta, não havia, por isso, “o outro lado da questão” na imprensa. A resposta foi ruim e o governo absteve-se de fazer luta política. CM – Nem mesmo na cobertura das CPIs havia contraponto? FM - Essas foram as primeiras CPIs cobertas em tempo real, sem mediação de jornalistas. Aí se viam coisas como o Duda Mendonça dizer, ao vivo para todo o país, que recebera dinheiro no exterior porque o PT assim exigira. Depois, só depois, se descobriu o óbvio: ele recebia assim havia muito, desde o tempo em que trabalhava para Paulo Maluf. E a oposição espetacularizava as acusações. Até setembro, outubro o clima era de absoluta perplexidade. Depois ficou evidente que a oposição não estava interessada em descobrir a verdade dos fatos, mas em propagar coisas como “estamos diante do maior escândalo de corrupção da história!” Não se conseguiu provar isso e nem a tese da corrupção sistêmica. Não existia no governo uma espécie de comitê central da corrupção, como havia no governo Collor. Cada um foi fazer sua jogada particular. As divisões internas ao governo impediram que vários negócios desse tipo prosperassem. Havia sim uma quadrilha, mas não o mensalão, entendido como pagamento regular a determinados parlamentares. Houve compra de apoio político de chefes partidários, através de doações clandestinas a gente como Valdemar da Costa Neto e José Janene, que ficaram com o dinheiro. Para onde foram esses recursos, eu não sei. Acredito que destinou-se à composição de maioria parlamentar, através de mudanças de partido. A CPI, por exemplo, não chamou os deputados que trocaram de partido, para esmiuçar a questão. Portanto, não se investigou a origem e o destino do dinheiro. CM – Além de “maior escândalo de corrupção”, havia a história de se Lula sabia ou não... FM – Olha, nesse caso, eu uso o exemplo do pai que pergunta para a mãe sobre a filha. A mãe responde: “Ela está com o namorado, trancada no quarto há horas e não quer sair”. O pai sabe exatamente o que se passa lá dentro? Não, mas pode supor. Com Lula aconteceu parecido... CM – Que órgãos o senhor avalia que fizeram a cobertura mais problemática? FM – A imprensa foi longe demais e ninguém foi mais do que a “Veja”. Publicaram coisas gravíssimas sem qualquer prova, como os casos dos dólares de Cuba ou das contas externas de membros do governo. Depois sentaram em cima do assunto, como se não fosse com eles. A “Veja” pagará o preço pela perda de credibilidade. Não entendo até agora porque a “Veja” faz isso com a “Veja”. Vai levar muito tempo para que ela recupere a credibilidade. Fizeram várias denúncias sem qualquer base, sem checar as informações. No fundo, houve muito daquela história de não querer levar furo. Isso foi pretexto para se publicar qualquer suspeita, perdendo-se quaisquer critérios de objetividade. Essas coisas não colam e a população percebe o erro. A imprensa não pode achar que pega o povo pelo nariz e o leva para lá e para cá. É preciso ouvir o outro lado e não tentar fazer parte da luta política. A mídia está sendo julgada pelos leitores. CM – Há 30 anos o senhor se chamava Luís Antonio Tovar, um dirigente comunista. Como Franklin Martins, hoje, se define politicamente? FM - Não sou mais comunista. Continuo sendo um cara de esquerda e acho que o mundo precisa ser mudado. O mercado não muda o mundo. O que muda é a participação das pessoas e a luta. O Brasil pode ser melhor e a ação política reformadora é vital para isso.

Prefácio do livro "Falando francamente"


01.06.2006



As memórias de Arnaldo Nogueira, reunidas pela família e pelos amigos, contam em boa medida a história dos tempos heróicos da televisão brasileira. Hoje os sinais de TV cruzam o mundo transmitindo informações e imagens em tempo real e as emissoras converteram-se em tremendas fortalezas tecnológicas, assentadas sobre bases computadorizadas. Mas houve um tempo – e não foi há muito tempo, passaram-se cerca de 50 anos – em que se fazia televisão apenas com a cara, a coragem e o talento. Não havia gravações, fitas, videoteipes, efeitos especiais. Os programas eram feitos ao vivo, sem cortes e sem edições, ao sabor dos acontecimentos e à mercê do imponderável. Arnaldo Nogueira pode falar de cadeira sobre esse tempos heróicos da TV brasileira. Afinal, ele viu-a nascer. Ou melhor, trouxe-a ao mundo. Literalmente: no dia 20 de janeiro de 1951, entrevistou – em francês, é claro – Maurice Chévalier, então um dos cantores mais famosos do mundo, no show de lançamento da TV Tupi do Rio, na então capital da República. Nas duas décadas seguintes, sua presença na telinha seria constante e marcante. De 1951 a 1961, comandou o programa semanal “Falando Francamente”, que marcou época e foi o primeiro “talk show” da TV brasileira. Entrevistou políticos, artistas, intelectuais, figuras da noite, religiosos, cientistas, desportistas, jornalistas e escritores, cantores e compositores, uma boa amostra do Brasil daqueles dourados mas nem tanto. Dessas conversas, participavam também os telespectadores, que podiam fazer perguntas ao vivo, por telefone, às personalidades sabatinadas. O formato do programa, como se vê, era dinâmico e ousado. Mas Arnaldo Nogueira não ficou por aí. Em 1953, mostrando que era um homem bem à frente de seu tempo, lançou “Senhora Opinião”, programa para o qual só convidava mulheres, que debatiam temas como divórcio, aborto, infidelidade conjugal, mães solteiras e discriminação sexual. Na sociedade carola e careta daquela época, pode-se imaginar o impacto que não teve esse clube do Bolinha às avessas. Comandando programas de grande audiência num país que despertava para a televisão – e se encantava com ela –, Arnaldo Nogueira adquiriu grande popularidade e logo foi empurrado para o mundo da política. Foi eleito vereador no Rio de Janeiro e, mais tarde, deputado federal. Embora pertencesse à União Democrática Nacional, que em 1964 apoiou o golpe militar, sempre militou na ala liberal da UDN, tomando distância da facção mais reacionária do partido. Exemplo disso é que, em julho de 1964, poucos meses depois da queda de João Goulart, num momento de plena caça às bruxas, foi o único parlamentar udenista a votar contra a prorrogação do mandato presidencial do general Castello Branco. Em 1968, repetiu a dose, votando contra a cassação do mandato do deputado Márcio Moreira Alves, exigida pelo regime militar e negada pela Câmara, episódio que serviu de pretexto para a edição do AI-5. Pouco depois, deixou o Congresso. Continuou a ser o que sempre foi: radialista, jornalista e homem de TV. Até pouco tempo atrás, foi diretor da sucursal do jornal “O Globo”, em Brasília, onde vive até hoje. Tenho um carinho especial pelo dr. Arnaldo, como ele é conhecido entre os jornalistas mais antigos de Brasília. Foi um grande amigo de meu paí, Mário Martins, como ele jornalista e parlamentar. Conto um caso sobre os dois à guisa de encerramento desse prefácio. Em 1966, meu pai, então candidato ao Senado pelo MDB, ao ser entrevistado pelo dr. Arnaldo na televisão, condenava com veemência a ditadura militar, quando foi provocado: - Mário, na ditadura de Vargas, você achava que podia ser preso de uma hora para outra e, por isso, andava sempre com uma escova de dentes no bolso. Mas hoje você anda? Você tem uma escova de dentes no bolso, para a eventualidade de ser preso? Meu pai, que, pelo visto era um homem previdente, ou então conhecia bem o amigo, a ponto de saber que ele podia surpreendê-lo com uma pegadinha ao vivo, limitou-se a sacar do bolso interno do paletó uma escova e dizer: - Claro, Arnaldo, olha ela aqui. Os dois deram boas gargalhadas, ao vivo diante das câmeras – e depois, longe delas. Muita gente achou que a pergunta e a resposta haviam sido sido combinadas. Não haviam. Nos tempos heróicos da TV, falava-se francamente, mas o acaso muitas vezes comandava o espetáculo. Brasília, junho de 2006

Bate-papo no sindicato dos jornalistas de Rio Grande do Sul


06.06.2006



Depois da palestra de encerramento do 32º Congresso Estadual dos Jornalistas, Franklin Martins ficou por mais de uma hora respondendo perguntas do público – mais de 200 participantes, na maioria estudantes. Além de política, ele falou de sua saída da Rede Globo, projetou seu trabalho na Band e comentou as desavenças com Diogo Mainardi, a quem está processando. Avaliou, ainda, a cobertura da crise política. Leia os principais momentos do diálogo com a platéia. Por que você saiu da Globo? Gostaria de saber... Trabalhei 8 anos e meio na Globo. Tive grandes desafios profissionais lá: fui o primeiro comentarista político do Jornal Nacional, talvez o último, tive liberdade, fiz um programa no GloboNews que se tornou o de maior audiência fora os telejornais, dirigi o jornalismo da Globo em Brasília, e participei da equipe que comandou a cobertura das eleições de 2002. Mas a relação começou a ficar desgastante com a crise política. No final de 2005, houve a decisão de cortar do Jornal Nacional o meu comentário, o do Jabor e o Chico Caruso. Depois, ocorreram pequenos episódios que nem vale a pena mencionar. Meu contrato vencia em maio de 2006. Em março eu ainda não havia sido procurado. Falei com a direção, disse que não sabia se valia renovar o contrato, já que a relação não era a mesma. E eles, “não, que é isso, Franklin, está tudo ótimo, vamos continuar”. E sugeriram que eu tirasse férias e na volta discutiríamos valores. Bom, no retorno me ligaram. “Franklin, dá um pulinho aqui no Rio”. Cheguei lá, me falaram de uma pesquisa qualitativa com o nome de todos apresentadores e comentaristas e disseram: “Olha, você não tem uma imagem muito forte com o público, por isso decidimos não renovar o seu contrato”. E eu, “ah, conta outra”. Primeiro eu saí do Jornal Nacional porque minha imagem era muito forte, temiam que a minha opinião fosse confundida com a da Rede Globo. Antes das férias diziam que minha posição era consolidada. O que mudou? O único fato novo foi meu quebra-pau com o Diogo Mainardi. E eles: “Pode ficar tranqüilo que nós não vamos divulgar essa pesquisa para o público, nós não vamos falar nada”. E eu: “Não, digam, pelo amor de Deus”... Mas eu não quero dar pau na Rede Globo, prefiro ficar com as coisas boas, que foram 98% das que aconteceram quando eu estive lá. Agora é olhar para frente e fazer meu trabalho na Band. Acho que lá posso fazer um bom trabalho, é uma emissora com tradição em jornalismo. Assim como a Rede Globo. O jornalista não deveria ter o direito de se despedir dos leitores na sua última coluna? Acho que sim, tem que dizer, senão, depois, o ouvinte fica perguntando o que ouve com esse cara?, ele morreu? No meu último comentário para a rádio CBN, eu falei normalmente, como se nada tivesse acontecido, mas louco de vontade de dizer que estava me despedindo, saindo para um novo desafio profissional. Mas a cultura não é essa, a prática é de não comunicar a saída. Quantas vezes você foi censurado na Rede Globo? Podem não acreditar, mas eu nunca fui censurado na Globo. Claro, eu sei onde piso. Pelo menos, achava que sabia... É diferente falar no Jornal Nacional, no Jornal da Globo e no GloboNews. Eu quero falar para todo mundo, quero que o telespectador me escute. Não posso desrespeitá-lo, deixar que ele se sinta agredido. Tenho que ter uma interlocução. Na TV, o ideal é pouca opinião e muita informação, análise. Pode ter uma opinião para dar um toque. Mas opinião o tempo todo é um porre. E a sua briga com o Diogo Mainardi? É desagradável ter que responder a calúnia [de que o irmão de Franklin Martins teria sido beneficiado por ele, ao ser indicado para um cargo público]. O Diogo Mainardi é um desclassificado... [palmas do público que assistia à palestra]. Agora, o problema não é o Mainardi, é a Veja. Por que a Veja está fazendo isso com a Veja? Eu não entendo. Nunca fiz tráfico de influência. Arranja um senador que diga que eu pedi para contratar meu irmão. Ele tem a vida profissional dele, é um técnico com experiência... Agora, por que o Diogo fala essas coisas? Ele difamou uns 20 ou 30 jornalistas. É vontade de aparecer. “Apareço dando pau nos outros”. Quem não entrou no “esfola-e-mata” nessa cobertura política ficou no contraponto. Não tenho o menor interesse em polemizar com o Diogo Mainardi, tenho mais o que fazer. Estou processando ele. Pedi direito de resposta, já que a Veja não publicou minha carta. Tem ainda uma queixa-crime por calúnia, infâmia e difamação, e uma ação por danos morais. Você diz que a imprensa está a favor de Alckmin, mas a Rede Globo tem uma cobertura favorável ao Lula? Não vejo a Globo apoiando o Lula. O que se faz é a cobertura do presidente da República, que tem que cobrir. É desigual em relação aos outros candidatos, claro. Mas não vejo a Globo apoiando o Lula. A Globo deu tudo o que se falou contra o Lula. Não tenho a menor dúvida de que os acionistas das empresas de mídia preferem o Alckmin. Qual sua avaliação da edição da Globo no debate do Collor com Lula? A edição da matéria não correspondeu ao que foi o debate. O Lula perdeu o debate, mas não de 5x0, foi 3x1. Não foi uma edição correta. Mas também não decidiu a eleição. O que decidiu foi que parte da classe média, na hora H não foi com o Lula. Lembro que voltei a São Paulo com a sensação de que o Lula ia perder. A militância do PT estava muito agressiva. Assustou a classe média aquele negócio de “quem não é Lula não vale nada”. O que achou da cobertura da crise política no governo Lula e das CPIs? Foi uma cobertura difícil, complexa, não foi fácil. Primeiro houve uma desilusão com o PT. Segundo, um grau de desmoralização do PT e do governo que eu nunca vi nesses 20 anos de Congresso. Os deputados do PT ficaram cinco meses sem responder às acusações. Por exemplo, o Toninho da Barcelona disse isso. Aí, os deputados, senadores da oposição deram pau. E os deputados do PT só diziam: “Tem que investigar”. Ficaram cinco meses nas cordas. Terceiro, foi uma CPI muito difícil de transmitir, foi a primeira em tempo real. Tudo se produzia sem a intervenção dos jornalistas. A secretária do Marcos Valério, a Karina, deu o depoimento dela ao vivo. A Renilda, mulher do Marcos Valério também. O Duda Mendonça se apresenta espontaneamente e diz que recebeu dinheiro do exterior porque o PT obrigou. Aí vem cinco deputados do PT chorando um no ombro do outro. O Duda é um marqueteiro, essa é a profissão dele, o que ele sabe é vender o peixe da melhor maneira. E ele trabalhou 15 anos com o Maluf, imagina que nesse tempo todo ele nunca ganhou no exterior. Recebeu sempre, como depois ficou provado. A conclusão é que se fez um espetáculo para o espectador. Jornalista ia atrás do que já tinha sido publicado. É difícil cobrir em tempo real. Cobrir com inteligência, numa situação dessas, não é fácil. Cria-se o clima de linchamento. A pressão enorme, daqui a pouco o editor cobrando, “pô, levou furo”. E os padrões vão cedendo. Começa a publicar qualquer coisa. Até setembro, a imprensa fez um bom papel, revelando o Marcos Valério, a compra de fidelidade partidária. Mas a partir de setembro-outubro, virou, noticiava qualquer coisa. Toninho da Barcelona saiu da prisão falando um monte de coisa. Nada foi provado, mas foi noticiado. Faltou inteligência na cobertura. O clima de “esfola-e-mata”, de linchamento dominou. Como vê a questão da ética na política? Falha ética não é só na política, até na nossa profissão acontece. Desse problema todo ficou uma profunda decepção do país com o PT. Não se esperava isso, ainda que tenha sido feito por uma parte do partido, mas era o grupo da diretoria, que fez mais ou o mesmo que os outros fizeram. Então, primeiro, houve uma profunda decepção com o PT. Segundo, as pessoas que acusam, fizeram a mesma coisa. O povão vê essas coisas: “Houve sim pilantragem, agora esse cara vir falar de ética”... Por que no Brasil não se discute programa político nas eleições? Tem sim programa político, só que não são tratados em especificidades, mas através de símbolos. E olha, em geral o povo no Brasil vota bem na eleição majoritária. O que significou a surra que o FHC deu no Lula? A população deu um recado: “Eu não quero inflação”. Por que o Serra perdeu para Lula, depois dos mandatos do FHC? “Ter moeda é bom, claro, mas eu quero emprego, inclusão social”. FHC e Lula tiveram programa político. Nessa eleição, se o símbolo da disputa for a questão ética, o Lula perde. Se for a questão da moeda e inclusão, dá Lula. E o PT, como fica depois desse escândalo? O PT cometeu sérios erros. Mais que o Caixa 2, comprou fidelidade partidária. Não que isso seja proibido: até pode pagar R$ 10 milhões ao PL para comprar o apoio político, desde que registre isso na Justiça Eleitoral. E não entregando R$ 10 milhões para o Waldemar da Costa Neto (PL). Enfim, o PT fez coisas gravíssimas. Mas também não inovou. Não quer dizer que tenha que aliviar o PT por isso. Mas a cobertura tinha que ser com espírito crítico. Vem o ACM Neto e apresenta um estudo sobre Fundos de Pensão. Quem entende diz que não é sério o estudo. Pode publicar, mas tem que dizer isso. Em setembro e outubro a questão era: De onde veio o dinheiro do Valerioduto? A CPI não foi atrás de pistas importantes. O relatório final não disse de onde veio o dinheiro. E a imprensa se perdeu, tinha que cobrir com mais inteligência e independência. E a tentativa de impeachment do Lula? Se tivesse como se fazer o impeachment, teria acontecido. Só que não tinha a marca de batom na cueca, isto é, a prova definitiva para pegar o Lula. Além disso, se tirasse o Lula, tinha outro problema: entraria o José de Alencar. E faltava o principal, que é clamor popular. Ou seja, o que havia era uma disputa política. Por isso, a oposição mudou de estratégia, e decidiu sangrar o Lula até a morte. Corre o risco de ficar sangrando ele até 2010. Quem será o vice de Lula? O ministro Nelson Jobim, que é o sonho de Lula não vai ser, porque o PMDB não vai fazer aliança com o PT. O Ciro Gomes não acrescenta nada, o Lula já está muito bem no Nordeste. Acho que o vice-presidente vai ser de novo o José de Alencar. Ele traz a contribuição de sua base, em Minas Gerais, e foi leal ao Lula na crise. Já imaginou se o vice fosse o Itamar, o que ele não teria? Como projeta a participação do Psol nessas eleições? A Heloísa Helena deve fazer uma boa votação. O problema é que ela vai ter só 50 segundos de televisão. Se ela passar dos 10% de votos, temos aí um fato político novo, se não, não. Agora, uma coisa é a Heloísa Helena e outra é o PSol. Tem a cláusula de barreira que é mais complicado. Acredito que o PSol vai fazer cinco deputados – um ou dois no Rio de Janeiro, um em São Paulo, um no Rio Grande do Sul... Agora, é muito dífícil atingir o quociente eleitoral. A Luciana Genro vai fazer uma bela votação, mas não vai ser fácil atingir o mínimo. Por isso que o Babá foi para o Rio de Janeiro. Acha que o Rigotto tinha alguma chance se implacasse como candidato a presidente? Não entendo como o Rigotto aceitou aquele jogo. Vai ver ele achou que ia ser bom para ele. Mas se ele tivesse bancado, dito “eu fiz mais votos”, não teriam proclamado o Garotinho. Rigotto não entendeu a malandragem do PMDB em escala nacional. Ali só tem cobra criada. Se o Rigotto tivesse passado a prévia e fosse o candidato do PMDB, poderia dar trabalho. Se ele mantivesse a saúde mental no meio da loucura que é o PMDB, poderia incomodar. O PMDB não tem candidato porque é traído sempre. Os mais vivos não querem ser candidatos por isso. Rigotto achou que amansaria as feras. O que achou das declarações do Cláudio Lembo? É das coisas que surpreendem. Ele estava lá abandonado, amargurado, já chegou num estágio em que não tem mais pretensão de participar de eleições, não é obrigado a seguir o jogo político. E começou a falar verdades, espinafrou todo mundo. O Lembo falou o que pensava e todo mundo concordando, “pô, é isso mesmo”. E assim ele deu uma porrada monumental em Alckmin, que é o homem que arrumou São Paulo. Acontece essa movimentação do PCC, que paralisou a cidade, o povo foi para casa, e o Lembo disse por exemplo, que o Alckmin não ligou porque o pulso telefônico é caro. Afetou a imagem de bom gerente do Alckmin. Qual sua opinião sobre o voto obrigatório? E o voto nulo? Sou a favor do voto obrigatório. Acho o voto nulo uma babaquice. Não existe isso que estão espalhando em listas na internet, de que se 50% + 1 dos votos forem nulos as eleições são anuladas e os candidatos não podem concorrer. São convocadas novas eleições e todo mundo pode ser candidato. Então, isso é no mínimo uma perda de tempo, dinheiro. Acho que as pessoas devem trabalhar pelo melhor candidato ao Legislativo. Sempre tem um sujeito íntegro em quem se possa votar, seja você do PP ou do PT. Na eleição majoritária, sempre tem um menos pior. O voto nulo, em tese, é do sujeito que tem consciência e não quer nenhum dos candidatos. Mas se quem pode votar melhor anula, mais gente ruim vai ser eleita. Em 1970, eu fiz campanha pelo voto nulo e me arrependo. Teve um efeito negativo. No Rio Grande do Sul, por exemplo, onde a Arena podia ser derrotada, não foi, porque prevaleceu a tese do voto nulo. E a imprensa na Venezuela? Não entendo nada de Venezuela, mas a partidarização da imprensa é prejudicial. A revista Veja diz que tem 1 milhão de assinantes. Não acredito que pelo menos 20% desse público não tenha votado no Lula. E muitos desses não devem ter renovado sua assinatura, porque se sentem agredidos pela Veja. Se 10% desse público sair, isso é algo que pode comprometer a estabilidade econômica, porque não é uma coisa monumental a margem de lucro das empresas jornalísticas. No Brasil, não tem como fazer jornalismo político partidário. Tem que ser um público plural, o cara do PP, do PT e o que detesta política, todos devem ser respeitados. A imprensa não pode passar da altura das suas chinelas, que é informar, não puxar para lá ou para cá.

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