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Eletricidade no ar, mudanças na terra


05.09.1998



A campanha presidencial que, nas últimas semanas, vinha se arrastando em tediosa monotonia, ganhou pilha nova. Dois fatores encarregaram-se de espalhar eletricidade pelo ar: a crise financeira internacional, que deixou à mostra as canelas de vidro do Real, e as últimas pesquisas de opinião, que registraram um pequeno crescimento de Lula e uma modesta queda de Fernando Henrique, voltando a colocar a hipótese do segundo turno no horizonte eleitoral. Em uma semana, o clima mudou. Para começar, o governo não conseguiu conter dentro das quatro paredes do palácio as divergências a respeito da melhor forma de enfrentar a crise. O ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, veio a público defender mudanças de rumo no modelo econômico. Rápido no gatilho, o senador Antônio Carlos Magalhães saiu imediatamente em socorro da equipe econômica, atirando em Mendonça de Barros. O xerife do Planalto, Clóvis Carvalho, adepto da linha soft, tentou botar panos quentes no assunto: o melhor que os dois tinham a fazer era calar a boca. Para que? ACM, com aquele estilo que Deus lhe deu e ele cultivou ao longo da vida, não pensou duas vezes: mandou Clóvis se recolher à sua insignificância - não foram essas as palavras textuais do senador, mas foi esse exatamente isso o que ele quis dizer. Esperava-se que o caldo entornasse no saloon da reeleição. Mas quem pode com o gogó de Fernando Henrique? Na quinta-feira, ele assegurou ao país que não há divergências dentro do governo. Para o presidente, Mendonça de Barros não disse nenhuma novidade. Apenas repetiu o que Malan já vinha afirmando há muito tempo: que o Brasil precisa diminuir sua dependência do capital externo. Onde e quando Malan disse isso antes? Não se sabe. Tampouco se sabe como a trombada entre Clóvis Carvalho e ACM pode ter contribuído para o ambiente de paz celestial do governo. Por mais que Fernando Henrique venda o peixe de que há um clima de harmonia na sua equipe, é evidente que ela está debaixo de fortíssima tensão. E nem poderia ser de outra forma: se for reeleito, o presidente terá de fazer uma inflexão profunda na política econômica. Afinal, o mundo mudou, os investidores estão mais pobres (ou menos ricos), e acabou-se a era do dinheiro fácil lá fora. Não há como seguir financiando por muito tempo os megadeficits em conta corrente dos últimos anos. Dólares deixaram de ser banana na feira, para usar a imagem cunhada no período de bonança por Gustavo Franco. No mínimo, o país precisa trocar o pneu do carro. Parece simples. O problema é que ninguém sabe como se faz isso a 100 km por hora - e em plena reta final de uma eleição presidencial. Nada de aventuras Lula vai bater na tecla de que mudar o pneu é pouco - o país precisa também trocar o piloto. Até que ponto esse discurso pode render votos? Ninguém sabe. No comitê de Fernando Henrique, o raciocínio predominante é o de que, se a tempestade chegar, a sociedade será cautelosamente conservadora: evitará o salto no escuro. O programa na TV tratará de passar a mensagem de que o presidente pode ter cometido seus erros, mas continua sendo o timoneiro mais competente para enfrentar a borrasca. O resto é aventura. Nada de cheque em branco Já no estado-maior de Lula acredita-se que uma parcela do eleitorado, ressabiada com a possibilidade de que o governo esteja dourando a pílula da crise e preparando medidas amargas para o dia seguinte da eleição, tratará de empurrar a decisão para o segundo turno, obrigando o presidente a mostrar todo o seu jogo. Seria uma espécie de voto útil, beneficiando tanto Lula quanto Ciro Gomes. Qual o tamanho desse eleitorado volátil? O PT estima-o entre 5% a 10%, o suficiente para levar a decisão para o segundo turno. Época, 5/09/1998

As voltas que o voto dá


19.11.1998



Ao se comparar as percentagens de votos obtidos pelos partidos na disputa para a Câmara com a percentagem de cadeiras que eles efetivamente conquistaram, vê-se que algumas legendas estão super-representadas e outras subrepresentadas. Entre os grandes e médios partidos, estão no primeiro caso, o PFL, o PSDB, o PMDB, o PPB e o PTB; no segundo, o PT e o PDT. Ou seja, os partidos de centro e centro-direita, governistas, beneficiaram-se das distorções; os de esquerda, oposicionistas, foram prejudicados por elas. O fator que mais concorre para o surgimento dessas distorções é o elevado número relativo de deputados eleitos nos pequenos estados, geralmente controlados por forças políticas conservadoras. O PFL foi o partido que mais se beneficiou do descompasso entre o voto do eleitor e a representação na Câmara. Os pefelistas, embora tenham obtido 17,3% dos votos válidos nacionalmente nas eleições para deputado federal, conquistaram nada menos de 20,7% dos assentos na Câmara. Graças às distorções, ficaram com 106 cadeiras. Sem elas, não passariam de 89. O PSDB também saiu no lucro. Obteve 17,5% dos votos válidos, mas levou 19,3% das cadeiras, ganhando nove assentos extras (ficou com 99, deveria ter ficado com 90). Em compensação, o PT, que obteve 13,2% dos votos válidos e poderia ter chegado a 68 deputados, terá na próxima legislatura uma bancada de apenas 58 integrantes (11,3% da Câmara). O PDT, com 5,7% do eleitorado, teria conseguido eleger 29 deputados, quatro a mais do que efetivamente terá no ano que vem. O quadro anexo mostra como ficaria a composição da Câmara dos Deputados em outubro de 1998, se não prevalecessem as atuais distorções. É bom lembrar que a adoção do voto distrital misto acabaria com o problema, porque, nesse sistema, cada partido teria na Câmara representação proporcional à percentagem do eleitorado nacional que tivesse sufragado a legenda, independente do número de deputados que elegesse pelos distritos. Por incrível que pareça, as esquerdas, as mais prejudicadas pelo atual sistema, ainda são contra as mudanças. Jornal de Brasília, 19/11/98

Governo novo mas com cara de velho


21.11.1998



Num conto genial intitulado “O estranho caso de Benjamin Button”, o escritor americano Scott Fitzgerald conta a história de um sujeito já entrado nos anos que, de repente, em vez de envelhecer, obedecendo ao curso natural das coisas, desandou a rejuvenescer. Aos 50 anos, tinha cara de 30; aos 60, estava convertido num rapaz de 20; aos 70, fazia, peraltices como um garoto de 10; morreu aos 80, voltando para o escuro do útero da mãe, com um vagido que lembrou vagamente seu choro no momento em que viu a luz pela primeira vez. É um alegoria da América da depressão, sonhando com o retorno à alegre década de 20. O futuro ficara lá atrás. Vivesse Fitzgerald hoje no Brasil e talvez escrevesse “O estranho caso do segundo governo Fernando Henrique”. O rebento não nasceu ainda, mas já está enrugado como um maracujá de gaveta. Da reeleição para cá, envelheceu uns 20 anos. Desse jeito, no dia 1? de janeiro, quando for empossado, como se fosse um Button às avessas, estará caminhando apoiado em bengalas antes mesmo de ter engatinhado. A sensação de que o filme “Fernando Henrique II – A missão” é velho deve-se em parte à situação da economia. Juros altos, declínio na produção, aumento do desemprego etc tendem a produzir um ambiente de pessimismo, no qual as pessoas olham com nostalgia para o passado, e não com confiança para o futuro. Mas, em boa medida, o clima de cansaço advém também das circunstâncias políticas. Na coalizão governista, já foi dada a largada para a corrida presidencial de 2002. Briga-se por tudo e por qualquer coisa. O presidente pretende criar o Superministério da Produção e entregá-lo a um paulista tucano? Lá vem o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, e bombardeia a novidade. Estão para sair os cortes no orçamento, preparados pela dupla Pedro Malan e Pedro Parente, novos benjamins dos pefelistas? É a vez do tucano José Serra passar por cima de Fernando Henrique, puxando o tapete da área econômica. Há o risco de que o ministro da Saúde saia fortalecido do episódio? Toca, então, ao senador Antônio Carlos Magalhães mostrar com quantos paus se faz um presidente. Estivesse no comando, e Serra estaria no olho da rua. O PSDB acha que lhe convém vazar a história do dossiê e do grampo? Logo a maçaroca chega às mãos da imprensa. O caso começa a amainar, com saldo positivo para os tucanos? Imediatamente alguém no palácio escorrega para um jornalista trechos das fitas, deixando mal Mendonça de Barros. Quando ele vai depor no Senado só os tucanos defendem-no. Os demais caciques governistas lavam as mãos e, depois, comemoram o desgaste do ex-quase ministro da Produção. É a lei da selva. Casa de Irene Se Fernando Henrique não tomar providências urgentemente, logo, logo perderá o controle da situação. Até o momento, sua autoridade como comandante-em-chefe da coalizão governista, embora tenha sido arranhada, não foi quebrada. Os tiros trocados entre os partidos governistas, mesmo tendo feito vítimas aqui e ali, não chegaram a deflagrar uma luta de vida ou morte entre as várias famílias. Ainda dá, portanto, para botar ordem na casa. Mas, se nada for feito, em breve os estragos serão irremediáveis. Rio abaixo Em tese, a oportunidade ideal para o presidente dar um freio de arrumação na coalizão governista é a reforma ministerial, que tende a se concretizar em fevereiro, depois de aprovada a emenda constitucional que prorroga a CPMF e eleva suas alíquotas. Não dá para antecipar a reforma, porque eventuais descontentamentos nessa área poderiam ricochetear no coração do ajuste fiscal. Mas é impossível também deixar o barco correr ao sabor da correnteza por muito tempo. Ou a tripulação se entende, ou o desastre é certo. Época, 21/11/1998

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