top of page

Os lobos vão voltar


03.11.1997



O senhor presidente da República que me desculpe, mas essa história de que, na semana passada, o Real comportou-se como uma “muralha firma” diante dos ataques especulativos é uma bobagem sem tamanho. Ao contrário, os últimos acontecimentos mostraram que o processo de estabilização da economia tem canelas de vidro. Se não for aprofundado, pode sair do campo de maca no próximo carrinho criminoso dos adversários. Em uma semana, perdemos US$ 7 bilhões de divisas, o valor de mercado de nossas estatais diminuiu em quase R$ 15 bilhões, e reduziram-se drasticamente as perspectivas de ágio nos leilões de privatização. Coroando tudo isso, o Banco Central foi obrigado a dobrar as taxas de juros para espantar os urubus que rondam nossa economia – melhor seria dizer, para manter por aqui os urubus que ameaçavam nos abandonar. É verdade que resistimos aos ataques da semana passada, mas a um preço terrível. Já, já os lobos estarão de volta. Virão em maior número e, se nada for feito, nos encontrarão mais debilitados. Por isso, seria bom que o presidente deixasse de lado o gosto pelas frases de efeito e preparasse o país para se defender das próximas investidas. Sabem todos os pais do Real (e suas babás também) que nossa moeda está sobrevalorizada. Não admitem esse fato de público, mas, em conversas reservadas, lançando mão de em eufemismo aqui e outro ali, reconhecem a distorção. Divergem dos críticos da política econômica apenas quanto ao índice de sobrevalorização, que eles reputam bem menor do que os outros apregoam, e quanto à estratégia para superar o problema. A equipe econômica aposta na redução lenta, gradual e segura da diferença entre o valor virtual e real da nossa moeda. Pisar no acelerador seria uma aventura, argumentam. Apenas faria o Real desabar. Se for mesmo indispensável uma desvalorização abrupta da moeda, completam, o momento ideal para isso será depois da reeleição de Fernando Henrique. A euforia da nova situação política favoreceria uma absorção menos traumática da mudança. É uma aposta de alto risco, especialmente porque ninguém pode garantir que os mega-especuladores internacionais não atacarão antes do último trimestre do ano que vem. Afinal, na semana passada, eles andaram beliscando por aqui e sentiram que há nervosismo no ar. Como esse é o clima mais propício para suas ações, tendem a voltar. Quando? Ninguém sabe, a começar pelo BC. Mas voltarão. Seja para adiar ao máximo esse confronto, seja para preparar o país para ele, o Governo tem de trabalhar a todo vapor para dissipar o clima de nervosismo que veio à tona na semana passada. É evidente que isso não se fará apenas com instrumentos de política monetária. Taxas de juros nas nuvens podem manter a peteca no ar por alguém tempo, mas, além dos inconvenientes econômicos, têm uma grave conseqüência política: esgarçam a base social e parlamentar do Real. Assim, enfraquecem o Governo e o país às vésperas de uma batalha decisiva. Quando os lobos voltarem, podem nos encontrar aos tapas. Farão a festa, é claro. Ou alguém acredita que o “saco de maldades” do BC ficará de pé sem um Governo forte na sociedade, por detrás? O caminho para a restauração do clima de confiança no Real está na retomada do processo de reforma do Estado. As reformas administrativa e previdenciária, ainda que enfrentem fortes resistências em setores do aparelho de Estado, contam com amplo respaldo na sociedade. Por isso, sua aprovação, ao lado de dar novo impulso econômico ao Real, contribuiria para reagrupar a base política e social que se fracionou quando Fernando Henrique afobou-se e atropelou a agenda política com a votação precipitada da emenda da reeleição. Ela deflagrou a campanha eleitoral antes da hora e dividiu as forças políticas agrupadas em torno do Real. Pior: deu a entender ao país que o mais importante era reeleger Fernando Henrique; as reformas necessárias para consolidar a moeda poderiam ficar para depois. Foi um erro monumental. Talvez ainda seja possível mudar esse quadro, voltando a colocar as reformas no centro dos acontecimentos e a reagrupar as forças favoráveis a elas no Congresso e na sociedade. O ex-presidente José Sarney botou o dedo na ferida, ao dizer em Washington na semana passada que a hora não é só de economia, mas de política também. Pregou a união em defesa do Real e declarou-se disposto a colaborar com o Governo. Com nuances, essa também foi a atitude do ex-presidente Itamar Franco e do ex-governador Ciro Gomes. Infelizmente, Fernando Henrique, a quem caberia liderar, reordenar a agenda política e reagrupar as forças, não respondeu a esses gestos. Desse jeito, quando os lobos voltarem, não teremos outra saída senão enfrentá-los com juros altos, queima de divisas e frases de efeito. Pode não ser o bastante.

Grande vitória, Grandes problemas


12.06.1998



O fato de que Fernando Henrique tenha sido eleito no primeiro turno com aproximadamente 53% dos votos, derrotando Lula por folgada margem, pode dar a impressão de que a eleição presidencial deste ano foi apenas um repeteco da anterior. Afinal, em 1994, o presidente também venceu no primeiro turno, bateu o mesmo adversário e obteve um percentual dos votos válidos quase idêntico ao deste ano: 54,3%. Cessam aí, entretanto, as semelhanças entre os dois pleitos. Há quatro anos, Fernando Henrique chegou ao Palácio do Planalto montado numa extraordinária onda de entusiasmo popular, como poucas vezes se viu na História deste país. Tanto que, tendo sido eleito com base numa aliança do PSDB e do PFL, em três tempos atraiu o apoio do PMDB e do PPB, que haviam lançado candidatos próprios na corrida presidencial, e constituiu uma ampla maioria parlamentar. Ancorado na força do Real e na benção das urnas, durante um ano aprovou o que quis e bem entendeu no Congresso, governando praticamente sem oposição. O PT e seus aliados encontravam-se desnorteados, sem discurso e sem pegada. Agora, entretanto, o quadro é muito diferente. O otimismo de quatro anos atrás deu lugar à incerteza, o Real mostrou-se mais frágil do que parecia, e ficou claro que o caminho que leva à prosperidade está infestado de perigos. O mundo, decididamente, deixou de ser cor-de-rosa. Além disso, em termos políticos, Fernando Henrique tende a enfrentar tensões internas na coalizão governista e terá pela frente uma oposição que recuperou a alegria de viver. Não é para menos: ela esperava ser massacrada nas urnas e saiu-se com um resultado bastante razoável. Lula obteve 32 % dos votos válidos, contra 27%, em 1994, ampliando o eleitorado das esquerdas. Já Ciro Gomes, que veio do nada em termos de máquina partidária, recursos financeiros e tempo na televisão, teve um belo desempenho. Firmou-se como o preferido de 11% dos eleitores, o que o credencia a liderar uma nova vertente de centro-esquerda no cenário político. Tudo somado, os adversários de Fernando Henrique vão entrar cheios de gás em 1999, justamente quando serão mais pesados os sacrifícios que o governo terá de pedir à população. O presidente, porém, tem bons trunfos na manga para enfrentar essa nova situação política, bem mais complexa que a anterior. O mais importante deles é que o eleitor reafirmou claramente que, apesar dos pesares, das dúvidas e das incertezas, não abre mão da estabilidade conquistada com o Real e acredita que Fernando Henrique, mais do que ninguém, tem as qualidades necessárias para defendê-la. Foi isso que deu ao presidente a vitória no primeiro turno. Desconfiança Já o que levou ao crescimento da oposição nas urnas foi a desconfiança de boa parte do eleitorado de que o preço da estabilidade monetária - ao menos, no caminho tomado pelo governo - é o agravamento da questão social. O modelo adotado teria uma lógica que subordinaria a geração de empregos, a reforma agrária e avanços substanciais nas áreas da saúde e da educação aos interesses do mercado financeiro. Em cada dez eleitores, há mais de quatro precisando ser convencidos de que isso não é verdade. Não é pouca coisa. Empate Nas cidades grandes e médias, aquelas que pesam decisivamente na formação da opinião pública, a proporção de brasileiros com a pulga atrás da orelha revelou-se maior ainda: de cada dois eleitores, um votou na oposição, como deixaram claro os resultados eleitorais das urnas eletrônicas. Coube às urnas de lona, com os votos dos municípios menos populosos do interior, dar larga vantagem a Fernando Henrique e afastar definitivamente a hipótese do segundo turno. É um dado que o presidente terá de levar em conta. Época , 12/06/98

Sinais de briga dentro do governo


25.07.1998



Através das páginas de “Época”, o presidente do Banco Central mandou, na semana passada, dois recados ao distinto público. Primeiro, não há recursos para investimentos na área social e a estabilização dos preços é o único caminho para resolver nossos problemas sociais. Segundo, se Fernando Henrique receber do povo um segundo mandato, não haverá mudanças na essência da política econômica. Em linhas gerais, ela continuará inalterada não só nos próximos quatro anos, mas também nas próximas quatro décadas. O resto, arrematou Franco, em tom de desafio ao pessoal que vem preparando a versão 98 do programa de governo de Fernando Henrique, é enganação. O Palácio do Planalto não gostou nem um pouco da entrevista, mas preferiu não alimentar um bate-boca que só causaria estragos à campanha do presidente. E como a oposição, para variar, comeu mosca e não soube explorar as desavenças na equipe de Fernando Henrique, o incidente não cresceu, sendo jogado na conta do temperamento irrequieto do presidente do Banco Central. Mas a divergência continua latente, pronta para reaparecer na primeira oportunidade. Mais do que um enfant térrible, Gustavo Franco é um ótimo cão farejador, que conhece todos os cheiros do poder e costuma pressentir o perigo muito antes de seus colegas de equipe econômica. Se mandou bala na equipe que prepara o programa de governo de Fernando Henrique, é porque percebeu que seu território está sendo invadido por estranhos. Franco não deixa de ter razão. Até maio, o governo tinha um discurso homogêneo: o importante era manter a estabilidade da moeda e ponto final; o pagamento da dívida social viria mais tarde, naturalmente, à medida em que a economia voltasse a crescer de forma sustentada. Em maio, porém, as pesquisas de opinião mostraram Lula aproximando-se perigosamente de Fernando Henrique. A partir daí, o estado de espírito do governo nunca mais foi o mesmo. O presidente, lembrando-se que é candidato à reeleição, passou a cortejar as ruas e a comover-se com os problemas das pessoas comuns. Em três tempos, o discurso da estabilidade monetária a qualquer preço foi suavizado, ganhando molho social, e começaram os movimentos para abrir as torneiras. Campanha eleitoral - especialmente quando se tem um adversário nos calcanhares - é fogo. Não há saco de maldades que fique de pé. Xerife zeloso, o presidente do BC sacou a arma e deu uns tiros de advertência para o alto: se a temporada de promessa eleitoral redundar numa fase de gastança governamental, o déficit público irá à lua e, em conseqüência, o real irá para o espaço. Antes disso, avisou, terão de passar por cima dele. O social não se rende Apesar do barulho feito pelo presidente do Banco Central, a vida continua. Tanto que, na última quarta-feira, a cúpula do comitê eleitoral de Fernando Henrique, rindo de uma orelha à outra, anunciou que, nos próximos 4 anos, os investimentos na área da saúde passarão de R$ 19 bilhões por ano para R$ 40 bilhões. O próprio presidente deu uma passadinha no comitê para deixar claro que seu programa econômico para um segundo mandato prevê estabilidade monetária - e olha o social aí, de novo - com desenvolvimento . Duelo ao entardecer Quem tende a se fortalecer na equipe de Fernando Henrique se a área social ganhar peso num segundo mandato do presidente? Quem é a estrela em ascensão na Esplanada dos Ministérios? José Serra. Em Brasília, até as pedras sabem que o ministro da Saúde e o presidente do BC, para usar um eufemismo, não se cruzam. Há muito tempo, Serra é um crítico feroz do fundamentalismo monetário. Pensando bem, talvez o xerife Gustavo Franco não tenha atirado para o alto. Neste entardecer de governo, há um cheiro de duelo no ar. Época, 25/07/1998

bottom of page