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Coronel x Governador. A revolta da Princesa


09/06/1930



Poucos episódios revelam tão bem o delicado equilíbrio existente na República Velha entre o poder dos "coronéis", que mandavam nos municípios do interior, e a autoridade dos governadores como a revolta da Princesa, ocorrida no sertão da Paraíba no ano de 1930. Em fevereiro daquele ano, o "coronel" José Pereira, julgando-se desprestigiado com a chapa de deputados federais que acabara de ser formada, rompeu com o governador João Pessoa, também candidato a vice-presidente da República na chapa encabeçada por Getúlio Vargas. Ato contínuo, declarou apoio os adversários de Pessoa no plano nacional. Em represália, o governador ordenou a retirada dos funcionários estaduais de Princesa e destituiu o prefeito, o vice-prefeito e o promotor, ligados ao "coronel" e mandou tropas da Polícia Militar convergirem para o município de Texeira, perto de Princesa, com o objetivo de sufocar a rebelião. Começou a guerra. O "coronel" não era homem de se intimidar com pouca coisa e enviou 120 homens armados para Texeira, que foi retomada pelos rebeldes. Em março, nova vitória das forças de José Pereira. Em maio, 220 soldados e jagunços a serviço do governo estadual tentam entrar em Princesa, mas caem numa emboscada, na qual morrem mais de cem pessoas. Em junho, os princesenses proclamam-se independentes da Paraíba e criam o Território da Princesa, com bandeira, hino e leis próprias. João Pessoa tenta nova investida. Incapaz de dominar a cidade rebelde, apela para a guerra psicológica. Uma avioneta, pilotada por um italiano, lança panfletos sobre Princesa, exortando a população a depor as armas. Caso contrário, haveria bombardeio aéreo. Mas a resistência continua -e as bombas não vêm. Nas semanas seguintes, os homens do "coronel" José Pereira, usando táticas de guerrilha, espalham sua ação pelo sertão, dando a entender que o conflito seria longo. Mas a luta estava para terminar, com um desfecho imprevisto. No dia 26 de julho, João Pessoa foi assassinado no Recife por um desafeto, João Dantas, por motivos mais pessoais do que políticos. Com a morte do chefe inimigo, José Pereira chegou à conclusão que não tinha mais razões para lutar. Deixou sua terra, Princesa, e foi para Serra Talhada, em Pernambuco. Em agosto, soldados do 21 Batalhão de Caçadores, obedecendo a uma determinação do presidente Washington Luíz, entraram em Princesa. Dois meses depois, foram substituídos por tropas da PM. O município voltou a fazer parte da Paraíba. A luta deixara um saldo de cerca de 600 mortos. Observação: a sugestão para esta Estação História é do médico João Veiga Filho, do Recife. Abaixo, o decreto de proclamação da independência do município de Princesa. Princesa separa-se da Paraíba e proclama-se Território Livre DECRETO Nº 1, DE 9 DE JUNHO DE 1930 Decreta e proclama provisoriamente a independência do Município de Princesa, separado do Estado da Paraíba e estabelece a forma pela qual deve ele se reger. A administração provisória do Território de Princesa, instituída por aclamação popular, decreta e proclama a resolução seguinte: Art.1º - Fica decretada e proclamada provisoriamente a independência do Município de Princesa, deixando o mesmo de fazer parte do Estado da Paraíba, do qual está separado, desde 28 de fevereiro do corrente ano. Art.2º - Passa o Município de Princesa a constituir, com os seus limites atuais, um território livre, que terá a denominação de Território de Princesa. Art.3º - O Território de Princesa, assim constituído, permanece subordinado politicamente aos poderes públicos federais, conforme se acham estabelecidos na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Art.4º - Enquanto, pelos meios populares, não se fizer a sua organização legal, será o território regido pela administração provisória do mesmo território. Cidade de Princesa, 9 de junho de 1930. - José Pereira Lima* - José Frazão Medeiros Lima** - Manuel Rodrigues Sinhô*** (*) deputado estadual e “coronel” (**) prefeito de Princesa (***) presidente da Câmara Municipal de Princesa.

Começou a Revolução de 30 (1930)


04.10.1930



No final da tarde do dia 3 de outubro, depois de longo processo conspiratório, marcado por muitas hesitações e adiamentos, estourou no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais, na Paraíba e em Pernambuco, o movimento civil e militar que passaria à história com o nome de Revolução de 30. No dia 4, com a cidade de Porto Alegre já sob o controle das forças revolucionárias,Getúlio Vargas, chefe civil da sublevação, faz o discurso “Rio Grande do Sul, de pé, pelo Brasil!”, no qual expõe as razões do movimento. Vinte dias depois, isolado pelo crescimento da revolta, que se alastrara por todo o Nordeste, conquistara o Sul e ameaçava São Paulo e o Rio de Janeiro, o presidente Washington Luiz é deposto por altos oficiais das Forças Armas, que depois de alguma resistência, terminaram entregando o poder a Vargas. A República Velha chegava ao fim. O regime já estava esgotado há muito tempo, incapaz de atender aos reclamos de democracia, participação política e justiça social que partiam das classe médias urbanas e da jovem oficialidade das Forças Armadas, os “tenentes”, que protagonizaram diversas revoltas militares ao longo de toda a década de 20, esmagadas pelas oligarquias dominantes e pela cúpula das Forças Armadas. Em 1929, porém, produz-se uma divisão nas elites, quando Washington Luiz rompe com o tradicional esquema da política do “café com leite”, através do qual São Paulo e Minas Gerais revezavam-se no poder, ao indicar o paulista Júlio Prestes como candidato oficial ao Catete. Minas, Paraíba e Rio Grande do Sul reagem formando a Aliança Liberal em torno da candidatura do presidente do estado do Rio Grande, Getúlio Vargas. A campanha eleitoral pega fogo, mas termina, como se esperava, com a vitória de Júlio Prestes. Era impossível a qualquer candidato oposicionista vencer a máquina de fraudes, montada em cima do voto a descoberto, não secreto, e da falsificação pura e simples. Para completar o quadro de abusos, no caso das eleições parlamentares, os mandatos dos eleitos precisavam ser confirmados por comissões especiais da Câmara e do Senado, controladas pelo Palácio do Catete, que, como se dizia na época, “degolavam” os oposicionistas, entregando seus lugares aos derrotados nas urnas. Vencido pela fraude nas eleições de 1° de março, Vargas pareceu conformar-se, num primeiro momento, com o resultado, mas acabou se rendendo à idéia da revolução pregada pela ala mais combativa da Aliança Liberal, formada pelos gaúchos Oswaldo Aranha e João Neves da Fontoura e pelo mineiro Virgílio de Melo Franco, e apoiada por “tenentes” como Juarez Távora, João Alberto e Siqueira Campos. Com o assassinato de João Pessoa, companheiro de chapa de Vargas, no final de julho, a situação radicalizou-se a tal ponto que não restou outro caminho aos chefes oligárquicos dissidentes senão o caminho da revolução. Estavam criadas as condições para a deposição de Washington Luiz. “Rio Grande do Sul de pé, pelo Brasil!” “Ninguém ignora os persistentes esforços por mim empregados, desde o início da campanha da sucessão presidencial da República, no sentido de que o prélio eleitoral se mantivesse rigorosamente no terreno da ordem e da lei. Jamais acenei para a Revolução, nem sequer proferi uma palavra de ameaça. Sempre que as contingências da luta me forçaram a falar ao público, apelei para os sentimentos de cordialidade e para as inspirações do patriotismo, a fim de que a crescente exaltação dos espíritos não desencadeasse a desordem material. Ainda mesmo quando percebi que a hipertrofia do Executivo, inteiramente descomedido, absorvendo os outros poderes, aniquilava o regime e assumia, de maneira ostensiva, a direção da pugna eleitoral, em favor da candidatura do meu opositor, tentei uma solução conciliatória. As violências e perseguições prévias, como atos preparatórios da fraude, deixavam evidente que, após o pleito eleitoral, viria, com a cumplicidade de um Congresso sem compreensão de seus altos deveres, o ajuste de contas pelo sacrifício dos direitos líquidos de todos os elementos incorporados à corrente liberal. Sempre estive, igualmente, pronto à renúncia de minha candidatura, assumindo a responsabilidade de todas as acusações que, por certo, recairiam sobre mim, uma vez adotadas medidas que satisfizessem as legítimas aspirações coletivas, com aceitação dos princípios propugnados pela Aliança Liberal e execução de providências que correspondessem aos desejos generalizados do povo brasileiro. Esforcei-me também para que a campanha prosseguisse num regime de garantias e respeito integrais de todos os direitos consagrados pelo sufrágio eleitoral. Somente tal conduta permitiria que, após o pleito, pudessem os adversários dar, lealmente, por finda a luta, reconciliando-se, desde logo, sem ressentimentos. Estive sempre pronto a assumir, com a renúncia de quaisquer aspirações políticas e da própria posição que ocupo, responsabilidade integral dos atos determinantes da luta, a fim de que a coletividade colhesse, assim, algum benefício e não se sacrificassem interesse de terceiros. Da inutilidade de minha atitude teve o povo brasileiro demonstração fidelíssima na força eleitoral de 1o de março. Nos Estados que apoiaram o Catete, os candidatos a cargos eletivos foram empossados, mercê de uma montanha de atas falsas. Quanto aos Estados liberais, Paraíba teve toda a sua representação, legitimamente eleita, espoliada de seus direitos. Em Minas Gerais, o Estado de maior coeficiente eleitoral, o povo não pode votar, e foi uma espécie de loteria o reconhecimento executado pelo Congresso. No Rio Grande do Sul, não houve alquimia capaz de alterar o expressivo resultado das urnas. Não logrando os pseudocandidatos reacionários obter maioria em uma única seção eleitoral nem os inspiradores da fraude encontrar apoio na integridade da Junta Apuradora deste Estado, tornou-se impossível qualquer artifício de cálculo que alterasse o verdadeiro resultado das urnas. Além disso, o Rio Grande e os outros Estados aliancistas foram, pelo Governo Federal, tratados como veros inimigos, negando-se-lhes, até, a solução de problemas administrativos de imediato interesse público, olvidado o dever elementar de colaboração do regime federativo, como se os negócios oficiais fossem de propriedade privada, dependentes, exclusivamente, da munificiência dos poderosos. Apesar, entretanto, de todos esses desmandos, não devendo ser juiz em causa própria, resolvi lançar o manifesto de 1o de maio, em que entregava ao povo a solução do momentoso caso. Na Paraíba, foi ainda amparada e, criminosamente estimulada pelos poderes públicos a rebelião do cangaço, que terminou, como é notório, no miserável assassínio do imortal João Pessoa, candidato à Vice-Presidência da República, na chapa liberal. Grave erro, foi, sem dúvida, supor que o dissídio aberto em torno da sucessão presidencial da República se resumia num simples choque de preferências ou interesse pessoais. Transformou-se a luta no leito propício e amplo, que, nas proximidades do seu estuário, haveria de receber a corrente impetuosa e irresistível das opiniões democráticas do nosso povo e do eloqüente protesto nacional contra a deturpação do regime político. Empenhados na contenda, passaram os homens dos dois partidos a valer apenas pelas idéias que representavam, pelas tendências coletivas que neles se resumiam e pelos ideais que propugnavam. Compreendi, desde o primeiro momento, a magnitude do prélio, que, levado às últimas conseqüências, seria, forçosamente, decisivo para os destinos da República brasileira. Por isso mesmo julguei possível um entendimento leal e franco, que tivesse por base a própria reconciliação dos brasileiros, pondo de parte quaisquer considerações de ordem pessoal. Os adversários, porém, não queriam apenas a vitória eleitoral, obtida, embora, à custa de todas as artimanhas e à sombra dos mais impressionantes e condenáveis abusos do poder. Foram ainda mais longe os nossos opositores, no seu intuito de triunfar. Vencida a minha candidatura, pretenderam subjugar a própria liberdade de consciência, a dignidade do cidadão brasileiro e o direito de pensar e agir dentro da lei. E quando a nacionalidade inteira, depois da vergonhosa vitória da fraude eleitoral de 1o de março, esperava que os favorecidos, ainda mesmo não ocorrendo outra razão, houvessem, por simples e elementar prudência, de dar ao público demonstrações de comezinho decoro cívico, passamos todos a assistir, constrangidos e humilhados, ao tripúdio mais desenfreado e imprudente, ante as vítimas da sanha de um poder que entrava, francamente, na fase final do delírio. Dados tais acontecimentos, qual a perspectiva que se nos desenha e que porvir nos espera com o prosseguimento do atual estado de coisas? Um infinito Saara moral, privado de sensibilidade e sem acústica. O povo oprimido e faminto. O regime representativo golpeado de morte, pela subversão do sufrágio popular. O predomínio das oligarquias e do profissionalismo político. As forças armadas, guardas incorruptíveis da dignidade nacional, constrangidas ao serviço de guarda-costas do caciquismo político. A brutalidade, a violência, o suborno, o malbarato dos dinheiros públicos, o relaxamento dos costumes e, coroando este cenário desolador, a advocacia administrativa a campear em todos os ramos da governação pública. Daí, como conseqüência lógica, a desordem moral, a desorganização econômica, a anarquia financeira, o marasmo, a estagnação, o favoritismo, a falência da Justiça. Entreguei ao povo a decisão da contenda, e este, cansado de sofrer, rebela-se contra os seus opressores. Não poderei deixar de acompanhá-lo, correndo todos os riscos em que a vida será o menor dos bens que lhe posso oferecer. Estamos ante uma contra-revolução para readquirir a liberdade, para restaurar a pureza do regime republicano, para a reconstrução nacional. Trata-se dum movimento generalizado, do povo fraternizando com a tropa, desde o Norte valoroso e esquecido dos governos até ao extremo Sul. Amparados no apoio da opinião pública, prestigiados pela adesão dos brasileiros, que maior confiança inspiram dentro e fora do País, contando com a simpatia das Forças Armadas e a cooperação de sua melhor parte, fortes pela justiça e pelas armas, esperamos que a Nação reentre na posse de sua soberania, sem maior oposição dos reacionários, para evitar a perda inútil de vidas e de bens, abreviar a volta do País à normalidade e a instauração de um regime de paz, de harmonia e tranqüilidade, sob a égide da lei. Não foi em vão que o nosso Estado realizou o milagre da união sagrada. É preciso que cada um de seus filhos seja um soldado da grande causa. Rio Grande, de pé, pelo Brasil! Não poderás falhar ao teu destino heróico!"

Militares dão ultimato a Washington Luiz (1930)


24/10/1930



No dia 24 de outubro de 1930, quando as tropas revolucionárias de Getúlio Vargas já convergiam sobre a cidade de São Paulo, na Batalha de Itararé - famosa porque, embora anunciadíssima, nunca aconteceu de fato, um grupo de oficiais superiores, liderados pelo general Mena Barreto, sublevou-se no Rio de Janeiro. Depois de assumirem o controle dos principais quartéis da capital da República, exigiram a renúncia do presidente Washington Luiz. Era o golpe final na República Velha. Naquele momento, a região Sul, o estado de Minas Gerais e a maior parte do Nordeste já haviam caído nas mãos do movimento deflagrado três semanas antes, a 3 de outubro. Washington Luiz, porém, recusou-se a deixar o governo. Teve de ser deposto e preso. Ato contínuo, os generais formaram uma junta governativa provisória, cujos objetivos nunca ficaram muito claros. Para alguns, ela pretendia manter-se no poder, roubando com mão de gato a vitória de Vargas. Para outros, ela buscava apenas uma solução negociada com as tropas vindas do Sul, evitando mais derramamento de sangue. Na dúvida, Vargas ordenou a seus soldados que avançassem sobre o Rio. Foi o bastante. Em 28 de outubro, a junta anunciou ao país sua intenção de transmitir o poder a Vargas, que entrou no Rio, em meio a uma grande manifestação popular. A foto dos soldados gaúchos amarrando seus cavalos no obelisco da Avenida Rio Branco, em frente ao Palácio Monroe, onde funcionava o Congresso, correu o país anunciando o fim da República Velha. Leia abaixo a íntegra do ultimato dado a Washington Luiz: Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1930. “Exmo Sr. Presidente da República, A Nação em armas, de norte a sul, irmãos contra irmãos, pais contra filhos, já retalhada, ensangüentada, anseia por um sinal que faça cessar a luta inglória, que faça voltar a paz aos espíritos, que derive para uma benéfica reconstrução urgente as energias desencadeadas para a entredestruição. As Forças Armadas, permanentes e improvisadas, têm sido manejadas como argumento único para resolver o problema político, e só têm conseguido causar e sofrer feridas, luto e ruínas; e descontentamento nacional sempre subsiste e cresce, porque o vencido não pode convencer-se de que quem teve mais força tinha mais razão; o mesmo resultado reproduzir-se-á como desfecho da guerra civil atual, a mais vultosa que já se viu no País. A salvação pública, a integridade da nação, o decoro do Brasil e até mesmo a glória de V. Exa instam, urgem e imperiosamente comandam a V. Exa que entregue os destinos do Brasil do atual momento aos seus generais de terra e mar. Tem V. Exa o prazo de meia hora a contar do recebimento desta para comunicar ao portador a sua resolução, e, sendo favorável, como toda a Nação livre o deseja e espera, deixará o poder com todas as honras e garantias. João de Deus Mena Barreto, General-de-Divisão, Inspetor do 1o Grupo de Regiões - José Fernandes Leite de Castro, General-de-Brigada, Com. do 1o DAC - Firmino Antônio Borba, General-de-Brigada, 2o Subchefe do EME - Pantaleão Teles Ferreira, General-de-Brigada.

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