A questão-chave é a formação de um governo de coalizão
30.11.1999
Coluna do iG
Convém não se enganar com o clima de ressaca eleitoral. As próximas duas ou três semanas serão decisivas para desenhar o quadro político dos próximos dois ou três anos. Vale a pena acompanhar algumas iniciativas complexas que estão em curso, como as conversações entre o Palácio do Planalto e os 27 governadores eleitos e a reconstrução de canais de diálogo entre o governo e a oposição. Mas a questão-chave do período é a negociação de Lula com o PMDB para a formação de um governo de coalizão.
Dessa questão dependem todas as demais. Se o presidente for bem sucedido na tarefa, o quadro político dos próximos anos tende a ser marcado por uma relativa estabilidade. O governo contará com maioria na Câmara e no Senado, ainda que sujeita a chuvas e trovoadas, e terá um mínimo de paz política para governar. Se, ao contrário, Lula der com os burros n’água, podemos esperar por um forte recrudescimento do clima político tão logo o calor das urnas se dissipe e a oposição se recobre da tunda que levou nas urnas. Segundo ministros muito próximos a Lula, o presidente está convencido de que não tem tempo a perder.
Não se trata de dar dois, três ou quatro ministérios para o PMDB. Não se trata tampouco de atrair, através da distribuição de cargos, o maior número possível dos caciques que comandam o partido nos estados. É claro que as negociações envolverão ministérios e cargos – afinal, ninguém é de ferro –, mas o objetivo é a constituição de um governo de coalizão assentado numa aliança entre o PT e o PMDB, patrocinada por Lula e em torno do presidente, em termos muito parecidos aos que existem nos regimes parlamentaristas.
Por isso mesmo, a idéia é de que as negociações sejam feitas no atacado, e não no varejo; passem pelas instâncias partidárias, e não por uma multidão de chefes locais; e desemboquem num programa mínimo de governo, que dê liga e discurso ao conjunto dos atores envolvidos no processo. É claro que, em boa medida, essas iniciativas salutares são simples tributos à respeitabilidade perdida pelos dois lados e exigida pela sociedade, mas, de qualquer forma, se vierem a se confirmar, não deixam de ser positivas.
A avaliação predominante no Palácio do Planalto é de que, apesar das enormes dificuldades, são grandes as chances de as negociações serem bem sucedidas. Primeiro, porque, mal ou bem, Lula aprendeu que nem só de voto na urna e popularidade nas ruas vive um presidente. Precisa também de maioria parlamentar. Segundo, porque o PT, apesar de ter colhido bons resultados eleitorais, não tem mais a força política de quatro anos atrás. Mesmo que queira, não tem como impedir a divisão de espaço com outras forças políticas. Terceiro, o processo eleitoral, na prática, aproximou o PMDB de Lula em quase tidos os estados. Dos sete governadores eleitos pelo partido, por exemplo, cinco estão com o presidente. Em quase todas as outras seções, o PMDB sente-se hoje muito mais parceiro do PT do que do PSDB e do PFL. Tudo somado, o vento a favor da coalizão sopra mais forte do que o vento contra.
A intenção de Lula é deixar claro que três áreas que não entram na negociação da coalizão: o núcleo da equipe econômica (Fazenda, Banco Central, Planejamento), a cozinha do palácio (Casa Civil, Secretaria Geral, Articulação Política) e os chamados ministérios de Estado, e não de governo (Relações Exteriores, Defesa, Advocacia Geral). As demais pastas seriam negociadas levando em conta o peso de cada partido – peso efetivo, bem entendido – na sustentação política e parlamentar do governo. Traduzindo em miúdos: uma coisa é se o PMDB garantir 70 votos na Câmara; outra, se ele não for capaz de assegurar mais do que 50.
Vamos acompanhar.
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