Farrapos proclamam República no Sul (1836)
06/11/1836
“Contra a corte viciosa e corrompida, riograndenses livres”
A Revolução Farroupilha ou a Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul, foi a mais longa das rebeliões que eclodiram em várias províncias do país contra o centralismo do Império durante o período das regências. Estendeu-se de 1835 a 1845. Inicialmente motivada por razões econômicas - a redução do imposto sobre o charque importado do Uruguai e da Argentina afetava os interesses dos produtores gaúchos, a insurreição radicalizou-se sob a influência do liberalismo mais exaltado, que sempre muito forte no Rio Grande do Sul. Em 1836, os farroupilhas proclamaram a República Riograndense, que teve como capital a cidade de Piratini e como presidente Bento Gonçalves. O texto abaixo, que comunica ao mundo o nascimento da nova república, é assinado pelo vice-presidente José Gomes de Vasconcelos Jardim.
O auge da revolta ocorreu em 1839, quando as tropas rebeldes, sob o comando de Davi Canabarro e Giuseppe Garibaldi, mais tarde um dos principais chefes militares da luta pela unificação da Itália, invadiram Santa Catarina e fundaram naquela província a República Juliana, que durou apenas quatro meses.
No Rio Grande do Sul, porém, os farrapos resistiram até 1845, quando depois de algumas derrotas militares, assinaram um acordo de paz com o então barão de Caxias. O entendimento previa que os insurretos reconheceriam a autoridade do imperador Pedro II. Em troca, todos seriam anistiados e os que quisessem incorporados ao Exército brasileiro. Quanto à dívida pública da República Piratini, foi assumida pelo governo central. Para culminar, o charque argentino e uruguaio passou a pagar um pesado imposto de importação. Nenhuma outra rebelião arrancou tantas concessões do Império.
Riograndenses,
Quebrou-se o cetro da tirania, com que desde largo tempo nos oprimia o governo do Brasil; suas violências, suas injustiças e seus caprichos, que serão largamente expostos em um manifesto, fizeram ressoar em nosso horizonte o grito da independência, e este grito magnânimo desprendido no Seibal Jagoarão e Piratini mui breve se estenderá em todos os ângulos do estado.
Ah! dia de prazer para os verdadeiros amigos da liberdade; dia de glória para os riograndenses, que amam sinceramente a sua pátria. Uma nova época começa a renascer, que gravada com letras de oiro nas páginas da história formará a grandeza deste vasto continente. Sim, a nação riograndense é desde hoje imediatamente um Estado livre: Seu nome se escreve já na lista das nações independentes, e o governo republicano que adotastes fará decerto a vossa ventura. Chamado por vossos sufrágios para desempenhar a primeira dignidade da República, vos agradeço a confiança com que me honrais, mas sinto que por falta de luzes não possa preencher como devo as funções do alto emprego com que fui investido. Todavia se não tenho grandes talentos para dirigir o leme do Estado, me sobram bons desejos. A opinião pública, essa rainha do universo, que decide da sorte dos impérios e das nações, há de ser o norte que guiará os atos da pública administração durante minha presidência. Eu sou feitura vossa, e este título honroso me assegura a vossa franca cooperação para destruir os obstáculos que se oponham a nossa felicidade: Proclamando solenemente à face do Céu e da Terra nossa independência política, destes um novo exemplo aos tiranos do quanto pode um povo brioso, que quer ser livre.
As bases do grande edifício social estão já levantadas; o resto depende de vossas virtudes, vossa constância, vosso nobre coração e vosso patriotismo. Sustentai pois vossa obra; conheça o mundo que os riograndenses são dignos da liberdade, unamo-nos, caros compatriotas, para destruir os inimigos do nosso sossego e da nossa prosperidade. A causa que defendemos é a causa da justiça contra a iniqüidade, é a causa dos povos contra seus opressores, é, enfim, a causa dos riograndenses livres contra os escravos de uma corte viciosa e corrompida. Unamo-nos, outra vez vos digo, e os pendões da República tremularão triunfantes em toda a sua redondeza. Todavia, se por uma cruel fatalidade a deusa das vitórias não secundasse vossos esforços, pereçamos antes que entregar nossas mãos aos ferros do cativeiro: converta-se este belo país em um ermo; e sobre suas cinzas, sobre nossos cadáveres insepultos e tintos ainda de sangue, triunfem embora os tiranos; tenham o prazer canibal de contemplar com rosto enxuto as ruínas da pátria, mas ao menos não possam escarnecer nossa desgraça. O nome dos riograndenses será então recordado com respeito e desejos pelas nações do universo, que admiradas de tanto valor e de tanto patriotismo dirão: ali existia um povo infeliz, porém virtuoso; preferiu antes morrer livre que viver escravo.
Palácio do Governo em Piratini, 6 de novembro de 1836.
José Gomes de Vasconcelos Jardim
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