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05.Prefácio do livro "Falando francamente"

Prefácio do livro "Falando francamente"


01.06.2006



As memórias de Arnaldo Nogueira, reunidas pela família e pelos amigos, contam em boa medida a história dos tempos heróicos da televisão brasileira. Hoje os sinais de TV cruzam o mundo transmitindo informações e imagens em tempo real e as emissoras converteram-se em tremendas fortalezas tecnológicas, assentadas sobre bases computadorizadas. Mas houve um tempo – e não foi há muito tempo, passaram-se cerca de 50 anos – em que se fazia televisão apenas com a cara, a coragem e o talento. Não havia gravações, fitas, videoteipes, efeitos especiais. Os programas eram feitos ao vivo, sem cortes e sem edições, ao sabor dos acontecimentos e à mercê do imponderável. Arnaldo Nogueira pode falar de cadeira sobre esse tempos heróicos da TV brasileira. Afinal, ele viu-a nascer. Ou melhor, trouxe-a ao mundo. Literalmente: no dia 20 de janeiro de 1951, entrevistou – em francês, é claro – Maurice Chévalier, então um dos cantores mais famosos do mundo, no show de lançamento da TV Tupi do Rio, na então capital da República. Nas duas décadas seguintes, sua presença na telinha seria constante e marcante. De 1951 a 1961, comandou o programa semanal “Falando Francamente”, que marcou época e foi o primeiro “talk show” da TV brasileira. Entrevistou políticos, artistas, intelectuais, figuras da noite, religiosos, cientistas, desportistas, jornalistas e escritores, cantores e compositores, uma boa amostra do Brasil daqueles dourados mas nem tanto. Dessas conversas, participavam também os telespectadores, que podiam fazer perguntas ao vivo, por telefone, às personalidades sabatinadas. O formato do programa, como se vê, era dinâmico e ousado. Mas Arnaldo Nogueira não ficou por aí. Em 1953, mostrando que era um homem bem à frente de seu tempo, lançou “Senhora Opinião”, programa para o qual só convidava mulheres, que debatiam temas como divórcio, aborto, infidelidade conjugal, mães solteiras e discriminação sexual. Na sociedade carola e careta daquela época, pode-se imaginar o impacto que não teve esse clube do Bolinha às avessas. Comandando programas de grande audiência num país que despertava para a televisão – e se encantava com ela –, Arnaldo Nogueira adquiriu grande popularidade e logo foi empurrado para o mundo da política. Foi eleito vereador no Rio de Janeiro e, mais tarde, deputado federal. Embora pertencesse à União Democrática Nacional, que em 1964 apoiou o golpe militar, sempre militou na ala liberal da UDN, tomando distância da facção mais reacionária do partido. Exemplo disso é que, em julho de 1964, poucos meses depois da queda de João Goulart, num momento de plena caça às bruxas, foi o único parlamentar udenista a votar contra a prorrogação do mandato presidencial do general Castello Branco. Em 1968, repetiu a dose, votando contra a cassação do mandato do deputado Márcio Moreira Alves, exigida pelo regime militar e negada pela Câmara, episódio que serviu de pretexto para a edição do AI-5. Pouco depois, deixou o Congresso. Continuou a ser o que sempre foi: radialista, jornalista e homem de TV. Até pouco tempo atrás, foi diretor da sucursal do jornal “O Globo”, em Brasília, onde vive até hoje. Tenho um carinho especial pelo dr. Arnaldo, como ele é conhecido entre os jornalistas mais antigos de Brasília. Foi um grande amigo de meu paí, Mário Martins, como ele jornalista e parlamentar. Conto um caso sobre os dois à guisa de encerramento desse prefácio. Em 1966, meu pai, então candidato ao Senado pelo MDB, ao ser entrevistado pelo dr. Arnaldo na televisão, condenava com veemência a ditadura militar, quando foi provocado: - Mário, na ditadura de Vargas, você achava que podia ser preso de uma hora para outra e, por isso, andava sempre com uma escova de dentes no bolso. Mas hoje você anda? Você tem uma escova de dentes no bolso, para a eventualidade de ser preso? Meu pai, que, pelo visto era um homem previdente, ou então conhecia bem o amigo, a ponto de saber que ele podia surpreendê-lo com uma pegadinha ao vivo, limitou-se a sacar do bolso interno do paletó uma escova e dizer: - Claro, Arnaldo, olha ela aqui. Os dois deram boas gargalhadas, ao vivo diante das câmeras – e depois, longe delas. Muita gente achou que a pergunta e a resposta haviam sido sido combinadas. Não haviam. Nos tempos heróicos da TV, falava-se francamente, mas o acaso muitas vezes comandava o espetáculo. Brasília, junho de 2006

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