top of page

Prefácio do livro "Estação Petrópolis"


01.07.2006



Boa viagem! Quem embarcar nas páginas de Estação Petrópolis terá a oportunidade de fazer uma viagem interessantíssima. Pelas janelas do trem, irão desfilar não apenas as peripécias da vida do médico e político Rubens de Castro Bomtempo, mas também os fatos e acontecimentos mais marcantes da vida nacional entre os anos 1960 e 1980. Aos poucos, o viajante verá se desenhar diante dele um vívido painel do que foi o Brasil naquele período, marcado pela ascensão, consolidação e queda da ditadura militar. Muito já se escreveu sobre o assunto – e muito ainda se escreverá. Mas nem por isso este livro chove no molhado. Ao contrário, num certo sentido, tem sabor de novidade. É que aqui o relato dos acontecimentos não se faz a partir do Rio de Janeiro, de Brasília ou de São Paulo – epicentros do terremoto que abalou e infelicitou o país durante tanto tempo – nem tem origem em regiões afastadas do centros de decisão e, por isso mesmo, de vida política mais rarefeita. A história que se conta a seguir é a de uma cidade média, mas não uma cidade média qualquer, pois Petrópolis, desde sua fundação, foi uma espécie de capital bissexta no país – pelo menos no verão, quando o Imperador e presidentes subiam a Serra do Mar para fugir do intenso calor do verão carioca. Daí vem, sem dúvida, sua forte tradição política, temperada, porém, desde o início por uma aguda sensibilidade para os problemas sociais, devido ao grande número de fábricas instaladas no município. Se nos fins de semana e no verão Petrópolis era um refrigério das elites, durante a semana e nas demais estações do ano era uma cidade marcadamente operária – refinada, mas operária. Foi nessa cidade que o dr. Rubens de Castro Bomtempo, recém-formado, exerceu com paixão sua profissão. Médico de família, especialmente das famílias dos ferroviários da Leopoldina Railway, logo conquistou o respeito e a confiança dos humildes. No contato com os problemas diários dos trabalhadores, despertou para a política e, em 1958, elegeu-se vereador pelo PTB. Quatro anos depois, já era vice-prefeito. Parecia ter à frente uma promissora carreira política. Mas aí veio o golpe militar de 1964. E Petrópolis entrou na linha de tiro do novo regime. Líderes sindicais foram presos; ativistas de esquerda, perseguidos; vereadores, cassados. E, assim, aos poucos, o ambiente na cidade foi se envenenando. Logo, os porta-vozes da elite botaram as manguinhas de fora, os futriqueiros e dedos-duros sentiram-se à vontade para destilar ódios e ressentimentos e, por último, mas não em último lugar, o 1º Batalhão de Caçadores se converteu no principal partido político na cidade. Mas, como o clima de caça às bruxas não foi suficiente para implantar a ordem unida na cidade, em 1966 o governo federal decidiu cassar o prefeito da cidade. Rubens foi, então, alertado para que não tomasse posse na chefia da Prefeitura. Se o fizesse, também seria degolado. Mas ele recusou-se a seguir o conselho. Resultado: duas semanas depois também foi cassado e ainda suspenderam-lhe os direitos políticos por dez anos. E, para seu lugar, foi nomeado um interventor federal. Apesar das truculências, Petrópolis não se rendeu. Nas eleições realizadas meses depois para preencher o cargo vago pela dupla cassação, a cidade demonstrou sua personalidade e independência. Novamente elegeu alguém afinado com seus interesses e não um pau-mandado de Brasília. Mas o novo prefeito também não chegaria ao final de seu mandato. E Petrópolis, em menos de três anos, teve nada menos do que três prefeitos cassados. A reiteração da violência era um sinal claro da incapacidade do regime nascido em 1964 de conviver com qualquer resquício de democracia e com qualquer tipo de oposição a seu poder absoluto. Mas era um sintoma também de que o povo, de uma forma ou de outra, buscava caminhos para resistir. Afastado à força da vida política, Rubens tornou a se dedicar exclusivamente à Medicina, sempre voltada para os trabalhadores. Mas quem disse que a ditadura o deixou em paz? A direção da Rede Ferroviária Federal, onde estava lotado, passou a persegui-lo, transferindo-o de um posto para outro para forçá-lo a deixar a autarquia. De Petrópolis, foi enviado para Estação Barão de Mauá, no Rio; depois, para a Policlínica da Central; em seguida, devolveram-no a Barão de Mauá; mais tarde, mandaram-no para Saracuruna; e, logo, para Magé. Quando recebeu a ordem para se apresentar em Itaboraí, um município totalmente fora de mão para quem morava em Petrópolis, jogou a toalha e deixou a RFF. A via-crucis das transferências forjadas ilustra claramente como se exercia o poder naquele período negro da vida nacional. À truculência no atacado, praticada por Brasília, somava-se a perseguição no varejo a cargo dos chefetes locais, doidos para agradar as patentes mais altas. A mesquinhez, no centro e na periferia, era a marca de poder na época. Não se constroem e se mantêm de pé ditaduras apenas com o concurso de seus chefes. Para se sustentarem elas dependem também de uma legião de puxa-sacos, oportunistas e aproveitadores, espalhados por todo o país. De qualquer forma, Rubens, como o Brasil, resistiu como pôde àqueles tempos sombrios. E, tendo sobrevivido, quando a ditadura começou a fazer água e ele recuperou os direitos políticos, elegeu-se deputado estadual. Mas seu tempo na política, depois de uma década e meia ceifada pelo arbítrio, estava se esgotando. Quatro anos depois, não conseguiu renovar o mandato. O fato é que o país havia mudado. Petrópolis também. Já não era mais a mesma. Até mesmo a estrada de ferro, que desde os tempos de Pedro II ligava a cidade ao Rio, fora desativada. Da combativa classe dos ferroviários, restavam apenas aposentados, com influência declinante na política local. Havia chegado a hora de virar a página. Mas a vida dá voltas. Assim, uma década e meia depois, um de seus filhos – como ele, Rubens; como ele, médico; como ele também mordido pelo bicho da política – foi eleito prefeito da cidade. Um triunfo particular do filho? Uma volta por cima do pai? Uma dobradinha ganhadora dos dois? Passo a palavra ao autor destas memórias: “A vitória de Rubens (filho) foi prova contundente de que a população petropolitana reagiu, mais de 30 anos depois, ao trauma de três cassações de prefeitos escolhidos de forma democrática. Na minha opinião, muitos foram os petropolitanos mais velhos que nunca sepultaram o ultraje imposto pela ditadura ao cassar seus líderes populares. De forma inconsciente, esse sentimento foi sendo transmitido aos mais novos. (...) Essa violência calou fundo na memória”. Por tudo isso, pelo testemunho de Rubens e pela bravura de Petrópolis, vale a pena ler este livro – no fundo, mais um capítulo das memórias da resistência do povo brasileiro à ditadura militar. Em tempo: Rubens é meu primo e Petrópolis, a cidade de meu pai. O que não torna este livro melhor nem pior. Mas muito me honra. Brasília, julho de 2006

Entrevista ao "ABI on line"


28.07.2006



de Rodrigo Caixeta Capixaba, descendente de imigrantes portugueses e criado no Rio, Franklin Martins é filho e irmão de jornalistas e estreou cedo na imprensa, aos 15 anos, quando ainda era estudante no Colégio Pedro II. Nesta entrevista, além de recordar o início da carreira, o jornalista fala sobre a revista que lançou na década de 60 e como ajudou a reorganizar o movimento estudantil após o golpe de 64. Franklin conta ainda o motivo que o levou a candidatar-se a um cargo político nos anos 80 e diz que a imprensa tornou-se menos partidarista na cobertura política. Comenta também a demissão da TV Globo, a ação que move contra o colunista da Veja Diogo Mainardi e a mudança para a Band. ABI Online — O senhor diria que sua entrada no jornalismo teve influência direta de seu pai, o também jornalista Mário Martins? Franklin Martins — Direta, não; indireta, certamente. Afinal, criei-me num ambiente em que se lia muito jornal e se conversava permanentemente sobre os acontecimentos do País e do mundo. E meu pai, jornalista e político, era uma pessoa tão interessante e tão marcante que, até sem querer, não poderia deixar de nos influenciar. Não é à toa que cinco dos seus 11 filhos são ou, em algum momento, foram jornalistas. ABI Online — Aos 15 anos, o senhor já era estagiário da Última Hora. Em seguida, tornou-se repórter da agência de notícias Interpress, para a qual cobria os movimentos sindicais da época. Como foi fazer esse tipo de cobertura ainda tão jovem? O interesse pela política aumentou? Franklin — Já me interessava por política antes disso. Aos 11 anos, como representante de turma no Pedro II, votava com os comunistas. Aos 13, atuava no grêmio do colégio, considerava-me de esquerda e fazia jornaizinhos estudantis. Aos 15, participei de um curso de Jornalismo promovido pelo movimento secundarista do Rio — coisa de só uns dois meses — e, ao concluí-lo, indicaram-me para um estágio na Última Hora. Pouco depois, fui contratado como repórter iniciante na Interpress, que funcionava em Botafogo. Como o momento era de grande agitação política e o movimento sindical estava em plena efervescência, escalaram-me para cobrir as greves e assembléias de trabalhadores, que volta e meia terminavam em pancadaria. Eu ainda era um garoto e, talvez por isso, chamava a atenção no meio dos outros repórteres. Logo fui adotado pelos dirigentes sindicais, que me tratavam com carinho e respeito. Fiz boas matérias e aprendi muito sobre política. Foi uma escola fantástica. ABI Online — Como foi lançar uma revista de política e cultura voltada para os secundaristas cariocas? Franklin — A Diálogo Estudantil falava de política, reformas de base, literatura, cinema, teatro, movimento estudantil e teve uma acolhida razoável entre a garotada da época. Impressa na gráfica do Colégio Divina Providência, no Jardim Botânico, pagava-se com publicidade. Das 40 páginas, dez foram de anúncios — entre outros, Ducal, Compactor, Petrobras, Casa Colegial, Delta-Larousse, Casa Mattos, Aliança Francesa, Yázigi e Banco Nacional. Os diretores eram o Antônio Carlos Lemgruber, José Roberto Spiegner, Ronaldo Bastos e eu. Tonico formou-se em Economia e foi Presidente do Banco Central no início da Nova República. Ronaldo é músico e poeta — quem não conhece “Amor de índio”, “Fé cega, faca amolada”, “Menino” ou “Canção do novo mundo”? Zé Roberto, que a ditadura matou em 1970, quando tinha apenas 22 anos de idade, talvez fosse o mais talentoso de todos nós. Tiramos apenas um número da Diálogo Estudantil. O segundo estava na gráfica quando veio o golpe de 64 e tivemos de repensar tudo. ABI Online — Como foram suas passagens nas revistas Chuvisco e Manchete e a experiência de trabalhar numa agência de publicidade? Franklin — Trabalhei na Manchete por pouco tempo e, sinceramente, a experiência não me marcou. Chuvisco valeu pela companhia: Cláudio Bueno Rocha, Paulo Henrique Amorim, Hedyl Valle Junior e meu irmão Nilo Martins. Era uma revista de picaretagem, como se dizia na época, cujo dono, de repente, chegou à conclusão de que poderia faturar mais se a transformasse numa publicação séria. A metamorfose durou pouco e deu com os burros n’água, mas foi divertidíssima. ABI Online — Depois do golpe de 64, o senhor ajudou a reorganizar o movimento estudantil no Colégio de Aplicação da UFRJ. De que forma o grupo se articulava com tanto cerceamento à liberdade de expressão? Franklin — Por coincidência, deixei o Pedro II e fui para o Aplicação no comecinho de 64. Quando veio o golpe, tratamos de manter o grêmio aberto e, aos poucos, fomos reorganizando o trabalho. Fazíamos de tudo para atrair a turma: torneios esportivos, festas e excursões, shows de música, grupo de teatro, cineclube, jornal, murais, debates etc. O trabalho foi tão amplo que a direita praticamente desapareceu do mapa na escola. O grêmio transformou-se numa força viva, em que todo estudante se reconhecia e tinha espaço para se expressar e crescer. Como era de se esperar, a diretora indicada pelas novas autoridades educacionais logo tratou de cortar nossas asas. Mas aí já havíamos aprendido a voar. ABI Online — Após sua eleição para Presidente do Diretório Central dos Estudantes da UFRJ, o senhor foi preso no Congresso da União Nacional do Estudante (UNE), em Ibiúna, e esteve, atrás das grades, com Luiz Travassos, Vladimir Palmeira, José Dirceu e Antônio Ribas, também líderes estudantis. Como foi essa convivência e de que forma vocês influenciavam nos movimentos estudantis mesmo estando presos? Franklin — Já nos conhecíamos antes e a convivência foi boa. Boa em termos, porque convivência na prisão é uma coisa muito difícil. Afinal, você não escolhe com quem vai conviver e tampouco quer estar preso. Da cadeia, influenciamos pouco o movimento estudantil. Ele seguiu seus próprios caminhos, conduzido por outros líderes que estavam em liberdade. ABI Online — Quando do anúncio do AI-5 — que, em suas próprias palavras, representaria "mais ditadura dentro da ditadura" —, como foi chegar à conclusão de que não havia outro caminho senão o de enfrentar a ditadura de armas na mão? Franklin — Não comecei o enfrentamento, apenas somei-me a ele. Muita gente na época chegou à conclusão, como eu, de que não havia mais espaço para a luta legal e de que era necessário partir para a luta armada. O raciocínio dominante na época era: a ditadura tinha vindo ao mundo pelas armas e só se mantinha de pé pelas armas; portanto, só seria derrubada pelas armas. Então, pequenos grupos passaram a tomar revólveres e metralhadoras de policiais, a assaltar bancos e carros pagadores para arrecadar fundos para financiar a revolução (as chamadas expropriações), a fazer ações de propaganda armada e a preparar o lançamento da guerrilha rural. No entanto, essas ações, que tiveram seu auge nos anos de 1969 e 1970, não levaram à constituição de um exército revolucionário, como se imaginava. Embora contassem com a simpatia distante de boa parte da população, não abriam espaço para a participação popular e, por isso mesmo, levaram ao isolamento e à liquidação as organizações revolucionárias responsáveis por elas. Centenas de militantes foram mortos, a maioria em sessões de tortura. Milhares foram presos ou tomaram o caminho do exílio. Graças ao terrorismo de estado e ao crescimento econômico dos primeiros da década de 70, a ditadura consolidou-se momentaneamente, embora jamais tivesse logrado respaldo popular consistente e duradouro. Tanto que em 1974, apesar da repressão e do oba-oba oficial, sofreu contundente e inesperada derrota nas urnas, um sinal evidente de que a resistência popular ressurgia trilhando outros caminhos. ABI Online — O senhor se exilou em Cuba, no Chile e, mais tarde, na França, onde diz ter tido mais vontade de retornar ao Brasil. Por quê? Franklin — Em Cuba e no Chile, nunca me senti um estrangeiro, talvez porque esses dois países, no início da década de 70, vivessem processos revolucionários e, generosa e solidariamente, recebessem de braços abertos todos os que lutavam pela liberdade e pelo socialismo. Na França, apesar da hospitalidade da esquerda, o quadro era diferente, éramos peixes fora d’água. Além disso, lá o exílio deu-se depois da derrota de Allende e coincidiu com o período em que as ditaduras militares na Argentina, no Chile, no Uruguai e no Brasil estavam na ofensiva e, para muita gente, pareciam imbatíveis. Foi uma época terrível. ABI Online — Depois de anistiado, o senhor candidatou-se a Deputado, mas não foi eleito. O que o levou a concorrer a um cargo político? Franklin — Em 1982, com a ditadura na defensiva, buscávamos ocupar todos os espaços políticos possíveis para apressar o fim do regime militar. Fui candidato a Deputado pelo PMDB dentro dessa perspectiva, mas não levava o menor jeito para o negócio, tanto que tive uma votação muito pequena. ABI Online — Quais as principais transformações que o senhor presenciou no meio jornalístico e qual a tendência acredita que ele venha a seguir? Franklin — Nas últimas décadas, a imprensa tornou-se menos partidarista na cobertura política, já que está obrigada pelos próprios custos da indústria da informação, cada vez mais pesados, a se dirigir a um público heterogêneo e plural. Se focar apenas num publicozinho fechado e cativo, ela quebra. Tal processo não é, porém, uma linha reta. Ao contrário, é marcado por vaivéns. E, volta e meia, alguns jornalistas e órgãos de imprensa caem na tentação de partidarizar a cobertura política; vão além de suas chinelas e querem puxar a sociedade pelo nariz, como se viu na última crise. Nossa missão não é fazer a cabeça do leitor, mas informá-lo com inteligência e respeito, para que ele possa formar sua própria opinião e participar democraticamente da vida política do País. ABI Online — Após passagens por veículos como O Globo, Jornal do Brasil, SBT, Estadão e Rede Globo, onde ficou oito anos e meio. A que credita sua demissão da emissora? Franklin — Sinceramente, não sei. É uma pergunta que deve ser feita à TV Globo. O ambiente lá sempre foi muito bom. Dirigi o Jornalismo da Globo em Brasília, uma área crítica. Participei do núcleo que dirigiu a cobertura da campanha de 2002, um momento crucial. Fiz comentários para todos os telejornais da emissora e fui o primeiro comentarista político do “Jornal nacional”. Tive o privilégio de trabalhar na GloboNews desde o seu comecinho e crescer juntamente com ela, inclusive pilotando um programa inovador e aberto, como o “Fatos & versões”. Em suma, a Globo foi uma experiência fantástica para mim e me ofereceu desafios profissionais interessantíssimos. Durante a crise política do ano passado, porém, nossa relação, aos poucos, foi se desgastando. Sentia que meus comentários incomodavam; passou a haver uma certa tensão no ar. Em meados de março, pouco antes de sair de férias, procurei a Direção do Jornalismo e expus com franqueza minhas dúvidas sobre a conveniência de renovar o contrato, que vencia em fins de maio. Para mim, não seria bom ficar numa geladeira de luxo. Para a emissora, não valeria a pena administrar minha insatisfação, se isso viesse a ocorrer. Disseram-me que eu estava vendo fantasmas. “Sua posição na Globo é consolidada; não existe nenhum problema com você”, resumiu a Direção da CGJ (Central Globo de Jornalismo). Três semanas depois, estou em Madri e a Veja publica a primeira coluna de calúnias contra mim. Telefonei para a Direção da Globo e me disseram que achavam a coluna uma canalhice, mas que não iam se meter no assunto. Era um problema meu, resumiram. Estranhei. Não esperava que a Globo me defendesse, mas esperava receber dela alguma solidariedade. Informei então à emissora que iria responder ao sr. Mainardi publicamente e processá-lo. ABI Online — O que aconteceu em seguida? Franklin — Quando voltei ao Brasil, duas semanas mais tarde, recebi um recado de que a Direção da CGJ queria falar comigo. No encontro, informaram-me que haviam feito uma pesquisa qualitativa e que, entre outras coisas, ela apontara que eu tinha uma imagem fraca junto aos telespectadores. Por isso, haviam voltado atrás e decidido não renovar meu contrato. Respondi que não acreditava na história e perguntei explicitamente se a decisão tinha algo a ver com as calúnias do sr. Mainardi. Garantiram que não. Não me convenceram. ABI Online — O senhor sofreu vários ataques de Diogo Mainardi e escreveu, inclusive, o manifesto "Desafio a um difamador". As acusações dele datam de outros tempos ou começou com a história de que o senhor teria exercido tráfico de influência junto ao governo para beneficiar sua família? Franklin — Há algum tempo que o sr. Mainardi vinha fazendo críticas desrespeitosas ao trabalho de dezenas de jornalistas que, como eu, não pensam como ele. Enquanto ele ficou no terreno da crítica, ainda que desrespeitosa, evitei polemizar. Afinal, a crítica faz parte da democracia e cada um imprime a ela seu estilo e seu caráter. O problema deu-se quando o sr. Mainardi partiu para a calúnia. No meu caso, disse que eu fazia tráfico de influência e mantinha uma cota de cargos públicos, ocupada por minha mulher e por um de meus irmãos. Ora, minha mulher é funcionária pública há mais de 20 anos. O que há de absurdo no fato de servidores públicos trabalharem no serviço público? O absurdo seria se não trabalhassem. Meu irmão é um técnico respeitado na área de petróleo e tem a carreira profissional dele, que não tem a nada a ver com a minha. Jamais movi uma palha para que ele fosse nomeado para qualquer cargo. Para que não pairassem dúvidas sobre meu comportamento, lancei um desafio ao sr. Mainardi: se ele apresentasse um Senador que fosse, apenas um, a quem eu tivesse pedido apoio para a indicação de meu irmão para a Agência Nacional de Petróleo, eu deixaria o jornalismo político. Caso contrário, ele pouparia os leitores da Veja de suas colunas semanais. O sr. Mainardi não fez nem uma coisa nem outra. Saiu de fininho. E lançou novas calúnias contra mim. Acusou-me de haver participado da quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo. Não apresentou uma prova, uma evidência, um ponto de apoio para a afirmação estapafúrdia. Disse que tinha ouvido comentários nesse sentido. Ouvido de quem? Não se dignou a dizer. Ora, meu nome sequer aparece no volumoso inquérito da Polícia Federal que investiga o assunto. Mas isso não importa ao sr. Mainardi, porque fatos não têm a menor importância para ele. Mais um pouco, me acusará de ter incendiado Roma somente porque não rezo por sua cartilha. ABI Online — Então o senhor entrou na Justiça contra ele. Franklin — Entrei na Justiça com pedido de resposta à revista Veja, já que ela, numa atitude que diz muito a respeito do jornalismo que vem praticando nos últimos tempos, não publicou nem uma linha de minha carta à Redação. Além disso, estou processando o sr. Mainardi cível e criminalmente. Na Justiça, ele terá todas as oportunidades de provar que trafiquei influência ou quebrei o sigilo bancário do caseiro. Como é mais fácil um burro voar do que ele provar suas invencionices, estou seguro de que será condenado. ABI Online — O senhor já disse que, se ganhar esta ação, parte da indenização será doada à ABI. Qual a sua relação atual com a Casa do Jornalista? Franklin — Já participei bastante das atividades da ABI, mas hoje, morando em Brasília, minha relação com a entidade é distante. Talvez a ABI esteja também distante das redações. ABI Online — Quando e por que o senhor decidiu escrever o livro "Jornalismo político"? Franklin — Não foi nada muito planejado, não. A editora entrou em contato comigo, perguntou se eu topava escrever o livro e achei que seria interessante sistematizar minhas idéias sobre o assunto, idéias que, de uma forma ou de outra, eu vinha expondo em palestras e artigos soltos. ABI Online — Como o senhor avalia a corrida presidencial e a crise política vivida hoje no Brasil, em meio a tantas denúncias de corrupção e CPIs? Franklin — O PT cometeu o gravíssimo erro político de pretender governar sem maioria política no Congresso, descartando a idéia de formar coalizões com partidos de centro, notadamente o PMDB. Em qualquer lugar do mundo, e no Brasil também, governo de minoria parlamentar acaba em crise. Foi o que aconteceu. Depois, o PT agravou o erro, transformando-o em crime, ao tentar contornar o problema comprando a adesão dos mercenários de plantão nas bancadas do PP, do PTB, do PL e do PMDB. Assim, tornou-se refém do que existia de pior no Congresso. Deu no que deu. A crise tem um lado positivo: deixou claro que nossos sistemas eleitoral e político estão falidos e precisam ser reformados. Não dá mais para seguir em frente com o voto proporcional com listas abertas, que debilita os partidos, gera deputados que se julgam donos dos mandatos, fragmenta o quadro partidário, dificulta a formação de maiorias e impede a fiscalização do eleitor sobre o eleito. Ou o Brasil muda seu sistema eleitoral, ou a crise da representação política se agravará ainda mais, se é que isso é possível. Quanto às eleições presidenciais, as pesquisas mostram uma forte polarização entre Lula e Alckmin, sendo o Presidente o favorito na disputa. Mas pesquisa não é eleição. O que vale é o voto na urna. ABI Online — O senhor estreou no "Jornal da Band" em junho deste ano. Como será sua participação na programação jornalística da emissora? Franklin — Comentarei os fatos políticos do dia no “Jornal da Band” e também participarei do “Jornal da noite”. Além disso, estarei nas rádios Bandeirantes e Band News FM e participarei do “Canal livre”, quando o coração da entrevista for um tema político. Fui muito bem recebido e está sendo um prazer trabalhar na Band, uma emissora com tradição de jornalismo e ótimos profissionais. Mudar é muito bom, especialmente quando está na hora de mudar.

Entrevista à revista "Caros Amigos"


01/09/2006



Entrevistadores: Marina Amaral, Michaella Pivetti, Palmério Dória, Hamilton Octavio de Souza, João de Barros, Roberto Manera, Thiago Domenici, Renato Pompeu, Sérgio de Souza. Fotos: Johnny Aos 14 anos ele já se considerava comunista; só não entrou para o PCB por causa do golpe militar. Escolheu a luta armada, participou do seqüestro do embaixador americano, treinou guerrilha em Cuba, caiu na clandestinidade. No fim da ditadura retomou a carreira de jornalista, chegando aos poucos às grandes redações. Analista político consagrado, aprendeu a falar ao grande público em horário nobre, como comentarista do Jornal Nacional. Mas como conciliar o tom sóbrio e rigoroso de suas análises com a cobertura da Globo do “escândalo do mensalão”? Franklin Martins mudou de emprego e manteve as convicções. Aqui, ele lança luzes sobre a história recente do país na política e no jornalismo. Trecho 1 Sérgio de Souza – Quando você fala “o governo roubou”, em que você se baseia concretamente? O que eu acho que tivemos nesse processo aí? Processo muito complexo, muito complicado. O PT sai com dívidas de campanha e mais, com acordos de campanha. O que quer dizer o seguinte: fechei acordos com alguns partidos pra repassar dinheiro, no caso, PTB, PL, PP. Vamos pegar o exemplo do PL porque é o mais conhecido de todos, do Valdemar da Costa Neto. O PL indicou o candidato a vice do Lula, o José Alencar. Aí, o Valdemar da Costa Neto vira pro José Dirceu – isso não é lenda, foi feito, isso é fato, os dois admitem – e diz o seguinte: “Mas, Zé, estamos abrindo mão do nosso candidato majoritário, vamos ter dificuldade pra eleger nossos candidatos, então precisamos de mais recursos”. “Tá bom, Valdemar, de quanto você precisa?” “Vinte milhões.” “Mas o que é isso, enlouqueceu?” Conversa daqui, conversa dali, acertaram em 10 milhões. Isso é algum crime? Não, desde que seja registrado na Justiça Eleitoral. É perfeitamente legal, um partido pode doar ao outro, são os acordos eleitorais, mas não registraram. Passou a ser uma doação clandestina, e o Valdemar recebeu 10 milhões de reais para administrar como quisesse, para lubrificar deputados. Por isso, a bancada do PL cresceu de vinte e poucos deputados que elegeu para quarenta e tantos. Ele foi comprando passe de gente. Outra parte, imagino eu, não quero afirmar com todas as letras, Valdemar da Costa Neto botou no bolso, que ninguém é de ferro... Trecho 2 Sérgio de Souza - Mas os donos dos veículos você não acha que têm um viés tucano? Não estavam fazendo oposição ao governo igual ao ACM Neto? Prefiro considerar que era complicada a cobertura. Vou dizer uma coisa que, depois de tudo o que falei, parece uma heresia: a imprensa se transformou numa indústria e a indústria da informação se transformou numa indústria, tão pesada, tão cara, que ela não pode se dirigir a um público partidarizado. Os grandes jornais, as grandes rádios, as grandes televisões não podem ficar se dirigindo para um público só partidarizado, não conseguem. São obrigados a se dirigir a um público plural. Trecho 3 Sérgio de Souza – E a Veja? A Veja é um caso diferente. Eu não falo sobre nenhum órgão. A Veja ultrapassou todos os limites, não entendo por que a Veja fez isso com a Veja. Uma coisa estarrecedora. Publicou pelo menos três grandes barrigas: o negócio das Farcs, o negócio dos dólares de Cuba e o negócio do Daniel Dantas. O do Daniel Dantas é uma alucinação. A Veja: “Eu não acredito nisso que estou publicando, mas vou publicar assim mesmo antes que alguém publique”. Acho que ela será julgada também. Trecho 4 João de Barros – A estratégia do presidente de fazer comparação com o governoanteriorentão dá vantagem a ele? Evidente. Por isso ele faz. Vê se ele faz em corrupção? Não. Não é que não teve, mas é que não é legal pra ele Leia a entrevista completa em PDF

bottom of page