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O governo fala com o mercado mas se esquece do país


06.02.1999



Três fatos ocorridos na semana passada mostram que, em termos políticos, o governo perdeu o juízo. Como só tem olhos para o chamado mercado, está tratando a opinião pública a pontapés, como se o Brasil fosse uma nação de 160 milhões de débeis mentais. Primeiro fato: Fernando Henrique demite o presidente do Banco Central menos de 20 dias depois de nomeá-lo, mas nem ele nem o ministro da Fazenda julgam necessário dar ao país qualquer explicação sobre os motivos que levaram à surpreendente reviravolta. O ministro Pedro Malan limita-se a dizer que a decisão foi tomada pelo presidente, a quem cabe esclarecer as razões do gesto. FH sai pela tangente, com uma frase de efeito: o afastamento de Chico Lopes foi uma medida "forte e necessária". Forte, sim; mas necessária, por que? Silêncio oficial. O país que se contente com os vazamentos oficiosos do Palácio do Planalto. O presidente tem mais o que fazer. Há um dragão para enfrentar e chacais para adular. Segundo fato: Fernando Henrique nomeia Armínio Fraga, braço direito do megaespeculador George Soros, para dirigir a política monetária e cambial do país. O mercado a-do-rou. Já os mortais comuns não entenderam nada. Vá lá que Fraga seja um grande operador e conheça tudo sobre o bazar global das finanças, mas, até dois dias atrás, ele não jogava do outro lado, ou seja, contra a gente? Será que não haveria do lado de cá um brasileirinho, unzinho que fosse, capaz de ser o guardião da nossa moeda? Para o governo, trata-se de puro preconceito. Agora é veneno contra veneno. Já a oposição acha que botaram a raposa para tomar conta do galinheiro. Com qual das duas visões ficará a opinião pública, essa senhora volúvel, que anda tão desconfiada de uns tempos para cá? Apostas na mesa de câmbio ali ao lado, aquela mesma que serve bifes de vaca louca e aceita palpites sobre o valor do real daqui a 90 dias. Terceiro fato: Malan e Stanley Fischer, o segundo homem do FMI, dão entrevista coletiva em Brasília para anunciar o novo acordo. Fischer-Stan, para os íntimos - fala em inglês e logo deixa o auditório. Está com pressa, pois tem que pegar um avião. Malan é obrigado a fazer serão, alongando-se em detalhes. Fala em português, mas devido às limitações desse idioma para explicar o que se passa no mundo das finanças, recorra seguidamente ao inglês e ao francês com sotaque inglês (no restaurante do FMI, como se sabe, serve-se a carne assada em "tranches", e não em fatias). A entrevista deve ter sido um sucesso lá fora, junto aos investidores, mas, no Brasil, que ainda não se acostumou a ser tratado como um país derivativo, pegou mal, muito mal. Pisou nos calos Fernando Henrique, como político e sociólogo, sabe que política se faz com símbolos. Eles valem mais do que mil discursos. Conhecendo a sensibilidade nacional, poderia perceber de antemão que os três fatos acima mencionados bateriam fundo na sociedade e afetariam seriamente a imagem do governo. Apesar disso, fez o que fez. Passou a semana falando e produzindo símbolos para o mercado, ao mesmo tempo em que pisava nos calos da opinião pública. Brincou com fogo. Logo, logo, pagará um preço tremendo por isso. Falou para o país Itamar Franco, que pode não entender nada de finanças internacionais mas é um craque no uso de símbolos políticos, não perdoou. Mandou bala em Fernando Henrique. Para o governador, esse é o resumo da ópera: Mister Fischer é o ministro da Fazenda, o doutor Soros é o presidente do Banco Central e precisamos todos aprender inglês para poder negociar com eles. Demagogia? Simplificação? Sem dúvida. Mas Itamar tem um mérito: está falando para o país. Já é alguma coisa. Hoje em dia, FH só sabe falar para o mercado. Época, 6/02/1999

O PFL bota roupa nova para a meia-estação


27.02.1999



Há algo de novo no ar em Brasília - e não é o topete do Itamar ou o gogó de Fernando Henrique. Trata-se da reforma do guarda-roupa do PFL. Ao que parece, o partido cansou-se dos jaquetões solenes e convencionais, nos quais andou metido nos quatro anos do primeiro mandato de Fernando Henrique, quando sua preocupação principal era credenciar-se nos salões do poder como o mais fiel dos partidos governistas. Na última semana, o PFL passou a desfilar na capital da República com ternos de corte moderno, mais arejados, confortáveis e adequados ao atual clima político, sabidamente quente e sufocante. Trocou as cores escuras e carregadas pelos meios tons, cheios de nuances e possibilidades. E, em matéria de gravatas, chegou a surpreender pela ousadia. Decididamente, na meia-estação entre o verão da desvalorização e o outono do desemprego e da inflação, o partido resolveu ditar a moda nos salões do poder, e não segui-la. Foram-se os tempos em que o PFL contentava-se em ser um exemplo de monolitismo granítico a serviço de Fernando Henrique. Agora, ao contrário, quer abrir seu próprio caminho e deixar claro ao mundo que pensa pelo próprio nariz. Continua no governo, é claro, mas com críticas a ele. Ao abrir os trabalhos do Congresso, o senador Antônio Carlos Magalhães, por exemplo, não se fez de rogado. Num discurso veemente, mesclou solidariedade com o rumo programático do governo e críticas ao seu desempenho cotidiano. Manifestou descontentamento com o fato de o Palácio do Planalto passar dois meses em disputas com os estados, quando o país tem problemas mais sérios a resolver, e bateu duro no comportamento da equipe econômica, que não consegue impor limites às intromissões do FMI. Dias depois, foi a vez da executiva do PFL, em reunião com os governadores do partido, exigir do governo central uma nova atitude em relação aos problemas financeiros dos estados, aproximando-se na prática das reivindicações levantadas pela ala mais moderada dos governadores oposicionistas. Os apressadinhos dirão que os pefelistas, preocupados com a fortíssima queda de popularidade de Fernando Henrique e com a falta de perspectivas do Palácio do Planalto, estão começando a preparar as malas para abandonar o navio. Não se trata disso. O partido continuará a fazer parte do governo, votará a favor da indicação de Armínio Fraga para a presidência do Banco Central e dará os votos necessários para a aprovação da prorrogação da CPMF. Chegou à conclusão, porém, de que a situação está tão tumultuada e volátil que seria uma temeridade botar todos os ovos numa cesta só ou apostar num único desdobramento. Seguro morreu de velho. Para o bem A primeira alternativa do PFL não é sair do governo. Ao contrário, é entrar ainda mais nele, assumindo novas posições e responsabilidades. O sentimento generalizado em Brasília é que viveremos, nos próximos 2 ou 3 meses, um período decisivo. Se o governo lograr readquirir um mínimo de controle sobre a situação econômica, poderá enfrentar as pesadas turbulências políticas e sociais que aparecerão pela frente. Nesse caso, o PFL quer estar no timão do barco ou, ao menos, na cabine de comando, apontando rumos. Para o mal Mas se a situação econômica se agravar mais ainda? Nesse caso, a coalizão governista enfrentará seriíssimos problemas, reacendendo-se a disputa entre monetaristas e desenvolvimentistas, hoje congelada. É possível que, então, rompa-se o precário equilíbrio entre as forças políticas que dão sustentação ao presidente. Se o PFL não estabelecer agora uma ponte direta com setores da opinião pública, independentemente de FH, como poderá abrir caminho no futuro, no momento de definição Época, 27/02/1999

O governo sai da UTI e vai trocar de médico


15.05.1999



Continuam a se multiplicar os sinais de que a economia está saindo do fundo do poço. Graças ao excepcional desempenho da agricultura, houve ligeiro crescimento do PIB no primeiro trimestre deste ano. Na indústria paulista, a intensidade da queda do nível de emprego diminuiu no último mês, embora o problema permaneça gravíssimo. A situação fiscal está melhor do que se esperava: o superavit primário dos primeiros três meses do ano pode bater em R$ 7,5 bilhões, superando com folga a meta de R$ 6 bi acertada com o FMI. A entrada de recursos externos tem sido alta, e o dólar só não está abaixo de R$ 1,65 porque o Banco Central vem segurando a cotação nesse piso. As taxas de juros estão caindo e há expectativas de que caiam ainda mais nas próximas semanas e meses. Tudo somado, está melhor do que a encomenda. No plano político, porém, a situação segue se deteriorando. Os índices de desaprovação do governo vem batendo com folga os de aprovação, numa proporção de três a um, o que, em política, é goleada humilhante, daquelas de derrubar técnico e levar a torcida a queimar a camisa do clube. Onde está a imagem de competência que Fernando Henrique exibia no seu primeiro mandato? Afundou no mar revolto da tardia e desastrada desvalorização do real. Onde foi parar a aura de comportamento reto que emoldurava o governo? Sumiu com as revelações da promiscuidade existente entre autoridades públicas e banca privada - às custas do seu, do meu e do nosso - e com as notícias da farra dos jatinhos transportando ministros em férias para Fernando de Noronha. Peanuts, dirá, nesse último caso, o presidente, que gosta da expressão em inglês. Sim, amendoins, mas bons o bastante, aos olhos da opinião pública, para fazer paçoca da idéia de que esse governo é diferente dos outros. Faz pose de chique, mas adora uma mordomia. Também está definitivamente abalada a lenda, herdada dos tempos do lançamento do Plano Real, de que Fernando Henrique era um bravo: fazia o que tinha de ser feito, doesse a quem doesse. Ela foi corroída ao longo do primeiro mandato, deixando em seu lugar a sensação de FH faz apenas o que os demais políticos deixam ele fazer. Certa ou errada, cresceu na sociedade a convicção de que o presidente come na mão do senador Antônio Carlos Magalhães. Com a instalação da CPI dos bancos, essa convicção ganhou nuances. Teria ocorrido uma flexibilização no monopólio: o presidente passou a comer também na mão do senador Jáder Barbalho, presidente do PMDB. Resta saber se os custos serão reduzidos e os serviços melhorarão com a concorrência. A síndrome da Telefonica - sem acento circunflexo, olé! - sugere que não. Exaustão política O governo está exausto politicamente. Não existe a menor possibilidade de que ele, na sua conformação atual, possa perdurar, já não digo por três anos e meio, mas por três meses e meio. Queira ou não o presidente, uma reforma ministerial profunda, que dê novos rumos ao governo, é inevitável e urgente. E as boas notícias que chegam da economia não afastarão a necessidade dessa mudança. Ao contrário, irão torná-la mais premente ainda. Não haverá recuperação econômica consistente num clima de exaustão política crônica. Perder o bonde O doente está saindo da UTI. Tão logo recupere minimamente as forças, deixará o leito e enfrentará a vida. Mas, como poderá atravessar com confiança o período crítico da convalescença se estiver aos cuidados da mesma equipe médica que quase o matou e em cuja ciência não confia mais? Como poderá o país apostar na produção e no trabalho, se não tiver a certeza de que não será surpreendido em breve por Brasília, com uma nova temporada de rapapés para o mundo das finanças? Ou FH muda o governo, ou o país o perde o bonde. Época, 15/05/1999

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