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Marinha americana deu força ao golpe - Operação Brother Sam


31.03.1964



Os sete comunicados abaixo representam apenas uma parte da documentação secreta da Operação “Brother Sam”, levada a cabo pela Marinha dos Estados Unidos, em apoio aos chefes militares brasileiros que derrubaram o governo constitucional de João Goulart. Às vésperas do golpe, uma força-tarefa, encabeçada por um porta-aviões, recebeu ordens de se dirigir para as proximidades do porto de Santos e aguardar novas determinações. Temia o governo norte-americano que o esquema militar fiel a Jango resistisse ao golpe e queria estar preparado para intervir nos acontecimentos. Como não houve resistência, a 3 de abril, dois dias depois da vitória do golpe, os navios americanos receberam ordens para deixar o teatro de operações. Os comunicados abaixo vieram a público 25 anos mais tarde. 1 Comunicado do Vice-Diretor de Operações da Marinha dos Estados Unidos, aos chefes do Estado-Maior Conjunto, sobre o deslocamento de força-tarefa para o Atlântico Sul (31 mar. 1964) Chefes do Estado-Maior Conjunto Prioridade: Imediata Distribuição limitada Para: CINCLANT, USCINCSO, CINCSTRIKE Ultra-secreto Assunto: Deslocamento força-tarefa de porta-aviões Refs.: Plano de emergência da USCINCSO 1. Enviar CVA e força-tarefa de apoio logo que possível. Destino inicial: área oceânica nas vizinhanças de Santos, Brasil. A finalidade da força-tarefa de porta-aviões é manter presença norte-americana nesta área quando ordenado, e estar preparada para cumprir missões que venham a ser ordenadas. Seguem instruções adicionais. 2. Enviar as forças de reabastecimento que forem necessárias. 3. Até segunda ordem, manter em sigilo o destino deste deslocamento. As informações relativas a esses deslocamentos serão distribuídas posteriormente. 4. Solicita-se relatório de situação sobre o progresso da missão. GP-3. 31 de março de 1964 - 13h50min. John L. Chew, Contra-Almirante, USN Vice-Diretor de Operações Preparado por: Capitão H. B. Stark, USN Distribuição regular: JCS, e mais: Casa Branca; Dep. de Estado; OSD (ISA); OSD (PA); CIA. Comunicado do Vice-Diretor de Operações da Força Aérea americana, aos chefes do Estado-Maior Conjunto, sobre a distribuição de mensagens relacionadas com o Brasil (31 mar. 1964) Chefes do Estado-Maior Conjunto Prioridade Para: USCINCSO, CINCLANT, CINCSTRIKE Distribuição limitada Exclusivo: JCS Inform.: Dep. Estado, Casa Branca, CIA, OSD, CSAF, CSA, CNO, NSA, Comats. Ultra-secreto O planejamento e ações militares relacionadas com a situação no Brasil devem ser tratados dentro de maior sigilo. Contudo, a fim de apressar divulgação para as agências interessadas em Washington e eliminar a necessidade de reendereçamento elétrico, solicita-se a inclusão do Departamento de Estado, Casa Branca, CIA e OSD, numa base de distribuição limitada, como destinatários de mensagens importantes relacionadas com esta situação. GP-4. Abril de 1964. Paul W. Tibbets, Jr., General-de-Brigada da USAF Vice-Diretor para NMCS, Diretoria de Operações DTG 312217Z março Preparado por: General Tibbets, Jr. Comunicado do Comandante-Chefe da Esquadra do Atlântico sobre ordem de operação nas costas brasileiras ao sul (31 mar. 1964) Chefes do Estado-Maior Conjunto Prioridade: Imediata 0 312250Z De. CINCLANTFLT Para. RUECBAL/COMSECONDFLT Distribuição limitada RUCKCR/COMSERVLANT Inform.: RUEKDA/JCS, RUEKDL/CINCSTRIKE, RUCKCR/COM-CRUDESLANT, ZEN/CINCLANT, RUECW/CNO, RUCKCR/COMNAVAIR-LANT, RULPC/USCINSO, RUCKCR/COMSOLANT Ultra-secreto A. CINCLANTFLT 312046Z NOTAL Esta é uma ordem de operação CINCLANTFLT 26-64 A ser rigorosamente cumprida. 1. Situação. CINCLANT ordenou a CINCLANT despachar uma força-tarefa com porta-aviões rápido e o necessário apoio a operações no Oceano Atlântico Sul. 2. Missão. Realizar operações de força-tarefa ao sul do Oceano Atlântico, a fim de manter presença norte-americana nesta área quando ordenado a cumprir missões adicionais que venham a ser determinadas. 3. Execução. A. COMSECONDFLT (1) Formar, designar e distribuir na área oceânica nas vizinhanças de Santos, Brasil, uma força-tarefa com porta-aviões rápido, composta de COMCARDIV 4 em Forrestal (CVA 59), com Leahy (DLG 16) e COMDESDIV 262, no Barney (DDG 6), partindo de Norfolk, Virgínia, aproximadamente a 011200Z, para chegar às áreas cerca de 11 de abril. (2) Grupo de apoio de helicópteros, composto de Turckee (AO147), COMDESDIV 162, No Ware (D865), Summer (DD692), Harwood (861) e W. C. Lawe (DD7630), para COMCARDIV 4, e distribuir para chegar à área aproximadamente a 14 de abril. (3) COMCARDIV 4 deve estar preparado para manter presença norte-ame-ricana na área quando ordenado e cumprir missões adicionais que venham a ser determinadas. (4) COMCARDIV 4 deve abastecer unidades durante a viagem em navios-tanque baseados nas Caraíbas, para que disponham de um máximo de combustível ao chegar à área. (5) COMCARDIV 4 deve submeter relatórios de situação a partir de 1000Z diariamente e enquanto a situação o exigir. B. COMSERVLANT (1) Helicópteros de Turckee para COMSECONDFLT, para fins operacionais. (2) Apoiar COMCARDIV 4 a caminho para área, conforme solicitado, com navios-tanque baseados nas Caraíbas. (3) Preparar para fornecer apoio logístico de reforço conforme ordenado, inclusive AO, AE e AF. X. Instruções de coordenação (1) Esta ordem de operação entra em vigor para fins de planejamento quando for recebida e para execução a 011200Z aproximadamente. Permanecem em vigor até instruções posteriores. (2) Manter sigilo do destino deste deslocamento. As informações serão distribuídas posteriormente. (3) Completadas as operações, as forças de helicóptero retornarão ao controle de operações normal. (4) Seguem instruções adicionais. 4. Administração e logística. IAW CINCLANTFLT, Ordem de Operação 1-63. 5. Comando e CIGNAL. A. Comunicações IAW CINCLANTFLT COMMOPLAN B. CINCLANTFLT no QG em Norfolk, Virgínia. GP-3 Ofício de Serviço TWC 312250Z março 64 4 Mensagem do Chefe do Estado-Maior da Força Aérea americana, aos chefes do Estado Maior Conjunto, sobre a designação do comandante da missão e o apoio para o plano de emergência para o Brasil (31 mar. 1964) Chefes do Estado-Maior Conjunto Prioridade De: CSAF Washington, DC Para: ZEN/MATS, ZEN/SAC, ZEN/TAC Inform.: RUEDKA/JCS, ZEN/CSA, ZEN USCINCSO, ZEN/CINCLANT, RUECW/CNO, RUECYN/COMSTS, ZEN/EASTAF, ZEN/AFLC Citar AFXDO 65611. Ultra-secreto Esta mensagem é dividida em duas partes. Referência mensagem USAF - AFXOP 65569 Para MATS. O Comandante do MATS deve designar o General-de-Divisão George S. Brown comandante da missão para o Projeto Brother Sam. Para TAC. TAC designará um comandante para missão subordinada responsável pelas operações de escolta caça/petroleiro em apoio do Projeto Brother Sam. Solicita-se avisar este comando do nome do oficial designado. 011644Z abril 64 Oficial de serviço: WU/JKD Casa Branca, Washington Mr. Bundy: Este é um resumo do plano de emergência do CINCSO proposto para o Brasil. 5 Comunicado do comando das forças sediadas no Panamá com recomendações sobre as mudanças de ação da Operação Brother Sam e da força-tarefa (3 abr. 1964) Chefes do Estado-Maior Conjunto Prioridade P 031724Z Para: RUEKD/JCS Distribuição limitada Inform.: RUESAU/Embaixada Americana Rio de Janeiro Ultra-secreto Citar: SC2329EOA As seguintes são as recomendações do USCINCSO relativas às mudanças de ação do projeto BROTHER SAM e força-tarefa com porta-aviões. 1. 110 toneladas de armas e munições continuarão retidas na Base McGuire, enquanto o Embaixador Gordon determina se as forças militares brasileiras ou as forças policiais do Estado necessitarão de um apoio americano antecipado. 2. TAC, SAC e MATS estão liberados do apoio de BROTHER SAM. 3. A força-tarefa com porta-aviões prosseguirá em direção ao Atlântico Sul até que o Embaixador declare que uma visita a portos brasileiros ou outras demonstrações americanas de poder naval são definitivamente desnecessárias. 4. Só deve ser mantida a parte do movimento político que o Embaixador considere essencial à situação atual. GP-4. 031724Z abril 64. Oficial de serviço: WU/DRJ 6 Comunicados do Comandante da Esquadra do Atlântico sobre o cancelamento da Operação Brother Sam (3 abr. 1964) Chefes do Estado-Maior Conjunto Prioridade: Imediata 0 031750Z De: CINCLANTFLT Distribuição limitada Para: RUECBAL/COMSECONDFLT, RUCKCR/COMSERVLANT Inform.: RUCKCR/CTG 22.9, RUEKDA/JCS, RUEKDL/CINCSTRIKE, RUCKCR/COMCRUDESLANT, ZEN/CINCLANT, RUECW/CNO, RUCKCR/ COMNAVAIRLANT, RULPC/USCINCSO, RUCKCR/COMSOLANT Ultra-secreto Cancelamento Ordem de Operação 26-64 CINCLANT A. CINCLANTFLT 312250Z MAR NOTAL 1. Cancele Ordem de Operação 26-64 CLF. 2. Essencial tomar todas as precauções para encobrir e dar recuo rápido em todas as operações. Ordene COMCARDIV 4 a completar reabastecimento de Kan-kakee, conforme programado, e depois dirigir-se à área de recuo rápido em grupo. Movimentos de Kankakee à discrição de COMSERVLANT. 3. Sugerir a COMCARDIV 4 fazer um ataque simbólico OPS 8 aproximadamente contra recuo rápido das forças para longe de MHC, simulando uma oposição imprevista e devolver unidades às operações normais. Leahy para se reunir a Quick Kick, como programado. Movimentos de COMCARDIV 4 à discrição de COMSECCONDFLT. GP-1. 031750Z abril 1964. Oficial de Serviço: WU/JKD * * * Chefes do Estado-Maior Conjunto Prioridade: Imediata 0 021722Z De: USCINCSO Para: RULPAK/COMUSARSO, RULBCR/COMUSNAVSO Citar: SC 23 14EO, RUEANF/COMUSAFSO, UULPPY/COMUSSCJTF Inform.: RUEKDA/JCS Distribuição limitada RUEKDL/CINCSTRIKE Ultra-secreto USSOUTHCOM MSG SC2303EO DTG 011900 abril 1964. Encerrar USSCJTF, Brasil, a partir de 022000Z abril 1964. GP-4. Informar: CJCS DJS NMCC OSD DIA SACSA 021722Z abril 1964 Oficial de serviço: TWC 7 Comunicado do Diretor de Operações da Força Aérea americana para a retirada da força-tarefa com porta-aviões das águas oceânicas do Atlântico Sul (3 abr. 1964) Chefes do Estado-Maior Conjunto Prioridade: Imediata Informação: Rotina Para: CINCLANT Inform.: USCINCSCO Distribuição limitada CINCSTRIKE, CSA, CNO, CSAF, CMC Ultra-secreto Assunto: Força-tarefa com porta-aviões Refs.: A. JCS 5574, DTG/311907Z; B. JCS 5587, DTG 312217Z 1. A situação atual no Brasil não exigirá a presença da força-tarefa com porta-aviões em águas oceânicas ao sul do país, conforme ordenado na referência A. 2. Por conseguinte, as instruções contidas na referência A ficam a partir de agora canceladas. As forças envolvidas serão reenviadas às áreas que se achar conveniente. 3. Continuar observando a referência B, no que diz respeito ao sigilo envolvendo esta operação. GP-3. 3 de abril de 1964 - 11h30min. F. T. Unger, General-de-Divisão USA Diretor de Operações DTG 031630Z abril 64. Preparado por: Capitão H. B. Stark, USN Instruções especiais: distribuição limitada JCS e mais: Casa Branca, Dep. de Estado, Secr. Defesa, ASD (ISA), CIA, NSA

Manifesto da Frente Ampla. Íntegra (1966)


27.10.1966



O manifesto da Frente Ampla, assinado por Carlos Lacerda, João Goulart e Juscelino Kubitschek, divulgado em 27 de outubro de 1966, foi um sintoma claro da rearticulação da oposição política ao regime militar e do isolamento crescente do governo. Juscelino, Lacerda e Jango haviam sido, respectivamente, os principais líderes do PSD, da UDN e do PTB, os três maiores partidos políticos existentes antes de 1964. Lacerda apoiara o golpe. Juscelino, ainda que timidamente, opusera-se a ele. Jango fora derrubado pelo movimento militar. Mas, apesar das trajetórias diferentes, os três tiveram seus direitos políticos cassados e acabaram se encontrando na oposição. O manifesto, amarrado a partir de um texto-base preparado por Lacerda, anuncia que, a partir daquele momento, os adversários de ontem estariam juntos para tentar forçar a redemocratização. Em vão. A Frente Ampla desapareceria após o AI-5. O MANIFESTO “Em nome do povo brasileiro vimos apresentar o protesto e a reivindicação que ele merece e exige. Representamos correntes de opinião que, juntas, reúnem a maioria do povo. Representamos, também, instituições que, perante a História, encarnamos pela mão do povo. Defendemos o voto e a lei, em função da ânsia de liberdade e do progresso social, cultural e econômico que caracteriza o Brasil moderno no mundo em mudança. Dessa representação nenhuma violência nos pode privar. E o povo precisa que seus líderes falem - para que em seu lugar não sejam ouvidos apenas os que têm medo do seu voto. Juntos, não somos a mera expressão de uma frente ocasional. Nosso encontro é mais importante do que as nossas pessoas. Temos o dever de dar voz ao povo silenciado. E definir, em seu favor, os rumos que, seja qual for o sacrifício pessoal a fazer, o povo tem o direito de exigir de todos os que tiveram ou aspiram a ter a honra de governá-lo. Há momento em que se unir para lutar por todos é a única forma de ser coerente. Assim, diante da invasão. Assim, também, diante da usurpação. Assim, na guerra. Assim, nessa guerra que o Brasil tem de enfrentar, a guerra contra o atraso, o pessimismo, o desalento. Essas forças negativas apropriaram-se do poder. O POVO precisa, unido, mobilizar-se para fazer triunfar a esperança de dias melhores. A nossa união, pessoalmente desinteressada, representando a superação de graves divergências e naturais ressentimentos, é respeitável precisamente porque não é manobra política e, sim, mandado de consciência. Não foi fácil o nosso encontro. Mas vale o esforço pelo resultado e pelo exemplo. Nossa pessoa é o que menos interessa. As ditaduras vivem da desunião dos que prezam mais as suas divergências do que a liberdade do povo. Por isto, mais do nunca, esquecemos o amor-próprio e a vaidade para falarmos juntos o que a grande maioria do povo sente, pensa e quer. O exílio e o ostracismo não bastam para exonerar-nos da condição de brasileiros e da obrigação de fixar rumos, ante a decepção e a angústia que se apoderaram do povo. Pode o arbítrio privar alguns ou muitos, segundo a maré do ódio ou as tortuosas conveniências do grupo dominante, do seu direito de influir nas decisões nacionais. Mas, não nos prova nem isenta dos nossos erros e capacidades; esses deveres têm de ser exercidos com lealdade e na hora oportuna, que é esta. Houve uma "eleição para a qual o povo não deu poderes a ninguém." Tem o povo o direito de saber o que pretendem fazer à sua custa os que se arvoram em tutores do Brasil. Não nos encontramos para o conformismo nem muito menos para a adesão, como fazem alguns que serviram conosco ou se serviram de nós, mas se ajuntam à usurpação e colaboram com a impostura sem olhar coerência e, sim, apenas conveniência. Numa hora de evasivas, trazemos uma afirmação. Numa hora de pretextos, trazemos motivação. Numa hora de violência, trazemos uma palavra de paz. Não uma paz imposta, mas uma paz consciente e livre. Não fazemos a apologia do passado. Nem crítica, nem autocrítica. Apenas ressaltamos que havia um esforço constante de aperfeiçoamento do tempo. Esse esforço recebeu a contribuição menor ou maior, no governo ou na oposição, dos signatários e de milhões de brasileiros. Hoje, essa conquista, renegada por alguns, é negada a todos. Depende do capricho de um e do arbítrio de alguns que tal capricho guiam, ao sabor de suas conveniências e peculiares interesses. Preocupa-nos, nos erros do presente, o comprometimento do futuro do Brasil. Renegar o esforço, já incorporado ao patrimônio do povo, de tantos anos de exemplos e lutas, é deixar no país a ferida aberta às infecções totalitárias. Essa tristeza, essa desalentada postura em que ele se encontra, não é senão a véspera do desespero, que leva a tudo. Já o protesto da mocidade brutalmente sufocada é a evidência da inevitável reação do povo. A eleição foi suprimida e, no entanto, era cada vez mais autêntica. Interrompê-la, agora, é um crime contra a eficácia do processo democrático em que erram os ditadores, os seus erros inevitáveis, mas os corrige pelo próprio uso dos instrumentos da democracia. Os ditadores raramente acertam onde o povo erra. E, quando erram os ditadores, o seu erro quem paga é o povo. Havia, e urge reacendê-lo, um impulso de fé e confiança do povo em suas próprias forças. Governar deve ser animar. Hoje, é deprimir. Governar deve ser mobilizar entusiasmos e capacidade. Hoje, é desconfiar e improvisar. Havia um certo otimismo criador sem o qual as nações se confessam de antemão vencidas. Esse otimismo precisa ser restaurado. Para isto é preciso substituir no poder os que desprezam o povo porque, não conseguindo inspirar confiança, são pessimistas, sistemáticos. A crise de confiança em nome da qual se derrubou um governo, suspeitado de pôr em perigo as eleições, tornou-se uma trágica realidade sob o atual governo, que acabou com as eleições. Como pode o povo confiar em quem nele não confia e, para não lhe dar vez, tomou-lhe o lugar? Revolução autêntica teria sido aquela que desse, há de ser aquela que dê ao povo maior participação, e não menor, nas decisões que marcam o seu destino. O povo não quer o que lhe dão, ou seja, um governo subserviente a decisões tomadas no exterior, hostil ao povo e temeroso do seu julgamento, usando abusivamente as armas da segurança nacional para coagi-lo e imobilizá-lo, implantando a insegurança, a descrença e a ansiedade em todas as classes e em todos os lares. As desculpas para um regime antidemocrático estão esgotadas. O Brasil repele tutelas e curatelas. Não há quem não estranhe que se pretenda converter o Brasil em arena para um prélio de oportunistas em busca de supremacia pessoal. Entre o messianismo teleguiado de uns e as evasivas táticas de outros, impõe-se o dever de falar e, com clareza, assumir compromissos e responsabilidades perante o único senhor deste país, que é o seu povo. As próprias decisões da política econômica, em cujo nome tantos crimes se cometem, exigem, para serem eficazes, essa garantia. Pois, como pode a opinião pública, nacional e internacional, confirmar o que desconhece, acreditar no que não se afirma, conhecer o que deliberadamente se pretende ocultar? Por tudo isso é que nos decidimos a traduzir as exigências do povo brasileiro. A ele devemos gratidão e fidelidade. Aos trabalhadores esmagados pela reação, que os expulsou da comunidade como se fossem párias. Foi-lhes negado voz para protestar e voto para decidir. São oprimidos pelo desemprego, pela perda crescente do seu poder aquisitivo, pelo congelamento dos salários, pela instabilidade que agrava a injustiça. Aos trabalhadores declaramos a nossa disposição de realizar essa união para defender o seu direito de existir e de aspirar a melhores condições de vida. Aos estudantes, para os quais a escola continua a ser escassa, nega-se até o direito de se manifestarem - nessa nação de jovens - com o entusiasmo e o altruísmo da juventude. Aos moços, declaramos o nosso propósito de, juntos, lutarmos para que eles tenham a oportunidade de influir e, participando, preparar-se para tomar conta do que é seu. Às mulheres, lembramos que os sentimentos religiosos foram explora- dos pelos que se atiram hoje contra a Igreja, à qual os usurpadores pretendem negar o cumprimento do dever de exprimir o protesto dos injustiçados e dar voz aos que foram silenciados. A elas e, em geral, à família brasileira, declaramos que a nossa aliança visa à garantia da paz dos povos livres, a paz dos povos confiantes, a grande paz generosa dos povos que deliberam e decidem, diferente da paz do medo, a paz das emboscadas e dos sofismas, a paz dos artifícios legais para destruir a legalidade, a falsa paz dos golpes retrógrados e das revoluções sem programa. Às classes médias, que se ampliavam e precisam crescer, como elemento e sintoma de equilíbrio e prosperidade numa sociedade democrática, hoje esmagadas e marginalizadas, lançamos esta palavra de convocação e união. Os empresários, os quadros. dirigentes da administração pública e privada, os que dispõem de recursos para investir e tentam formar a poupança para acelerar a formação do capital nacional são menosprezados, mantidos em suspeita, tratados como se alguns ocupantes do poder tivessem o monopólio da integridade e da competência. Aos que criam a riqueza negam tudo, a começar pelo crédito. Mas tudo se concede a quem, vindo de fora, compra o que os brasileiros já não podem manter ou já não se animam a fazer; e, a título de assessorar os instrumentos dessa ocupação branca, dirigem a nação. Quanto mais se improvisa mais se mente ao país, que só pela verdade terá salvação. É a longa experiência, contraditória e sofrida desses brasileiros todos, de todas as classes e setores, que nós reclamamos seja ouvida e respeitada. Incluímos, naturalmente, os militares, cuja tradição democrática não permite que apoiem a usurpação dos direitos do povo. O conceito moderno de segurança nacional inclui as Forças Armadas como participantes ativas do desenvolvimento econômico, pelo aproveitamento econômico, pelo aproveitamento de seus quadros em tempo de paz. Nem isso fez o governo, no entanto chefiado por um militar que promove o divórcio entre o povo civil e militar. O regime vigente que só se define pela negativa, dizendo-se "anti-subversivo" e “anticorrupto” é antidemocrático e antinacional. Pelo arbítrio, subverte e, pela coação, corrompe. O espírito retrógrado, a política anacrônica, a subserviência a decisões estranhas ao interesse nacional, a mentalidade reacionária não são a defesa adequada contra o que a maioria repele. Muito menos num país cujo ímpeto é progredir sem prevenções nem subordinações espúrias. Impor-se ao povo pela força é convencer o povo de que só pela força ele pode recuperar os direitos que lhe foram arrebatados. Não é possível que a força armada seja o único instrumento de constituição e funcionamento de um governo. Não se pode aceitar que oitenta milhões de criaturas sejam dirigidas pela coação e pela intimidação. Se o "vácuo político" é que deu ensejo à ocupação do poder pelas armas, é templo de unir o povo - todo o povo, civil e militar -, para acabar com essa anomalia e colocar o Brasil no caminho da democracia. Revolução não quer dizer "recuo" nem "deformação", quer dizer transformação". A nossa voz é de protesto e advertência em favor de uma saída democrática para o Brasil - enquanto é tempo. Não queremos a volta ao passado. O que nos move não é a nostalgia nem a vendeta. Queremos para o Brasil sempre o melhor. Por isto mesmo é que as vozes que lhe deram o exemplo de sua capacidade de luta e afirmação, até os extremos da desunião, unem-se agora para dizer aos brasileiros que é tempo de acabar com a impostura dos falsos salvadores da Pátria da Democracia. Porque o nosso pronunciamento é de união do povo, por convicção e não pela ambição pessoal ou mero oportunismo, cada palavra que escrevemos é medida e visa a exprimir a realidade sentida e vivida pelo nosso povo. Tudo o que nos separou e pode ainda distinguir aspectos peculiares de nossas convicções, modos de ser e agir, cede ao que é mais profundo e per- manente em cada brasileiro, o mesmo sentimento da pátria e o mesmo dever para com o povo que governamos e continuamos a representar. Reclamamos para o Brasil a instalação de um regime democrático que considere as transformações do mundo atual e seja fiel às peculiaridades nacionais, de forma a permitir a real participação política de todos os setores do povo. É necessário convocar, a curto prazo, eleições livres pelo voto secreto e direto. Exigimos respeito às garantias jurídicas e aos direitos individuais. Sobretudo, proteção à pessoa humana, livre de toda coação senão a da lei livre mente elaborada e sancionada por representantes livremente eleitos pelo povo. Consideramos indispensável uma reforma dos partidos e das instituições, para que representem, de fato e de direito, os interesses do povo e não sejam mecanismos frios, vazios de conteúdo, impostos por tutores e não propostos por líderes democráticos. Será o único meio de contar a nação com instituições e partidos autênticos, capazes de não serem empolgados por minorias sociais, grupos financeiros ou forças internacionais. Afirmamos que a política econômica deve ser inequivocamente ditada só pelo interesse nacional. Nem política "de choques", nem "gradualista". Estas partem de uma noção falsa, a de que o maior, senão único problema é "salvar" a moeda. Depois do malogro dessa política continuam a insistir na tônica errada como se o erro fosse apenas de aplicação e não de concepção. O que está errado é confundir com inflação os investimentos e despesas indispensáveis à aceleração do desenvolvimento - sem a qual o país passa da pobreza à miséria, com todas as suas conseqüências. Perdendo a nação, não se salva nem a moeda. Não adianta, pois, tentar salvar a moeda condenando a nação à estagnação e o povo ao desespero. O desenvolvimento econômico é o objetivo central da política que propomos. Não tem cabimento adotar fórmulas rígidas concebidas para países ricos e impostas a países que ainda não enriqueceram. A política econômica para o Brasil tem de visar à expansão do mercado interno, melhores salários para aumentar a capacidade de consumo e incorporação dos setores rurais marginalizados do processo econômico. A ajuda estrangeira não pode continuar a ser a panacéia, com que nos acenam como pretexto para reduzir a capacidade de consumo e a expansão econômica brasileira dentro de suas próprias fronteiras. Internamente, não se trata de apelar para os ricos nem se queixar porque não dão esmola bastante aos pobres, e sim dar apoio afetivo à criação da riqueza nacional. Isso se consegue pela defesa intransigente dos preços dos produtos que exportamos, pela prioridade nos investimentos e, sobretudo, pela necessidade de fazê-los a curto, médio e longo prazo, segundo prioridade e metas devidamente programadas. Não advogamos a causa da inflação. Essa é crônica e não tem nem precisa ter dia marcado para acabar. Se não foi extinta com a política do desenvolvimento também não o foi nem será com a política da estagnação. Nenhum país ainda pobre resolveu seus problemas com a política imposta pelo FMI. Ao contrário. Seus resultados, no Brasil, em dois anos e sete meses, são: desestímulo, desorientação, desemprego, decadência, desordem e desespero. Aos ricos promete-se, agora, que ficarão mais ricos. Mas ao mesmo tempo são ameaçados de novas taxações. Pois o regime que prometeu estímulo à iniciativa privada declarou guerra ao lucro. Enquanto isso, os pobres já não têm o que comer e os remediados se empobrecem. Só o Estado, pela arrecadação dos impostos, enriquece. E ainda assim apenas na aparência. O “equilíbrio” orçamentário não inclui o indispensável aumento dos vencimentos civis e militares, o que basta para mostrar a falsidade. O “saldo” de divisas é apenas o resultado da “falta” de importações por estagnação econômica. A obsessão de “primeiro arrumar a casa” financeiramente leva a destruí la economicamente. Não é por meras evasivas que se pode contornar a necessidade de uma definição que exige audácia, confiança e o indispensável apoio popular. A política econômica a seguir deve basear-se nos recursos nacionais. A contribuição estrangeira deve ser condicionada à sua utilidade real e não às margens da “ajuda” de fora. O atual governo descapitaliza as forças da produção, contém salários enquanto os preços disparam, nega o crédito e aumenta o custo do dinheiro. É mais certo sacar sobre o futuro numa nação que tem futuro, do que entregá-lo ao domínio de interesses estranhos aos que trabalham e vivem no Brasil. O tamanho, as dimensões, a diversidade do país impõem a descentralização das aplicações da política econômica. Urge promover autonomia de iniciativa, mantendo-se a ação federal num número estrito, mas indispensável, de atividades decisivas na promoção do desenvolvimento. Para eliminar os focos da inflação crônica é preciso retomar, com as lições da experiência, um esforço intenso de modernização do país e conquista de eficiência econômica. A elaboração de um programa assim concebido, que está na consciência de todos, deve concluir pela formação e aplicação de um Projeto Brasileiro. Este deve ter um sentido de confiança, abandonando corajosamente os erros e com igual coragem aproveitando o que há de válido nas experiências anteriores. A tarefa a realizar no programa econômico, do qual o financeiro é mero complemento, só será exeqüível se com ela se comprometerem governos, empresários, trabalhadores, militares, o povo inteiro, em verdadeiro movimento político de mobilização nacional. Todo esforço nacional externa e internamente deve concentrar-se nesse programa. Urge repor o processo de desenvolvimento brasileiro em termos de confiança no esforço nacional, na expansão do mercado interno, na mobilização do povo brasileiro para aumentar a produção e melhorar a produtividade. Os investimentos reprodutivos,, quer financeiros quer sociais, não devem ser retardados. Ao contrário, acelerados, só assim se poderá reabsorver o excesso de moeda emitida com acréscimo de riqueza produzida. É preciso, portanto, que a política econômica seja lastreada pelo apoio popular. Este não pode ser mobilizado pelos que desconfiam do povo e o temem a ponto de marginalizá-lo do processo político. Afirmamos a necessidade de adotar uma política externa que exclua o Brasil, expressamente, de participação em qualquer bloco político-militar. Acreditamos que o Brasil, nação emergente, mas que já começa a pesar na balança do poder mundial, não pode ser mero apêndice de quaisquer blocos políticos-militares. O único compromisso do Brasil deve ser com a preservação da raça humana, sem discriminação racial sob pretexto nenhum e sem paternalismos de nações sobre nações, e com o desenvolvimento econômico, social e cultural de cada um e de todos os povos. Afirmamos a necessidade de rever e atualizar o conceito de segurança nacional, de modo a que as Forças Armadas participem desse esforço. Insistimos na necessidade de formular uma doutrina militar própria do Brasil, atualizada em relação às suas tarefas em tempo de paz, visando ao bem-estar do povo e pleno exercício da soberania nacional. Reivindicamos a discussão, a proposição de uma política de reformas nas estruturas sociais e econômicas que retardam a aceleração do progresso nacional e a ascensão das forças do trabalho. Esta deve ser a tônica de uma política de paz e reforma democrática para acelerar o desenvolvimento. O Brasil precisa recuperar-se do atraso que lhe vem sendo imposto por pretextos e manobras que não conseguem esconder seu fundo obscurantista. Tais reformas devem atender a quatro imperativos. O da justiça, no plano social. O da produtividade, no plano econômico. O da consolidação da soberania, no plano nacional. O da unidade básica do povo, para assegurar o fortalecimento da regra democrática: o livre debate, a predominância da maioria, o respeito às minorias e ao seu direito de se transformar em maioria, a convivência dos contrários. Essas reformas devem ser examinas com objetividade e franqueza, sem preconceitos nem sectarismos. Queremos soluções práticas, ajustadas às tradições e às aspirações nacionais. Damos especial ênfase à reforma administrativa, na qual se impõe uma política de preparação de quadros capaz de garantir a execução harmônica e coerente das grandes etapas do crescimento nacional. Reivindicamos o debate, proposição e aplicação de uma política de educação e ensino que atenda, também, a esses critérios; consagre a síntese entre a tradição cristã e a humanista e dê prioridade à revolução tecnológica, a fim de que o Brasil possa acelerar o passo. O atraso tecnológico de uma nação como o Brasil aumenta os riscos do desaparecimento da soberania nacional e põe em perigo, por isto mesmo, a paz mundial; pois uma nação não se submete sem luta; e a luta, nesse caso inevitável, seria o começo de uma conflagração continental. Não pode o Brasil conformar-se com o papel de satélite tecnológico. É parte essencial da luta pelo desenvolvimento o esforço pela atualização da ciência no Brasil. Queremos que a nação reúna a experiência dos conservadores, a prudência dos moderadores, a esperança dos inconformados, a audácia dos reformadores. Tudo isso unido pela aspiração comum de “democratização” e “afirmação nacional” do Brasil. Só assim se poderá recuperar o tempo perdido e dar agora, em poucos anos de esforço, paciência e fé, o grande salto sobre o atraso que atormenta os brasileiros. Depois de tantas lutas malogradas, de tantos sacrifícios e tantos êxitos desperdiçados, só um gesto de grandeza, capaz de superar nossas fraquezas e deficiências, será capaz de guiar o povo para encontrar o seu caminho fora do labirinto de silêncio, intrigas e pretextos em que a nação se perdeu. Se para a recomendação e adoção de tais diretrizes o simples amor ao Brasil é capaz de inspirar este entendimento entre adversários, de prodígios bem maiores será capaz o povo mobilizado e organizado, uma vez recuperada a esperança que perdeu. Com esse entendimento procuramos dar exemplos de grandeza. Possa o sentimento de dever com a pátria inspirar todos os brasileiros para que juntos consigamos o que separados não poderíamos fazer. Pela união popular para libertar, democratizar, modernizar e desenvolver o Brasil!”

Ato Institucional nº 5 (AI-5). Íntegra (1968)


13.12.1968



No final de 1968, a ditadura enfrentava enorme isolamento. As manifestações estudantis daquele ano haviam reduzido a quase zero o apoio do regime militar na classe média. As greves de Osasco e de Contagem, bem como a articulação do Movimento Intersindical contra o Arrocho, sinalizavam a retomada das lutas operárias, enquanto a oposição política, agrupada na Frente Ampla e no MDB, tornava-se mais crítica. O isolamento acabou favorecendo o crescimento, dentro das Forças Armadas, da chamada “linha dura”, que passou a defender o fechamento político completo e a agir de forma cada vez mais audaciosa, chegando ao ponto de planejar uma série de atentados terroristas contra a população, com o objetivo de lançar a culpa na esquerda e forçar o fechamento político (episódio Para-Sar). No segundo semestre de 1968, essa corrente, que no meio civil era representada principalmente pelo ministro da Justiça, Gama e Silva, passou à ofensiva. Sob o pretexto de que o deputado Márcio Moreira Alves (MDB-GB) pronunciara um discurso ofensivo ao Exército, exigiu da Câmara licença para que ele fosse processado - na prática, a cassação de seu mandato. Diante da negativa da Câmara, o marechal Costa e Silva editou o AI-5 - o golpe dentro do golpe, o regime da ditadura sem freios. Desencadeou-se feroz repressão política em todo o país, com a supressão de todas as liberdades democráticas e a institucionalização da tortura contra os opositores do governo. O Congresso foi fechado e dezenas de parlamentares, cassados. O Supremo Tribunal Federal sofreu intervenção, com o afastamento de vários ministros. A censura instalou-se em todas as redações de jornais. O AI-5 só foi revogado em 1979, no final do governo do general Ernesto Geisel. “O presidente da República Federativa do Brasil, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e: Considerando que a Revolução Brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao país um regime que, atendendo as exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, “os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa Pátria” (Preâmbulo do Ato Institucional no 1 de 9 de abril de 1964); Considerando que o governo da República, responsável pela execução daqueles objetivos e pela ordem e segurança internas, só não pode permitir que pessoas ou grupos anti-revolucionários contra ela trabalhem, tramem ou ajam, sob pena de estar faltando a compromissos que assumiu com o povo brasileiro, bem como porque o Poder Revolucionário, ao editar o Ato Institucional no 2, afirmou categoricamente, que “não se disse que a Revolução foi, mas que é e continuará” e, portanto, o processo revolucionário em desenvolvimento não pode ser detido; Considerando que esse mesmo Poder Revolucionário, exercido pelo presidente da República, ao convocar o Congresso Nacional para discutir, votar e promulgar a nova Constituição, estabeleceu que esta, além de representar “a institucionalização dos ideais e princípios da Revolução”, deveria “assegurar a continuidade da obra revolucionária” (Ato Institucional no 4, de 7 de dezembro de 1966); Considerando que, assim, se torna imperiosa a adoção de medidas que impeçam sejam frustrados os ideais superiores da Revolução, preservando a ordem, a segurança, a tranqüilidade, o desenvolvimento econômico e cultural e a harmonia política e social do País comprometidos por processos subversivos e de guerra revolucionária; Considerando que todos esses fatos perturbadores da ordem são contrários aos ideais e à consolidação do Movimento de março de 1964, obrigando os que por ele se responsabilizaram e juraram defendê-lo a adotarem as providências necessárias, que evitem sua destruição. Resolve editar o seguinte: Ato institucional Art. 1o São mantidas a Constituição de 24 de janeiro de 1967 e as Constituições Estaduais, com as modificações constantes deste Ato Institucional. Art. 2o O presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sítio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo presidente da República. § 1o Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios. § 2o Durante o período de recesso, os senadores, os deputados federais e estaduais e os vereadores só perceberão a parte fixa de seus subsídios. § 3o Em caso de recesso da Câmara Municipal, a fiscalização financeira e orçamentária dos municípios que não possuam Tribunal de Contas será exercida pelo do respectivo Estado, estendendo sua ação às funções de auditoria, julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos. Art. 3o O presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos estados e municípios, sem as limitações previstas na Constituição. Parágrafo único. Os interventores nos estados e municípios serão nomeados pelo presidente da República e exercerão todas as funções e atribuições que caibam, respectivamente, aos governadores ou prefeitos, e gozarão das prerrogativas, vencimentos e vantagens fixadas em lei. Art. 4o No interesse de preservar a Revolução, o presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais. Parágrafo único. Aos membros dos Legislativos federal, estaduais e municipais, que tiverem os seus mandatos cassados não serão dados substitutos, determinando-se o quorum parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos. Art. 5o A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa simultaneamente, em: I. cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função; II. suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais; III. proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de segurança: a) liberdade vigiada; b) proibição de freqüentar determinados lugares; c) domicílio determinado. § 1o O ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados. § 2º As medidas de segurança de que trata o item IV deste artigo serão aplicadas pelo ministro de estado da Justiça, defesa a apreciação de seu ato pelo Poder Judiciário. Art. 6o Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por prazo certo. § 1o O presidente da República poderá, mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou por em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo, assim como empregados de autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar militares ou membros das polícias militares, assegurados, quando for o caso, os vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço. § 2o O disposto neste artigo e seu § 1o aplica-se, também, nos estados, municípios, Distrito Federal e territórios. Art. 7o O presidente da República, em qualquer dos casos previstos na Constituição, poderá decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, fixando o respectivo prazo. Art. 8o O presidente da República poderá, após investigação, decretar o confisco de bens de todos quantos tenham enriquecido licitamente, no exercício de cargo ou função pública, inclusive de autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, sem prejuízo das sanções penais cabíveis. Parágrafo único. Provada a legitimidade da aquisição dos bens far-se-á a sua restituição. Art. 9o. O presidente da República poderá baixar Atos Complementares para a execução deste Ato institucional, bem como adotar, se necessário à defesa da Revolução, as medidas previstas nas alíneas “d” e “e” do § 2o do artigo 152 da Constituição. Art. 10 Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. Art. 11 Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato Institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos. Art. 12 O presente Ato Institucional entra em vigor nesta data, revogadas as disposições em contrário. Brasília, 13 de dezembro de 1968; 147o da Independência e 80o da República.” [Ass.] A. Costa e Silva; Luís Antônio da Gama e Silva; Augusto Hamann Rademaker Grunewald; Aurélio de Lyra Tavares; José de Magalhães Pinto; Antônio Delfim Netto; Mário David Andreazza; Ivo Arzua Pereira; Tarso Dutra; Jarbas G. Passarinho; Márcio de Souza e Mello; Leonel Miranda; José Costa Cavalcanti; Edmundo de Macedo Soares; Hélio Beltrão; Afonso de A. Lima; Carlos F. de Simas.

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