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À beira do confronto militar. Telegrama do general Cordeiro de Farias (1961)


04/09/1961



Diante da decisão do comandante do III, general Machado Lopes, de resistir ao golpe militar contra a posse de João Goulart, o ministro da Guerra demite-o do cargo e nomeia para o seu lugar o general Cordeiro de Farias. Machado Lopes avisa que prenderia Cordeiro de Farias se ele fosse para o Rio Grande do Sul e comunica que só receberia ordens do presidente constitucional. Em seguida, manda suas tropas avançarem rumo ao centro do país. Cordeiro de Farias, envia então a Machado Lopes o telegrama abaixo. Curioso é que ele é datado de 4 de setembro, mas já no dia 2 surgira uma solução política para a crise: o Congresso votara a emenda parlamentarista, aceita pelos dois lados. Jango seria empossado presidente a 7 de setembro mas com poderes limitados. “General Machado Lopes Porto Alegre - RS 4 de setembro de 1961 Hora: 14 horas Recebi sua mensagem. Desde ontem à noite, quando soube deslocamento para o norte suas tropas comuniquei-me Rio tendo recebido instruções defender-me posição ocupo. Tenho ordens não iniciar hostilidades mas simplesmente reagir quando atacado ou tentarem colocar-me situação militar que me impeça posteriormente exercer direito legítimo defesa. Minha força obediente Governo dentro de um sistema legal em transição virtude resolução soberana Congresso. Nessas condições estranho deslocamento suas tropas porquanto não há se Vossa Excelência está dentro legalidade razões cobertura defensiva, visando ações contra forças que obedientes seus respectivos ministros estão agindo rigidamente dentro preceitos constitucionais. Permita-me Vossa Excelência que estranhe ainda que não tenha sido por sua parte cumprida ordem emanada Senhor Presidente da República de recolher Rio Grande tropa que por instruções suas se deslocou para Santa Catarina. Permita-me finalmente que lhe diga que enquanto eu dentro da cadeia normal de comando estou obedecendo ordens dos meus superiores acionado pelo meu Ministro com conhecimento e autorização do Senhor Presidente da República Vossa Excelência que afirma estar dentro da legalidade desconhece as autoridades legalmente constituídas do Brasil, a começar pelo Ministro da Guerra. Dentro dessas condições se por insistência de ordens de Vossa Excelência for desencadeada guerra civil a responsabilidade será exclusivamente sua.”

O incendiário discurso do cabo Anselmo (1964)


25/03/1964



No dia 25 de março de 1964, poucos dias antes do golpe militar que derrubou João Goulart, o presidente da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil, fez um veemente discurso durante ato comemorativo do segundo aniversário da entidade. O discurso teve grande repercussão e, para pressionar o comando da Marinha a rever as punições aplicadas contra 12 dirigentes da AMFNB, a entidade resolveu transformar a comemoração em assembléia permanente, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro. Fuzileiros navais enviados ao local para debelar a sublevação uniram-se aos amotinados, abrindo uma gravíssima crise na Marinha. O movimento só foi sufocado com a ajuda de tropas da Polícia do Exército, mas Jango deu mão forte aos marinheiros. Substituiu o ministro da Marinha e mandou libertar os marujos. Dias depois, era deposto. O cabo Anselmo foi preso logo depois do golpe de 64, mas conseguiu escapar da cadeia, exilando-se, primeiro no Uruguai e depois em Cuba. Retornou clandestinamente ao Brasil em 1970, sendo preso menos de um ano depois. Na prisão, mudou de lado e, a partir daí, passou a trabalhar para a polícia como agente infiltrado, tendo sido responsável pela prisão e morte de inúmeros militantes das organizações revolucionárias que combateram o regime militar. É a seguinte a íntegra do discurso: “Aceite, Senhor Presidente, a saudação dos marinheiros e fuzileiros navais do Brasil, que são filhos e irmãos dos operários, dos camponeses, dos estudantes, das donas de casa, dos intelectuais e dos oficiais progressistas das nossas Forças Armadas; Aceite, Senhor Presidente, a saudação daqueles que juraram defender a Pátria, e a defenderão se preciso for com o próprio sangue dos inimigos do povo: latifúndio e imperialismo; Aceite, Senhor Presidente, a saudação do povo fardado que, com ansiedade, espera a realização efetiva das reformas de base, que libertarão da miséria os explorados do campo e da cidade, dos navios e dos quartéis. Brasileiros civis e militares! Meus companheiros! A Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil completa, neste mês de março, o seu segundo aniversário. E foram as condições históricas, a fome, as discriminações, os anseios de liberdade, as perseguições e as injustiças sofridas, que determinaram a criação de uma sociedade civil, realmente independente, com a finalidade de unir, através da educação, da cultura e da recreação, os marinheiros e fuzileiros navais do Brasil. Autoridades reacionárias, aliadas ao antipovo, escudadas nos regulamentos arcaicos e em decretos inconstitucionais, a qualificam de entidade subversiva. Será subversivo manter cursos para marinheiros e fuzileiros? Será subversivo dar assistência médica e jurídica? Será subversivo visitar a Petrobrás? Será subversivo convidar o Presidente da República para dialogar com o povo fardado? Quem tenta subverter a ordem não são os marinheiros, os soldados, os fuzileiros, os sargentos e os oficiais nacionalistas, como também não são os operários, os camponeses e os estudantes. A verdade deve ser dita. Quem, neste País, tenta subverter a ordem são os aliados das forças ocultas, que levaram um Presidente ao suicídio, outro à renúncia, e tentaram impedir a posse de Jango e agora impedem a realização das reformas de base; quem tenta subverter são aqueles que expulsaram da gloriosa Marinha o nosso diretor, em Ladário, por ter colocado na sala de reuniões um cartaz defendendo o monopólio integral do petróleo; quem tenta subverter a ordem são aqueles que proibiram os marujos do Brasil, nos navios, de ouvir a transmissão radiofônica do comício das reformas. Somos homens fardados. Não somos políticos. Não temos compromissos com líderes ou facções partidárias. Entretanto, neste momento histórico, afirmamos o nosso entusiástico apoio ao decreto da Supra, ao da encampação da Capuava e demais refinarias particulares, e ao do tabelamento dos aluguéis. Aguardamos, aliados ao povo, que o Governo Federal continue a tomar posições em defesa da bolsa dos trabalhadores e da emancipação econômica do Brasil. Na data de hoje comemoramos o nosso segundo aniversário, isto é, o aniversário da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil. Ao nosso lado estão os irmãos das outras armas: sargentos do Exército e da Aeronáutica, soldados, cabos e sargentos da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros. Estão, também, companheiros da mesma luta, os sargentos da nossa querida Marinha de Guerra do Brasil. Aqui, sob o teto libertário do Palácio do Metalúrgico, sede do glorioso e combativo Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos do Estado da Guanabara, que é como o porto em que vem ancorar o encouraçado de nossa Associação, selamos a unidade dos marinheiros, fuzileiros, cabos e sargentos da Marinha com os nossos irmãos militares do Exército e da Aeronáutica, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, e com os nossos irmãos operários. Esta unidade entre militares e operários completa-se com a participação dos oficiais nacionalistas e progressistas das três armas na comemoração da data aniversária de nossa Associação. Nós, marinheiros e fuzileiros, que almejamos a libertação de nosso povo, assinalamos que não estamos sozinhos. Ao nosso lado, lutam, também, operários, camponeses, estudantes, mulheres, funcionários públicos e a burguesia progressista; enfim, todo o povo brasileiro. Nosso empenho é para que sejam efetivadas as reformas de base, Reformas que abrirão largos caminhos na redenção do povo brasileiro. Eis por que, do alto desta tribuna do Palácio do Metalúrgico, afirmamos à Nação que apoiamos a luta do Presidente da República em favor das reformas de base. Aplaudimos com veemência a Mensagem Presidencial enviada ao Congresso de nossa Pátria. Clamamos aos deputados e senadores que ouçam o clamor do povo, exigindo as reformas de base. Ainda esperamos que o Congresso Nacional não fique alheio aos anseios populares. E com urgência reforme a Constituição de 1946, ultrapassada no tempo, a fim de que, extinguindo o § 16 do art. 141, possa realmente, no Brasil, se fazer uma reforma agrária. Dizemos que somos contrários à indenização prévia em dinheiro para desapropriações. O bem-estar social não pode estar condicionado aos interesses do Clube dos Contemplados. É necessário que se reforme a Constituição para estender o direito de voto aos soldados, cabos, marinheiros e aos analfabetos. Todos os alistáveis deverão ser elegíveis, para que novamente não ocorra a injustiça como a cometida contra o sargento Aimoré Zoch Cavalheiro. Em nossos corações de jovens marujos palpita o mesmo sangue que corre nas veias do bravo marinheiro João Cândido, o grande Almirante Negro, e seus companheiros de luta que extinguiram a chibata na Marinha. Nós extinguiremos a chibata moral, que é a negação do nosso direito de voto e de nossos direitos democráticos. Queremos ver assegurado o livre direito de organização, de manifestar o pensamento, de ir e vir. Defendemos intransigentemente os direitos democráticos e lutamos pelo direito de viver como seres humanos. Queremos, na prática, a aplicação do princípio constitucional: "Todos são iguais perante a lei". Nós, marinheiros e fuzileiros navais, reivindicamos: reforma do Regulamento Disciplinar da Marinha, regulamento anacrônico que impede até o casamento; não interferência do Conselho de Almirantado nos negócios internos da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil; reconhecimento pelas autoridades navais da AMFNB; anulação das faltas disciplinares que visam apenas a intimidar os associados e dirigentes da AMFNB; estabilidade para os cabos, marinheiros e fuzileiros; ampla e irrestrita anistia aos implicados no movimento de protesto de Brasília. Iniciamos esta luta sem ilusões. Sabemos que muitos tombarão para que cada camponês tenha direito ao seu pedaço de terra, para que se construam escolas, onde os nossos filhos possam aprender com orgulho a História de uma Pátria nova que começamos a construir, para que se construam fábricas e estradas por onde possam transitar nossas riquezas. Para que o nosso povo encontre trabalho digno, tendo fim a horda de famintos que morrem dia a dia sem ter onde trabalhar nem o que comer. E sobretudo para que a nossa Bandeira verde e amarela possa cobrir uma terra livre onde impere a paz, a igualdade e a justiça social.”

Basta e Fora - dois editoriais do Correio da Manhã


31/03/1964



Os dois editoriais que se transcreve a seguir são um retrato do clima existente em boa parte da imprensa brasileira no momento do golpe de 64 e uma demonstração clara do isolamento político de João Goulart. Afinal, o “Correio da Manhã”, um dos mais influentes jornais do país à época, não era conservador, tanto que, em 1961, defendera a posse de Jango. Sua agressiva campanha contra o presidente indicava claramente o deslocamento político ocorrido na classe média durante aquele período. Jango estava liquidado. A ditadura militar estava começando. O “Correio da Manhã” não teria vida longa. Logo estaria na oposição à ditadura e sofreria fortes represálias. Como jornal independente, resistiu até o AI-5. “Basta!” (31 mar. 1964) Até que ponto o Presidente da República abusará da paciência da Nação? Até que ponto pretende tomar para si, por meio de decretos-lei, a função do Poder Legislativo? Até que ponto contribuirá para preservar o clima de intranqüilidade e insegurança que se verifica presentemente, na classe produtora? Até quando deseja levar ao desespero, por meio da inflação e do aumento do custo de vida, a classe média e a classe operária? Até que ponto quer desagregar as Forças Armadas por meio da indisciplina que se torna cada vez mais incontrolável? Não é possível continuar neste caos em todos os sentidos e em todos os setores. Tanto no lado administrativo como no lado econômico e financeiro. Basta de farsa. Basta da guerra psicológica que o próprio Governo desencadeou com o objetivo de convulsionar o País e levar avante a sua política continuísta. Basta de demagogia, para que, realmente, se possam fazer as reformas de base. Quase todas as medidas tomadas pelo Sr. João Goulart, nestes últimos tempos, com grande estardalhaço, mas inexeqüíveis, não têm outra finalidade senão a de enganar a boa-fé do povo, que, aliás, não se enganará. Não é tolerável esta situação calamitosa provocada artificialmente pelo Governo, que estabeleceu a desordem generalizada, desordem esta que cresce em ritmo acelerado e ameaça sufocar todas as forças vivas do país. Não contente de intranqüilizar o campo, com o decreto da Supra, agitando igualmente os proprietários e os camponeses, de desvirtuar a finalidade dos sindicatos, cuja missão é a das reivindicações de classe, agora estende a sua ação deformadora às Forças Armadas, destruindo de cima a baixo a hierarquia e a disciplina, o que põe em perigo o regime e a segurança nacional. A opinião pública recusa uma política de natureza equívoca que se volta contra as instituições, cuja guarda deveria caber ao próprio Governo Federal. Queremos o respeito à Constituição. Queremos as reformas de base votadas pelo Congresso. Queremos a intocabilidade das liberdades democráticas. Queremos a realização das eleições em 1965. Se o Sr. João Goulart não tem a capacidade para exercer a presidência da República e resolver os problemas da Nação dentro da legalidade constitucional, não lhe resta outra saída senão entregar o Governo ao seu legítimo sucessor. É admissível que o Sr. João Goulart termine o seu mandato de acordo com a Constituição. Este grande sacrifício de tolerá-lo até 1966 seria compensador para a democracia. Mas, para isto, o Sr. João Goulart terá de desistir de sua política atual, que está perturbando uma Nação em desenvolvimento e ameaçando de levá-la à guerra civil. A Nação não admite nem golpe nem contragolpe. Quer consolidar o processo democrático para a concretização das reformas essenciais de sua estrutura econômica. Mas não admite que seja o próprio Executivo, por interesses inconfessáveis, quem desencadeie a luta contra o Congresso, censure o rádio, ameace a imprensa e, com ela, todos os meios de manifestações do pensamento, abrindo o caminho à ditadura. Os Poderes Legislativo e Judiciário, as classes armadas, as forças democráticas devem estar alertas e vigilantes e prontos para combater todos aqueles que atentarem contra o regime. O Brasil já sofreu demasiado com o Governo atual. Agora, basta!” “Fora!” (1o abr. 1964) “Art. 83. Parágrafo único. O Presidente da República prestará, no ato da posse, este compromisso: "Prometo manter, defender e cumprir a Constituição da República, observar as suas leis, promover o bem geral do Brasil, sustentar-lhe a união, a integridade e a independência". Este foi o juramento prestado pelo Sr. João Goulart no dia 7 de setembro de 1961, perante o Congresso Nacional. Jurou e não cumpriu. Não é mais Presidente da República. Fora! A Nação não mais suporta a permanência do Sr. João Goulart à frente do Governo. Chegou ao limite final a capacidade de tolerá-lo por mais tempo. Não resta outra saída ao Sr. João Goulart senão a de entregar o Governo ao seu legítimo sucessor. Só há uma coisa a dizer ao Sr. João Goulart: saia. Durante dois anos o Brasil agüentou um Governo que paralisou o seu desenvolvimento econômico, primando pela completa omissão, o que determinou a completa desordem e a completa anarquia no campo administrativo e financeiro. Quando o Sr. João Goulart saiu de seu neutro período de omissão foi para comandar a guerra psicológica e criar o clima de intranqüilidade e de insegurança, que teve o seu auge na total indisciplina que se verificou nas Forças Armadas. Isto significou e significa um crime de alta traição contra o regime, contra a República, que ele jurou defender. O Sr. João Goulart iniciou a sedição no País. Não é possível continuar no poder. Jogou os civis contra os militares e os militares contra os próprios militares. É o maior responsável pela guerra fratricida que se esboça no território nacional. Por ambição pessoal, pois sabemos que o Sr. João Goulart é incapaz de assimilar qualquer ideologia, ele quer permanecer no Governo a qualquer preço. Todos nós sabemos o que representa de funesto uma ditadura no Brasil, seja ela de direita ou de esquerda, porque o povo, depois de uma larga experiência, reage e reagirá com todas as suas forças no sentido de preservar a Constituição e as liberdades democráticas. O Sr. João Goulart não pode permanecer na presidência da República, não só porque se mostrou incapaz de exercê-la, como também porque conspirou contra ela, como se verificou pelos seus últimos pronunciamentos e seus últimos atos. Foi o Sr. João Goulart quem iniciou de caso pensado uma crise política, social e militar, depois de ter provocado a crise financeira, com a inflação desordenada e o aumento do custo de vida em proporções gigantescas. Qualquer ditadura, no Brasil, representa o esmagamento de todas as liberdades, como aconteceu no passado e como tem acontecido em todos os países que tiveram a desgraça de vê-la vitoriosa. O Brasil não é mais uma nação de escravos. Contra a desordem, contra a mazorca, contra a perspectiva de ditadura, criada pelo próprio Governo atual, opomos a bandeira da legalidade. Queremos que o Sr. João Goulart devolva ao Congresso, devolva ao povo o mandato que ele não soube honrar. Nós do Correio da Manhã defendemos intransigentemente em agosto e setembro de 1961 a posse do Sr. João Goulart, a fim de manter a legalidade constitucional. Hoje, como ontem, queremos preservar a Constituição. O Sr. João Goulart deve entregar o Governo ao seu sucessor, porque não pode mais governar o País. A Nação, a democracia e a liberdade estão em perigo. O povo saberá defendê-las. Nós continuaremos a defendê-las.”

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