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Aos revolucionários do Brasil


06/11/1930



Luís Carlos Prestes no Rio de Janeiro, 1935Em 6 de novembro de 1930, duas semanas depois da deposição de Washington Luiz, veio a público o manifesto “Aos revolucionários do Brasil”, de Luiz Carlos Prestes, então exilado em Buenos Aires, no qual ele faz duras críticas à Revolução de 30 _ “contra-revolução” dirigida por “politiqueiros” _ e a alguns de seus ex-companheiros “tenentes” que haviam participado do movimento liderado por Getúlio Vargas. Prestes, cujo prestígio era imenso no país e no exterior desde a epopéia da Coluna Prestes, chegara a ser convidado para ser o comandante militar da Revolução de 30, mas recusara a oferta, por não acreditar na sinceridade das promessas de transformação feitas pelos chefes da Aliança Liberal. Cada vez mais próximo das idéias marxistas, Prestes já defendia, naquele momento, a necessidade de uma revolução agrária e anti-imperialista, que levasse ao poder um governo de operários, camponeses, soldados e intelectuais pobres. Um ano depois, partiria para a União Soviética, ingressando no PC em 1934. Em 1935 estaria de volta ao Brasil, clandestino, para dirigir os preparativos do fracassado levante da Aliança Nacional Libertadora. Camaradas! Com a quartelada do Rio de Janeiro, está terminada a primeira parte da contra-revolução que, dirigida pelos politiqueiros de Minas e do Rio Grande, com a conivência consciente ou inconsciente, mas sempre criminosa, de oficiais "revolucionários", foi iniciada em diferentes pontos do País, nos primeiros dias de outubro. É chegado, portanto, o momento de reafirmar a minha posição de inteira e constante solidariedade com as grandes massas trabalhadoras do Brasil, no instante em que assistem à mudança de uma ditadura por outra, naturalmente pior e mais sangüinária. Não cabe neste documento um estudo das causas econômicas do golpe militar da Aliança Liberal e do nauseante oportunismo dos generais que dirigiram a quartelada do Rio de Janeiro. É evidente que a profunda e difícil crise que atravessa a economia nacional, ferida no seu principal produto de exportação - o café -, e agravada pela crise mundial do capitalismo, principalmente nos Estados Unidos, assinalava o momento propício a um maior avanço do imperialismo, no sentido da exploração monopolista do Brasil. Da influência imperialista na formação e preparo da Aliança Liberal, é exemplo típico, entre muitos, a maneira por que foi gerada a "frente única" rio-grandense, força política necessária numa luta contra a hegemonia dos fazendeiros de café. Com capital norte-americano, foi fundado o Banco do Estado do Rio Grande, e, por seu intermédio, com generosos empréstimos aos estancieiros gaúchos, facilmente reconciliadas as duas facções políticas que naquele Estado, há quase quarenta anos, se digladiavam. Feita a união Borges [de Medeiros]-Assis [Brasil], foi fácil conseguir, para chamada "cruzada liberal de regeneração nacional", o apoio indispensável de [Artur] Bernardes, Antônio Carlos [de Andrada] e Epitácio [Pessoa]. Como a farsa precisava ter caráter militar e, se, por uma parte, devia amedrontar os senhores do poder, por outra, precisava enganar as grandes massas esfomeadas e descontentes, começou-se a compra dos politiqueiros demagogistas e dos militares com prestígio "revolucionário" no País. Com um cinismo capaz de revoltar as mais pesadas consciências, foram comprados e arrolados na lista dos futuros "heróis" os mesmos homens que já haviam, desde 1922, combatido os politiqueiros venais e sanguinários, como Borges, Epitácio e Bernardes. E assim, prometendo dirigir um movimento de preparação, alistaram-se nas hostes aliancistas [Juarez] Távora, Miguel Costa, Isidoro [Dias Lopes], João Alberto e outros militares, bem como todos os politiqueiros demagogistas, tendo à frente Maurício de Lacerda. No Brasil, como em toda a América Latina, os mistificadores servem-se da palavra "revolução" para enganar, grosseiramente, as grandes massas trabalhadoras. É a tática mais natural dos agentes dos imperialistas. Com idêntico objetivo, muitos elementos da Coluna Prestes foram utilizados para enfraquecer o movimento proletário, com a promessa de um movimento de preparação, e para ameaçar e fazer pressão sobre os conservadores, obrigando-os a ceder às exigências do imperialismo. É já evidente que o papel de todos os "revolucionários" que pegaram em armas com a Aliança Liberal foi de simples agentes militares do imperialismo. Vencedores agora, sustentarão o mesmo regime de opressão. Com promessas de honestidade administrativa e voto secreto, procurarão enganar os trabalhadores de todo o Brasil, a fim de que melhor possam ser explorados pelos fazendeiros, pelos senhores de engenho, pelos grandes industriais. Nesse sentido, as opiniões de Távora são bastante conhecidas: é declaradamente contrário à revolução agrária e defenderá os interesses dos imperialistas. Nas suas primeiras declarações, depois da tomada de Recife, afirmou que massacrará os operários conscientes e todos os que não se submetam ao novo credo, para cuja prática começou colocando um usineiro e latifundista ultra-reacionário à frente do governo de Pernambuco. No Rio Grande do Sul, os mentores da mazorca desmascararam-se logo de início, ameaçando passar pelas armas, sumariamente, todos aqueles que, por atos ou por palavras, procurassem censurá-la, principalmente quando se tratasse de "partidários das idéias comunistas", conforme um comunicado do chefe de polícia de Sant'Anna do Livramento. E, segundo relatam vários fugitivos, muitos já foram os trabalhadores que, não querendo ingressar nas fileiras aliancistas, foram assassinados, sob pretexto de serem comunistas. Se não bastassem esses fatos, as declarações de todos os chefes liberais, as manifestações aos cônsules da América do Norte e da Inglaterra, em Porto Alegre, e a pastoral do arcebispo da mesma cidade serviriam para acentuar o caráter contra-revolucionário da mazorca. Os objetivos são claros: dado o golpe militar, é derrocada uma tirania. Essa derrocada, feita com o auxílio de elementos ainda não contaminados pelo poder, serve para embriagar as massas com a ilusão de vitória, ampliando, portanto, a base interna sobre que se apóia o domínio imperialista. Prepara-se, assim, a vinda de outra tirania, mais clara, mais brutal, mais violenta e contando, já agora, com o que não contava a anterior - o prestígio popular e "revolucionário". Graças a este prestígio, tornam-se mais fáceis todos os negócios dos imperialistas, podendo os novos senhores vender, mais barato e sem maiores exigências, as terras, as minas e os serviços públicos que interessarem a Londres e Nova York. É o que precisam compreender todos os que realmente se dispõem a lutar contra os imperialistas que nos vão escravizando cada vez mais, todos os operários que vão sendo cada vez mais explorados, recebendo salários de fome, quando não são abandonados na legião dos sem-trabalho; todos os camponeses que derramaram o seu sangue, mas continuam sem um pedaço de terra onde possam viver; todos os soldados e marinheiros que são obrigados a jogar a vida em proveito de uma meia dúzia de senhores que mandam fuzilar os trabalhadores conscientes. É necessário reagir contra tanta miséria e tanto cinismo! Arranquemos, de uma vez por todas, a máscara de "salvadores" com a qual se embuçam os homens que aproveitaram o prestígio adquirido combatendo Epitácio e Bernardes para, com eles e todos que os cercam, inclusive os generais de "mãos limpas", organizar uma nova tirania. Diziam aceitar alianças indecorosas para fazer a "primeira etapa" da "revolução", e, agora, degolam e fuzilam os trabalhadores que procuram continuar a luta. Távora, Miguel Costa, Isidoro e todos os outros estão servindo de instrumentos nas mãos dos politiqueiros. Sacrificaram, com sua traição, a memória dos revolucionários que, com Joaquim Távora, morreram lutando contra Bernardes e Flores da Cunha. Tornaram-se indignos de todos os soldados, operários e camponeses que, com o seu sangue, assinalaram através do País, numa marcha de dois anos, a sua intransigência com os exploradores constantes das grandes massas trabalhadoras. Arrastaram, com o prestígio que conseguiram, lutando contra os politiqueiros com que agora se uniram, os soldados e as massas inconscientes e obscurecidas a uma luta armada em proveito da burguesia assassina e ladravaz. Que farão, agora, os vencedores? Em que consistirá a obra de reconstrução de que tão vagamente falam? Procurarão, naturalmente, resolver, à custa dos trabalhadores a atual crise econômica. Os salários serão reduzidos e os pequenos funcionários, que não tenham parentes ou padrinhos no novo governo, serão dispensados. Os colonos e camaradas das fazendas de café passarão "patrioticamente" a trabalhar de graça para os fazendeiros, senhores das terras, que terão a magnanimidade de lhes permitir que plantem um pouco de mandioca com que matem a fome... Nas estâncias do Rio Grande e Mato Grosso, como nos canaviais do Nordeste, a situação dos peões e trabalhadores continuará a mesma ou agravada com novos impostos. Aos ingleses serão feitas mais algumas concessões de terras e serviços públicos e, no Pará, Ford terá os seus domínios ampliados, para que possa "civilizar" a Amazônia. As tarifas das estradas de ferro inglesas, tanto em São Paulo como no Nordeste, não serão reduzidas, pois o novo governo não pretende prejudicar os interesses dos capitalistas. O mesmo acontecerá com todas as usinas elétricas que estão, em quase todo o Brasil, nas mãos dos norte-americanos. Naturalmente, a Itabira Iron iniciará os seus trabalhos, porque a ditadura satisfará todas as suas exigências, em troca de mais alguns dólares. O regime feudal, tão conhecido dos "revolucionários" que estiveram no Paraná e em Mato Grosso, continuará o mesmo nas grandes empresas ervateiras daqueles estados. As grandes massas abandonadas e analfabetas do interior do País continuarão dirigidas pelos mesmos chefetes, até que, convencidas da traição de que foram vítimas, resolvam, por si próprias, tomar as terras que lhes pertencem, expulsar os miseráveis que as exploram e organizar o seu próprio governo. Camaradas! A nova tirania procurará resolver a atual crise econômica à vossa custa. A racionalização da economia do café será a fome generalizada. Para satisfazer os senhores de Londres e Nova York, a vanguarda revolucionária será brutalmente perseguida e, a exemplo do que já fazem as ditaduras do Peru, da Bolívia e da Argentina, serão presos, deportados ou mesmo fuzilados todos os que não se submetam ao novo credo. Haverá anistia e liberdade de imprensa e de propaganda, em palavras, é claro, pois os verdadeiros revolucionários continuarão perseguidos pelos modernos fontouras e laudelinos, e sua imprensa não poderá ser lida nem divulgada. A experiência destes últimos meses, no Brasil e em toda a América do Sul, deve servir para convencer os trabalhadores das cidades e dos campos, os soldados e marinheiros, de que só eles poderão fazer a Revolução; que os falsos revolucionários, mesmos os que eram considerados honestos e sinceros, facilmente se vendem por alguns galões e bordados que lhes ofereçam Bernardes e seus companheiros. Camponeses! A terra em que trabalhas é tua, dela te deves apossar. Se não queres ver os teus filhos e companheiros na mais negra miséria, esmagados pelos novos tiranos, procura uma arma e, junto com os teus vizinhos, exige e luta pela posse da terra em que trabalhas. Confraterniza com os soldados e os operários e organiza o teu próprio governo, o único capaz de lutar contra os imperialistas. Operário! Entra no teu sindicato e luta pelo seu desenvolvimento como organização revolucionária. Prestigia, material e moralmente o teu partido de classe, o único capaz de lutar, firme e conseqüentemente, pelas tuas reivindicações - o Partido Comunista. Soldado! Marinheiro! Não te deixes estupidamente matar na defesa dos interesses dos teus inimigos. Ajuda os teus irmãos - operários e camponeses - a tomar a terra, as fábricas, os bancos, fornecendo-lhes as armas que estiverem ao teu alcance. Os intelectuais pobres, estudantes, pequenos funcionários e empregados no comércio, todos os que forem realmente revolucionários, que não se queiram vender aos novos tiranos, e sobre os quais também já se fazem sentir a exploração e as injustiças deste regime, precisam, igualmente, trabalhar e lutar pela Revolução, compreendendo, desde logo, que só o proletariado será capaz de dirigi-la e que, portanto, com ele se devem identificar, se realmente querem lutar contra o domínio imperialista e abater o atual regime. Lutemos todos pela abolição, sem indenização da grande propriedade, entregando a terra aos que a cultivam! Lutemos pela confiscação e nacionalização das empresas estrangeiras, concessões, bancos e serviços públicos, e pela anulação das dívidas externas! Lutemos pelas reivindicações mais imediatas dos trabalhadores das cidades e dos campos, socializando os meios de produção! Organizemos o único governo capaz de satisfazer as necessidades dos trabalhadores, de dar a terra aos que a trabalham, de lutar intransigentemente contra os imperialistas - o governo dos conselhos de operários, camponeses, soldados e marinheiros! Buenos Aires, 6 de novembro de 1930. Luís Carlos Prestes

Getúlio toma posse e bota abaixo a República Velha (1930)


11/11/1930




Consumada a Revolução de 1930, Getúlio Vargas tomou posse a 3 de novembro como chefe do Governo Provisório da República. Logo investiu-se de poderes excepcionais, oficializados no decreto abaixo, de 11 de novembro de 1930, que lhe permitiram desmantelar as estruturas da República Velha. O Congresso Nacional e todos os órgãos legislativos estaduais e municipais foram dissolvidos e os governadores, afastados, com a nomeação de interventores federais. Comandado por Vargas, iniciava-se o processo de reorganização do Estado brasileiro. Decreto no 19398, de 11 de novembro de 1930 Institui o governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, e dá outras providências. O chefe do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil decreta: Art.1º: O governo provisório exercerá discricionariamente, em toda sua plenitude, as funções e atribuições, não só do Poder Executivo, como também do Poder Legislativo, até que, eleita a Assembléia Constituinte, estabeleça esta a reorganização constitucional do país. § único: Todas as nomeações e demissões de funcionários ou de quaisquer cargos públicos, quer sejam efetivos, interinos ou em comissão, competem exclusivamente ao chefe do governo provisório. Art. 2º: É confirmada, para todos os efeitos, a dissolução do Congresso Nacional, das atuais Assembléias Legislativas dos estados (quaisquer que sejam as suas denominações), Câmaras ou Assembléias Municipais e quaisquer outros órgãos legislativos ou deliberativos, existentes nos estados, nos municípios, no Distrito Federal ou território do Acre, e dissolvidos os que ainda o não tenham sido de fato. Art. 3º: O Poder Judiciário Federal, dos estados, do território do Acre e do Distrito Federal continuará a ser exercido na conformidade das leis em vigor, com as modificações que vierem a ser adotadas de acordo com a presente lei e as restrições que desta mesma lei decorrerem desde já. Art. 4º: Continuam em vigor as constituições federal e estaduais, as demais leis e decretos federais, assim como as posturas e deliberações e outros atos municipais, todos, porém, inclusive as próprias constituições, sujeitas às modificações e restrições estabelecidas por esta lei ou por decreto ou atos ulteriores do governo provisório ou de seus delegados, na esfera de atribuições de cada um. Art. 5º: Ficam suspensas as garantias constitucionais e excluída a apreciação judicial dos decretos e atos do governo provisório ou dos interventores federais, praticados na conformidade da presente lei ou de suas modificações ulteriores. § único: É mantido o habeas corpus em favor dos réus ou acusados em processos de crimes comuns, salvo os funcionais e os da competência de tribunais especiais. Art. 6º: Continuam em inteiro vigor e plenamente obrigatórias todas as relações jurídicas entre pessoas de direito privado, constituídas na forma da legislação respectiva e garantidos os respectivos direitos adquiridos. Art. 7º: Continuam em inteiro vigor, na forma das leis aplicáveis, as obrigações e os direitos resultantes de contratos, de concessões ou outras outorgas, com a União, os estados, os municípios, o Distrito Federal e o território do Acre, salvo os que, submetidos a revisão, contravenham ao interesse público e à moralidade administrativa. Art. 8º: Não se compreendem nos arts. 6o e 7o e poderão ser anulados ou restringidos, coletiva ou individualmente, por atos ulteriores, os direitos até aqui resultantes de nomeações, aposentadorias, jubilações, disponibilidade, reformas, pensões ou subvenções e, em geral, de todos os atos relativos a emprego, cargos ou ofícios públicos, assim como do exercício ou o desempenho dos mesmos, inclusive, e, para todos os efeitos, os da magistratura, do Ministério Público, ofícios de Justiça e quaisquer outros, da União Federal, dos estados, dos municípios, do território do Acre e do Distrito Federal. Art. 9º: É mantida a autonomia financeira dos estados e do Distrito Federal. Art. 10: São mantidas em pleno vigor todas as obrigações assumidas pela União Federal, pelos estados e pelos municípios, em virtude de empréstimos ou de quaisquer operações de crédito público. Art. 11: O governo provisório nomeará um interventor federal para cada estado, salvo para aqueles já organizados, em os quais ficarão os respectivos presidentes investidos dos poderes aqui mencionados. § 1º: O interventor terá, em cada estado, os proventos, vantagens e prerrogativas que a legislação anterior do mesmo estado confira ao seu presidente ou governador, cabendo-lhe exercer, em toda plenitude, não só o Poder Executivo como também o Poder Legislativo. § 2º: O interventor terá, em relação à Constituição e leis estaduais, deliberações, posturas e atos municipais, os mesmos poderes que por esta lei cabem ao governo provisório, relativamente à Constituição e demais leis federais, cumprindo-lhe executar os decretos e deliberações daquele no território do estado respectivo. § 3º: O interventor federal será exonerado a critério do governo provisório. § 4º: O interventor nomeará um prefeito para cada município, que exercerá aí todas as funções executivas e legislativas, podendo o interventor exonerá-lo quando entenda conveniente, revogar ou modificar qualquer dos seus atos ou resoluções e dar-lhe instruções para o bom desempenho dos cargos respectivos e regularização e eficiência dos serviços municipais. § 5º: Nenhum interventor ou prefeito nomeará parente seu, consangüíneo ou afim, até o sexto grau, para cargo público, no estado ou município, a não ser um para cargo de confiança pessoal. § 6º: O interventor e o prefeito, depois de regularmente empossados, ratificarão expressamente ou revogarão os atos ou deliberações que eles mesmos, antes de sua investidura, de acordo com a presente lei ou quaisquer outras autoridades, que anteriormente tenham administrado de fato o estado ou o município, hajam praticado. § 7º: Os interventores e prefeitos manterão, com a amplitude que as condições locais permitirem, regime de publicidade dos seus atos e dos motivos que os determinarem, especialmente no que se refira à arrecadação e aplicação dos dinheiros públicos, sendo obrigatória a publicação mensal do balancete da receita e da despesa. § 8º: Dos atos dos interventores haverá recurso para o chefe de governo provisório. Art. 12: A nova Constituição Federal manterá a forma republicana federativa e não poderá restringir os direitos dos municípios e dos cidadãos brasileiros e as garantias individuais constantes da Constituição de 24 de fevereiro de 1891. Art. 13: O governo provisório, por seus auxiliares do governo federal e pelos interventores nos estados, garantirá a ordem e segurança pública, promovendo a reorganização geral da República. Art. 14: Ficam expressamente ratificados todos os atos da junta governativa provisória constituída nesta capital aos 24 de outubro último, e os do governo atual. Art. 15: Fica criado o Conselho Nacional Consultivo, com poderes e atribuições que serão regulados em lei especial. Art. 16: Fica criado o Tribunal Especial para processo e julgamento de crimes políticos, funcionais e outros que serão discriminados na lei da sua organização. Art. 17: Os atos do governo provisório constarão de decretos expedidos pelo chefe do mesmo governo e subscritos pelo ministro respectivo. Art. 18: Revogam-se todas as disposições em contrário. Rio de Janeiro, 11 de novembro de 1930, 109º da Independência e 42º da República. [Ass.] Getúlio Vargas, Oswaldo Aranha, José Maria Whitaker, Paulo de Moraes Barros, Afrânio de Melo Franco, José Fernandes Leite de Castro, José Isaías de Noronha.



Manifesto da ANL pede fim da dívida externa e reforma agrária (1935)


1935



A Aliança Nacional Libertadora teve curta existência - cerca de dez meses - mas grande impacto na vida política nacional. Fundada oficialmente em fevereiro de 1935, com o lançamento do manifesto que se reproduz abaixo, a ANL, em pouco tempo, passou a ser um importante movimento político de massas, realizando grandes comícios nas principais cidades do país e alcançando, segundo seus organizadores, a impressionante marca de 400 mil filiados. Embora fortemente influenciada pelo Partido Comunista do Brasil, a ANL abrigava também remanescentes do movimento tenentista, socialistas, anti-fascistas, democratas, católicos, admiradores de Luiz Carlos Prestes etc., e constituiu-se num terreno de convergência de todas as correntes progressistas daquela época tumultuada, marcada no campo econômico pelos efeitos da depressão mundial do capitalismo e, no campo político, pela ascensão do nazi-fascismo. O programa da ANL tinha caráter anti-imperialista e antifeudal. Propunha o cancelamento da dívida externa, a nacionalização das empresas estrangeiras, a reforma agrária, a proteção ao pequeno e médio produtor rural, a ampliação das liberdades políticas e a instauração de um governo popular. Assustado com o crescimento da ANL, Getúlio Vargas aproveitou-se da radicalização do movimento, que, sob a influência de Prestes, passou a lançar palavras-de-ordem cada vez mais extremadas, para decretar seu fechamento em julho de 1935. A partir daí, a ANL passou a operar na clandestinidade, o que enfraqueceu seus laços com o movimento social e reforçou no seu interior o peso dos jovens oficiais que pregavam a deflagração de um levante armada, alternativa também defendida pelo PCB. Em 23 de novembro, sargentos, cabos e soldados do 21° Batalhão de Caçadores tomaram a cidade e instauraram um governo popular, que sobreviveria por quatro dias. No dia 24, o 24° Batalhão de Caçadores levantou-se no Recife, mas acabou dominado pelas tropas fiéis a Vargas. Na noite de 26 para 27, a revolta estendeu-se ao Rio, no 3° Regimento de Infantaria e na Escola de Aviação Militar, mas foi logo contido. Vargas aproveitou a oportunidade para desatar uma vasta onda repressiva em todo o país. Milhares de comunistas e simpatizantes de entidades progressistas foram presos, e a ANL foi liquidada. Quatro meses mais tarde, Prestes seria preso no Méier, no Rio de Janeiro. Somente deixaria a prisão, nove anos depois, em 1945, com o fim da II Guerra. Manifesto da Aliança Nacional Libertadora (1935) O Brasil, cada vez mais, se vê escravizado aos magnatas estrangeiros. Cada vez mais, a independência nacional é reduzida a uma simples ficção legal. Cada vez mais, nosso País e nosso povo são explorados, até os últimos limites, pela voracidade insaciável do imperialismo. De acordo com os dados oficiais, publicados em Nova York, o Brasil pagou no ano de 1932, pelos fundings federais, pelas divisas dos Estados, dos Municípios, do Instituto de Café, pela consolidação do crédito (com o descoberto do Banco do Brasil, pelas "despesas" administrativas, no estrangeiro, cobradas pelos nossos próprios credores), um total de 21.794.317 libras. Fora isto, de acordo, ainda, com as informações oficiais, os lucros, os dividendos das companhias estrangeiras aqui estabelecidas, e a remessa de dinheiro para o exterior, sob diversas formas, atingem a uma média anual de 20 milhões de libras. Assim, um total de 40 milhões de libras, representando, no câmbio atual, mais de três milhões de contos, é anualmente entregue como tributo da nossa escravidão aos magnatas imperialistas! Nos últimos quatro anos, o valor anual da produção brasileira não ultrapassou a 10 milhões de contos. E assim, se notarmos que grande parte desta quantia deve ser destinada à reprodução do capital, fundo de reserva, gastos com transportes, pagamento de dívidas internas etc., chegaremos a essa pavorosa conclusão: os 45 milhões de brasileiros recebem, do seu trabalho, tanto quanto meia dúzia de parasitas estrangeiros, que exploram e escravizam nosso País. Os juros pagos pelo Brasil a seus credores já se elevam a mais do dobro da importância que ele recebera como empréstimo. Os lucros fabulosos das companhias imperialistas já ultrapassam, de muito, o capital por elas investido. E, entretanto, continua o País com uma fabulosa "dívida" externa; continuam os capitalistas estrangeiros a dominar nossos serviços públicos, nossas fontes de energia e nossos meios de comunicação - numa palavra: todas as partes fundamentais e básicas da economia moderna. O imperialismo, procurando obter mão-de-obra por preço vil, protegeu, como ainda protege, os latifundistas, o feudalismo. Para uma população agrária de 34 milhões de almas temos, apenas, segundo o último recenseamento, 648.153 propriedades agrícolas. E destas a sua grande maioria - 70% - abrange apenas, de acordo com a Diretoria Geral de Estatística, 9% de área total. O nosso território agrícola está, pois, na sua quase totalidade, monopolizado pelos grandes latifundistas, em cujas fazendas vive, sob o jugo de uma exploração medieval, a grande massa de nossa população laboriosa. Mas, afirmam os grandes latifundistas, no Brasil ainda há muita terra para ser cultivada; por que, pois, falar contra o latifúndio? Estes senhores apenas se esquecem que novas e grandes explorações do solo exigem capitais enormes, para os instrumentos, o plantio e a manutenção dos trabalhadores; que o cultivo da terra é um longo processo histórico, feito gradativamente através de gerações: e que essa massa de trabalho de sol a sol não tem a posse da terra, injusta e esterilmente entregue, na sua quase totalidade, aos parasitários latifundistas. Mas o feudalismo, após a libertação dos escravos, não se teria certamente mantido, como não se manteve nos Estados Unidos após o triunfo dos abolicionistas, se não fosse o auxílio poderoso do capital financeiro. Por outro lado, os pequenos e médios proprietários agrícolas se acham cada vez mais amordaçados pela agiotagem e pela usura. O imperialismo, dominando o País, explorou-o para seu único proveito: reduzindo-o a um simples fornecedor de matérias-primas, deixando inexploradas as nossas minas de ferro, níquel etc., as nossas maiores fontes de riqueza. O imperialismo impediu, como ainda impede, o desenvolvimento da metalurgia, da indústria pesada, de tudo enfim, que possa fazer concorrência à sua própria produção. O imperialismo reduz o povo brasileiro à ignorância e à miséria. O analfabetismo atinge 75% da nossa população. O índice de mortalidade assume proporções verdadeiramente fantásticas. A fome - apesar dos nossos recursos naturais - aniquila o povo brasileiro: a quantidade de alimento consumido pelo Distrito Federal é, de acordo com a palavra do professor Escudeiro, insuficiente para mantê-lo; o povo, em plena Capital da República, é subalimentado, passa fome. O imperialismo, reduzindo ao extremo a capacidade aquisitiva do nosso povo, cerceia o desenvolvimento das nossas forças produtivas. A exportação, por cabeça, no último ano de "prosperidade" - 1929 -, foi, no Brasil, apenas de 47 shillings, enquanto no Uruguai já se eleva a 154, na União Africana a 156, no México a 159, na Argentina a 387, no Canadá a 546, na Nova Zelândia a 832 shillings. O imperialismo, apavorado com o invencível despertar da consciência nacional, impõe leis monstruosas e bárbaras que aniquilam a liberdade. E a própria defesa nacional tem-se plasmado inteiramente a seus estreitos interesses: compram-se armamentos por preços extorsivos, mas não se procura explorar as nossas minas nem se criam fábricas de material bélico, aviões etc. Em suma, é a completa escravidão nacional. É o Brasil reduzido a verdadeira máquina de lucros dos capitalistas estrangeiros. Entretanto, neste momento a Nação já começa a erguer-se em defesa de seus direitos, de sua independência, de sua liberdade. E a Aliança Nacional Libertadora surge, justamente, como o coordenador deste gigantesco e invencível movimento. Sincera e profundamente patriotas, saberemos, porém, distinguir o patriotismo desse chauvinismo hipócrita, açulado pelos banqueiros, com o fim de produzir, para seu único proveito, guerras imperialistas. Sabemos distinguir os magnatas que oprimem e escravizam o País dos honestos trabalhadores estrangeiros, explorados como os brasileiros, e que contribuem para o progresso e o desenvolvimento do Brasil. A Aliança Nacional Libertadora tem um programa claro e definido. Ela quer o cancelamento das dívidas imperialistas; a liberdade em toda a sua plenitude; o direito do povo manifestar-se livremente; a entrega dos latifúndios ao povo laborioso que os cultiva; a libertação de todas as camadas camponesas da exploração dos tributos feudais pagos pelo aforamento, pelo arrendamento da terra etc., a anulação total das dívidas agrícolas; a defesa da pequena e média propriedade contra a agiotagem, contra qualquer execução hipotecária. Diminuindo todos os impostos que pesam sobre a nossa população laboriosa, e com isto, abaixando o custo de vida e desafogando o comércio; Aumentando os salários e ordenados de todos os operários, empregados e funcionários; Efetivando e ampliando todas as medidas de amparo e assistência social aos trabalhadores; Desenvolvendo em enorme escala a instrução, e protegendo realmente a saúde púbica. Queremos uma Pátria livre! Queremos o Brasil emancipado da escravidão imperialista! Queremos a libertação social e nacional do povo brasileiro! Comissão Provisória de Organização: Hercolino Cascardo (capitão-tenente da Marinha) - Amorety Osório (capitão do Exército) - Roberto Sisson (comandante da Marinha).

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