top of page

"Um por todos, todos por um" (1911)


24.10.1911



A ata da reunião realizada em Juazeiro, no Ceará, em 24 de outubro de 1911, sob o patrocínio do Padre Cícero, é um documento revelador de como se fazia política e se exercia o poder no Brasil da República Velha. Os “coronéis” que controlavam os municípios da região firmam acordo de paz, com o objetivo de impedir disputas entre eles e garantir a estabilidade do poder local. O entendimento poderia ser batizado com o lema dos Três Mosqueteiros, citado no documento _ “Um por todos, e todos por um”. Ele deixa claro que, a partir daquela data, nenhum chefe político tentaria derrubar um colega de outro município ou daria guarida a cangaceiros. Eventuais disputas entre os signatários passariam a ser arbitradas pelo governo do Estado. Sob a benção do Padre Cícero, é claro. Aos quatro dias do mês de outubro do ano de mil novecentos e onze, nesta vila de Juazeiro do Padre Cícero, Município do mesmo nome, Estado do Ceará, no paço da Câmara Municipal, compareceram à uma hora da tarde os seguintes chefes políticos: Coronel Antônio Joaquim de Santana, chefe do Município de Missão Velha; Coronel Antônio Luís Alves Pequeno, chefe do Município do Crato; Reverendo Padre Cícero Romão Batista, chefe do Município do Juazeiro; Coronel Pedro Silvino de Alencar, chefe do Município de Araripe; Coronel Romão Pereira Filgueira Sampaio, chefe do Município de Jardim; Coronel Roque Pereira de Alencar, chefe do Município de Santana do Cariri; Coronel Antônio Mendes Bezerra, chefe do Município de Assaré; Coronel Antônio Correia Lima, chefe do Município de Várzea Alegre; Coronel Raimundo Bento de Sousa Baleco, chefe do Município de Campos Sales; Reverendo Padre Augusto Barbosa de Meneses, chefe do Município de São Pedro de Cariri; Coronel Cândido Ribeiro Campos, chefe do Município de Aurora; Coronel Domingos Leite Furtado, chefe do Município de Milagres, representado pelos ilustres cidadãos Coronel Manuel Furtado de Figueiredo e Major José Inácio de Sousa; Coronel Raimundo Cardoso dos Santos, chefe do Município de Porteiras, representado pelo Reverendo Padre Cícero Romão Batista; Coronel Gustavo Augusto de Lima, chefe do Município de Lavras, representado por seu filho, João Augusto de Lima; Coronel João Raimundo de Macedo, chefe do Município de Barbalha, representado por seu filho, Major José Raimundo de Macedo, e pelo juiz de direito daquela comarca, Dr. Arnulfo Lins e Silva; Coronel Joaquim Fernandes de Oliveira, chefe do Município de Quixadá, representado pelo ilustre cidadão major José Alves Pimentel; e o Coronel Manuel Inácio de Lucena, chefe do Município de Brejo dos Santos, representado pelo Coronel Joaquim de Santana. A convite deste, que, assumindo a presidência da magna sessão, logo deixou, ocupou-a o Reverendo Padre Cícero Romão Batista, para em seu nome declarar o motivo que aqui os reunia. Ocupada a presidência pelo Reverendo Padre Cícero, fora chamado o Major Pedro da Costa Nogueira, tabelião e escrivão da cidade de Milagres, que também se achava presente. Declarou o presidente que, aceitando a honrosa incumbência confiada pelo seu prezado e prestigioso amigo Coronel Antônio Joaquim de Santana, chefe de Missão Velha, e traduzindo os sentimentos altamente patrióticos do egrégio chefe político, Excelentíssimo Senhor Doutor Antônio Pinto Nogueira Acioli, que sentia d'alma as discórdias existentes entre alguns chefes políticos desta zona, propunha que, para desaparecer por completo esta hostilidade pessoal, se estabelecesse definitivamente uma solidariedade política entre todos, a bem da organização do partido, os adversários se reconciliassem e ao mesmo tempo lavrassem todos um pacto de harmonia política. Disse mais que, para que ficasse gravado este grande feito na consciência de todos e de cada um de per si, apresentava e submetia à discussão e aprovação subseqüente os seguintes artigos de fé política: Art. 1o Nenhum chefe protegerá criminosos do seu município nem dará apoio nem guarida aos dos municípios vizinhos, devendo pelo contrário ajudar a captura destes, de acordo com a moral e o direito. Art. 2o Nenhum chefe procurará depor outro chefe, seja qual for a hipótese. Art. 3o Havendo em qualquer dos municípios reações, ou, mesmo, tentativas contra o chefe oficialmente reconhecido com o fim de depô-lo, ou de desprestigiá-lo, nenhum dos chefes dos outros municípios intervirá nem consentirá que os seus municípios intervenham ajudando direta ou indiretamente os autores da reação. Art. 4o Em casos tais só poderá intervir por ordem do Governo para manter o chefe e nunca para depor. Art. 5o Toda e qualquer contrariedade ou desinteligência entre os chefes presentes será resolvida amigavelmente por um acordo, mas nunca por um acordo de tal ordem, cujo resultado seja a deposição, a perda de autoridade ou de autonomia de um deles. Art. 6o E nessa hipótese, quando não puderem resolver pelo fato de igualdade de votos de duas opiniões, ouvir-se-á o Governo, cuja ordem e decisão será respeitada e estritamente obedecida. Art. 7o Cada chefe, a bem da ordem e da moral política, terminará por completo a proteção a cangaceiros, não podendo protegê-los e nem consentir que os seus munícipes, seja sob que pretexto for, os protejam dando-lhes guarida e apoio. Art. 8o Manterão todos os chefes aqui presentes inquebrantável solidariedade não só pessoal como política, de modo que haja harmonia de vistas entre todos, sendo em qualquer emergência "um por todos e todos por um", salvo em caso de desvio da disciplina partidária, quando algum dos chefes entenda de colocar-se contra a opinião e ordem do chefe do partido, o Excelentíssimo Doutor Antônio Pinto Nogueira Acioli. Nessa última hipótese, cumpre ouvirem e cumprirem as ordens do Governo e secundarem-no nos seus esforços para manter intacta a disciplina partidária. Art. 9o Manterão todos os chefes incondicional solidariedade com o Excelentíssimo Doutor Antônio Pinto Nogueira Acioli, nosso honrado chefe, e como políticos disciplinados obedecerão incondicionalmente suas ordens e determinações. Submetidos a votos, foram todos os referidos artigos aprovados, propondo unanimemente todos que ficassem logo em vigor desde essa ocasião. Depois de aprovados, o Padre Cícero levantando-se declarou que, sendo de alto alcance o pacto estabelecido, propunha que fosse lavrado no Livro de Atas desta municipalidade todo o ocorrido, para por todos os chefes ser assinado, e que se extraísse uma cópia da referida ata para ser registrada nos livros das municipalidades vizinhas, bem como para ser remetida ao Doutor Presidente do Estado, que deverá ficar ciente de todas as resoluções tomadas, o que foi feito por aprovação de todos e por todos assinado. Eu, Pedro da Costa Nogueira, secretário, a escrevi. Padre Cícero Romão Batista - Antônio Luís Alves Pequeno - Antônio Joaquim de Santana - Pedro Silvino de Alencar - Romão Pereira Filgueira Sampaio - Roque Pereira de Alencar - Antônio Mendes Bezerra - Antônio Correia Lima - Raimundo Bento de Sousa Baleco - Padre Augusto Barbosa de Meneses - Cândido de Ribeiro Campos - Manuel Furtado de Figueiredo - José Inácio de Sousa - João Augusto de Lima - Arnulfo Lins e Silva - José Raimundo de Macedo - José Alves Pimentel

Governo assina acordo de paz com coronéis da Bahia (1920)


03/03/1920



Na República Velha, era imenso o poder dos chefes políticos regionais, que comandavam a ferro e fogo a vida dos municípios do interior. Os chamados “coronéis” detinham o poder absoluto nas suas áreas de influência. Quando enfrentavam resistências em baixo, costumavam reprimir violentamente os que ousavam desafiar suas ordens. Quando não gostavam das determinações vindas de cima, não hesitavam em desafiá-las. Foi o que fizeram os “coronéis” do vale do São Francisco, na Bahia, no início de 1920. Inimigos do governador J. J. Seabra, rebelaram-se contra ele, formando um exército de jagunços que ocupou dezenas de municípios do sertão e interrompeu a navegação no Velho Chico. O governador foi obrigado a recuar. Os detalhes do acordo assinado em 3 de março de 1920 entre o governo federal e os “coronéis” não deixam dúvidas sobre quem venceu a parada: os revoltosos são anistiados e mantêm armas, munições e o controle dos municípios ocupados. Garantem, além disso, vagas de deputados para seus afilhados. “1o) O Coronel Horácio de Matos não entregará as suas armas e munições; 2o) Conservará a posse dos doze municípios, que ocupou, reconhecendo o Governo as autoridades por ele, Horácio, nomeadas; 3o) Serão conservadas, em qualquer hipótese, uma vaga de deputado estadual e outra de federal para o Coronel Horácio eleger os seus candidatos; 4o) Retirarão de Campestre o Coronel Fabrício e seus amigos, com a proibição de ali voltarem; 5o) Retirarão de Lençóis, nas mesmas condições, o Senador César de Sá e seus amigos, 6o) O Coronel Horácio de Matos não apoiará o Dr. Seabra, continuando a ser oposicionista; 7o) Não haverá, para o Coronel Horácio de Matos e seus amigos, nenhuma responsabilidade, civil e criminal, pelos atos de revolução. * * * 1o) Não resultar do movimento revolucionário da zona do S. Francisco nenhuma responsabilidade civil ou criminal por ato ou fato praticado pelos revolucionários, inclusive o aprisionamento dos vapores da empresa estadual Viação do S. Francisco; 2o) Seja quem for o governador da Bahia, terá que entregar, sob o patrocínio do comando da Região Militar desse Estado, a direção político-administrativa dos municípios de Remanso, Casa Nova e Xiquexique aos revolucionários seus atuais ocupantes e dirigentes, que terão como seu representante político o Coronel Anfilófio Castelo Branco; 3o) Apesar de ser unânime o Município de Santa Rita do Rio Preto ao lado do Coronel Abílio Rodrigues de Araújo, ficará, para qualquer governo, este chefe revolucionário como responsável pelos destinos políticos daquele município; 4o) Não poderão voltar às respectivas localidades as autoridades depostas e pessoas outras expulsas pelos revolucionários, a bem da paz e tranqüilidade futuras da zona do S. Francisco; 5o) Fornecerá a região militar da Bahia todas as garantias necessárias para o Dr. Cordeiro de Miranda ir à capital do Estado. Em compensação, os chefes revolucionários obrigam-se a: 1o) Paralisar completamente o movimento revolucionário da zona do S. Francisco; 2o) Fazer voltar aos seus lares, para o seu trabalho cotidiano, os seus amigos que compõem o exército libertador da zona do S. Francisco; 3o) Entregar aos emissários do general comandante da região todos os vapores da Empresa Fluvial do S. Francisco, que se acham aprisionados pelos revolucionários, com o respectivo carregamento, segundo o manifesto assinado pelo comandante de cada navio; 4o) Acatar e respeitar o futuro governo da Bahia, vendo nele a pessoa do Presidente da República, representada pelo General Cardoso de Aguiar, muito digno Interventor Federal no Estado da Bahia. Remanso, 3 de março de 1920. Pelo Município de Remanso, Anfilófio Castelo Branco - pelo Município de Casa Nova, Lindolfo de Sousa Estrela - pelo Município de Xiquexique, B. Rosalvo Teixeira da Rocha - pelo Município de Santa Rita do Rio Preto, Abílio Rodrigues de Araújo - pelo General Comandante da Região Militar, Capitão Moisés Alves da Silva, Primeiro-Tenente Alexandrino da Luz.”

Manifesto da Coluna Prestes. Íntegra. Porto Nacional (1925)


19/10/1925



Durante cerca de dois anos, a coluna Prestes, comandada por Miguel Costa e Luiz Carlos Prestes, composta da junção das tropas que se sublevaram em São Paulo e no Rio Grande do Sul, em julho de 1924, percorreu cerca de 25 mil quilômetros no interior do Brasil, pregando o fim da República Velha, a modernização do país e a realização de reformas sociais. Apesar do grande número de soldados enviados contra ela e das alianças feitas entre as autoridades e os chefes locais para tentar esmagar a coluna, o movimento não foi sufocado - e o nome de Prestes ganhou projeção nacional. No início de 1827, depois de cruzar onze estados, os integrantes da marcha exilaram-se na Bolívia. O manifesto que se segue, divulgado em Porto Nacional, hoje estado de Tocantins, em 19 de outubro de 1925, expõe os objetivos da coluna. “Concidadãos: Depois de 15 meses de luta encarniçada — marcados, dia a dia, por todas as angústias que ensombram o cenário triste de uma guerra civil —, temos hoje, ao chegar ao coração do Brasil, às margens do portentoso Tocantins, o feliz ensejo de, mais uma vez, reafirmar a nossa Pátria que a Cruzada patriótica, iniciada ao 5 de julho, na Capital gloriosa de São Paulo e engrossada, mais tarde, pelos bravos filhos da terra gaúcha, ainda não expirou e nem expirará, esmagada pelas baionetas da tirania. Apesar dessa longa peregrinação de sacrifícios, anima-nos ainda, a mesma fé inabalável dos primeiros dias de jornada, alicerçada na certeza de que a maioria do povo brasileiro, comungando conosco os ideais da Revolução, anseia por que o Brasil se reintegre nos princípios liberais, consagrados pela nossa Constituição — hoje espezinhada por um sindicato de políticos sem escrúpulos, que se apoderaram dos destinos do País, para malbaratar a sua fortuna, ensangüentar o seu território e vilipendiar o melhor de suas tradições. E o povo pode ficar certo de que os soldados revolucionários não enrolarão a bandeira da Liberdade enquanto se não modificar esse ambiente de despotismo e intolerância que asfixia, num delírio de opressão, os melhores anseios da consciência nacional! Povo Brasileiro! Bem sabemos que o País sofre e mais do que o País sofre o povo com o cortejo de violências que fatalmente acompanha a guerra. É mister, porém que a todo transe, se reintegre o Brasil na finalidade de seus destinos — ainda que novos mártires tenham de juntar o seu sangue ao dos que já souberam dar a vida pela liberdade de sua pátria. Recuar, neste momento, seria abjurar o ideal por que tantos companheiros queridos fizeram um supremo sacrifício e após essa abjuração, entregar, talvez, a vida e a liberdade de todos ao despotismo absoluto dos que nenhuma honra têm feito ao cristianismo da cultura brasileira e às tradições de generosidade de nossa raça. Ninguém veja, entretanto, nisso um desejo de fazer a guerra por um capricho de intransigência ou de ambição. Pelo contrário, queremos a paz e não é senão por ela que, há mais de 15 meses, nos batemos. Queremos, porém, uma paz sem opróbrios, cimentada na justiça — que seja, em suma, capaz de restituir ao País a tranqüilidade de que tanto necessita. Repelimos, sim, a paz sombria e trágica que encobre o vilipêndio das senzalas. A esta — se a fatalidade do destino no-la tiver de apresentar —, como um último trago de fel a sorver, preferiremos, sem indecisões, a suprema angústia do esmagamento. Porto Nacional, 19 de outubro de 1925. General Miguel Costa — Coronel Luís Carlos Prestes — Coronel Juarez Távora

bottom of page